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Frentes amplas

 

Lula continua sendo uma metamorfose ambulante, e cada vez mais se enreda em suas próprias contradições. A esquerda petista vibra com a atuação do presidente nestes primeiros dias de governo que, através da retórica radicalizada, mostra-se o 'líder da esquerda' da frente ampla, como se um simulacro pudesse dar ao governo petista as ferramentas reais para superar as dificuldades atuais. Uma frente ampla se baseia em programas e projetos, e não na distribuição aleatória de cargos.

Nesse sentido, seria preciso, sim, esquecer o passado para olhar o futuro, ao contrário do que quer a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Senão, este será um governo farsesco repetindo a tragédia que produziu a partir do final do segundo mandato de Lula, acelerando a incompetência no governo de Dilma Rousseff. Se o impeachment de Dilma tivesse sido 'um golpe', teríamos um governo paranoico, que nomeou nada menos que sete ministros golpistas, apoiadores do impeachment em votação aberta, e tem suporte parlamentar de partidos 'golpistas' como MDB, União Brasil, PP, PSD e por aí vai.

Simulação de Frente Ampla faz também o presidente da Câmara, Arthur Lira. Uma frente amplíssima, que consegue reunir em torno dos mesmos interesses Eduardo Bolsonaro, filho de quem se sabe, Guilherme Boulos, do PSOL, Rosangela Moro, do União Brasil, Zeca Dirceu, líder do PT e filho de quem se sabe, Gilberto Kassab, governadores de oposição e do governo. Mas os interesses que unem todos não são programáticos, mas fisiológicos.

Cada qual promete votar em Lira para ganhar lugares na Mesa Diretora, presidências de comissões. O futuro presidente - dificilmente Lira deixará de ser reeleito - terá até mesmo um anticandidato como adversário, o deputado Chico Alencar, do PSOL, que atribui o favoritismo de Lira ao 'autoritarismo na cultura brasileira, que é forte e contamina todas as instituições': 'A candidatura avassaladora' de Lira à presidência da Câmara dos Deputados não expressa a diversidade dos quereres da sociedade brasileira. É aval ao toma lá, da cá, à chantagem do centrão. Quanto mais votos ele tiver, pior para o Lula. Não queremos uma Câmara carimbadora' da vontade do Executivo, mas também não a queremos 'embarreiradora, , trocando votos por cargos e favores, criando dificuldades para obter facilidades'.

A essência da recandidatura de Arthur Lira, e, em consequência, da vontade de reunir o maior número de deputados na sua frente amplíssima, é justamente reconquistar o poder que tinha com o orçamento secreto, que colocava o Executivo de joelhos diante do Legislativo.

Perdida essa batalha para Lula com a ajuda do Supremo Tribunal Federal (STF), Lira agora promete que, a partir da Comissão Mista do Orçamento, as bancadas partidárias terão mais poder para negociar com o governo emendas e projetos.

O que sugere que o Congresso se colocará como barreira para dificultar decisões do governo que não sirvam aos interesses dos parlamentares. Quanto maior a votação de Lira, portanto, pior para Lula, que terá que atender a interesses diversos, num arco ideológico que vai da esquerda à direita.

A frente amplíssima de Lira também torna a presidência da Câmara uma ameaça permanente ao presidente da República, pois o PT não costuma dividir o poder. O suposto golpe que cassou a então presidente Dilma foi produzido pela votação de um plenário que tinha o PT como maior bancada. Hoje, a maior bancada é a do PL, de oposição, que sustenta o apoio ao ex presidente Bolsonaro.

O próximo Congresso é mais conservador que o atual, e o Senado tem uma especial fragilidade governista. O candidato bolsonarista à presidência do Senado, Rogério Marinho, está longe de ser um anticandidato, embora seja difícil derrotar Rodrigo Pacheco. Mas a votação expressiva que deve ter Marinho indicará maiores dificuldades para o governo Lula no Congresso.

Uma frente ampla se baseia em programas e projetos, não na distribuição de cargos. Seria preciso esquecer o passado e olhar para o futuro.

O Globo, 29/01/2023