Uma bela notícia do Senado Federal. Três, das quatro comissões que trabalham no projeto de lei PLC 41/10, aprovaram as normas de acesso geral à informação, desde os procedimentos a serem observados pelos órgãos públicos sobre o acesso da informação, ao conteúdo propriamente dito, de acordo com o grau e o prazo de sigilo.
O plenário da Casa deverá extirpar em breve uma nefasta zona de silêncio, além de um conjunto de leis, dúbias e precárias, que adiaram, da Constituição de 1988 até hoje, uma legítima demanda de transparência, a que aspiram as sociedades democráticas.
Há duas formas de se classificar, a grosso modo, a espessura do silêncio. Uma delas reside no silêncio da consonância – que firma um acordo entre as partes, de janelas abertas e ensolaradas para a Alteridade. Já no silêncio dissonante, perde-se aquele timbre aderente e solidário. Resta apenas uma paisagem estéril, pouco luminosa, um deserto de mágoa e ressentimento, por onde se apaga o rosto da Diferença.
Não desejamos essa forma de silêncio, através de uma atitude assimétrica, que projeta um cone de sombra, dissolvendo nas trevas o espaço da informação e da subjetividade.
O direito à informação é a cláusula pétrea do edifício republicano, assim como também é sagrado o desenho de uma memória mista e coletiva, de que fazemos parte, contra as forças de um silêncio dissonante e intransitivo, com sua ferida permanentemente aberta.
O projeto de lei que tramita no Senado prevê uma comissão mista de reavaliação de informações, designada pela presidência da república, que atribuirá três graus de sigilo à massa documental do Poder Público. O grau ultrassecreto protegerá o documento por 25 anos, prorrogável uma só vez, e por mais 25. Eis aqui o golpe de misericórdia dos gestores da dissonância: aos recursos protelatórios já não responderá um futuro de longa e imprecisa duração. Eis o crepúsculo de uma espera irrevogável.
Os documentos secretos, por sua vez, terão prazo de 15 anos de sigilo, ao passo que os reservados, não mais que 5. Cada órgão publicará na internet a classificação das partes de seu respectivo acervo. Os agentes públicos ou militares que incorrerem porventura em atitudes ilícitas, tais como alterar ou desfigurar informações, agir com dolo ou ma fé na análise das solicitações, poderão ser processados por improbidade administrativa.
Os inimigos do Acervo, impelidos por um “furor higiênico e ascético” em destruir pastas e dossiês considerados incômodos ou perigosos estão com os dias contados. Senão todos, boa parte dos que não guardam relações amistosas com o estado de direito.
A sociedade brasileira está madura para repelir tutelas e salvaguardas que limitem o tesouro da memória republicana. Uma vez sancionada e homologada a lei, os desafios devem migrar para outras páginas do Livro que mal começamos a escrever sobre os direitos humanos. Livro de autoria coletiva, escrito com a tinta da inclusão e do diálogo, amplamente polifônico, sensível e aberto. Livro que evolua das margens para o centro, da nota de pé de página para a mancha do texto. Livro esboçado a partir de um sumário apto a desenhar o que Paul Valéry chamava de futuro do passado (l’avenir du passé). A expressão de um tempo aparentemente antagônico reitera um fio compreensivo que aponta para uma delicada passagem entre os tempos. Uma forma de diálogo ou de transição entre camadas de passado e de futuro.
Não é possível enterrar o passado como quem se livra de um fardo, de uma fonte de miragens e dissabores, para abraçar uma espécie de futuro desfibrado e sem músculos. Não queremos um devir neutro e sem raízes. Trabalhamos pelo futuro do passado. Assim, desse tempo moral e verbal que nos cabe, virá a tênue esperança de partilhar com a cidadania os direitos sagrados e inadiáveis da Memória.