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A força da língua

 

Depois de inexplicavelmente perderem tempo, os governos de Portugal e Brasil decidiram unir esforços na busca de reconhecimento, pela Organização das Nações Unidas (ONU), do português como língua oficial, assim como já são o mandarim, o espanhol, o inglês, o francês, o árabe e o russo. As navegações e descobertas portuguesas do século XV fizeram do português o primeiro idioma globalizado, mas o poder da língua portuguesa, falada por 280 milhões de pessoas no mundo, como ativo político continua mal explorado.

A escolha do Rio, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), como Capital Mundial do Livro neste ano é um largo passo nessa direção. É a primeira cidade de língua portuguesa homenageada. Para ressaltar a internacionalização da lusofonia, as comemorações começaram com uma solenidade na Academia das Ciências de Lisboa, em conjunto com a Academia Brasileira de Letras, com a presença de representantes dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), do embaixador do Brasil na CPLP, Juliano Féres, e do secretário municipal de Cultura do Rio, Lucas Padilha.

O representante do prefeito do Rio, Eduardo Paes, declarou o compromisso do governo de “promover novas e melhores políticas públicas para o livro e para a leitura”. Padilha afirmou que “mais do que nunca, as repúblicas e as democracias precisam de leitores que carreguem suas incertezas e desejos. É a complexidade, ou diversidade, que protege a verdade da mentira. A liberdade nasce primeiro na palavra, a democracia também”.

O vice-presidente da academia portuguesa, professor José Luís Cardoso, lembrou, a propósito do título “Rio das palavras”, escolhido como tema geral das comemorações, um poema de Camões que fala “são rios estas águas em que banho este papel”, reforçando a ideia de que a cultura em língua portuguesa une a todos, Portugal, Brasil e países africanos da CPLP, num fluxo de ideias permanente.

Ressaltando a importância política do idioma comum, foi destacada a famosa frase de Fernando Pessoa “Minha pátria é a língua portuguesa”, fecho de um texto do grande poeta português no “Livro do desassossego”, que foi lido na ocasião. A frase, que expressa a forte relação política da língua, leva a outra de um dos nossos grandes poetas, Caetano Veloso, na música “Língua”: Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões. Gosto do Pessoa na pessoa, da rosa no Rosa, referindo-se a Fernando Pessoa e a Guimarães Rosa.

Foi ressaltado que a língua portuguesa é um instrumento de soft power dos países lusófonos, por meio da literatura e da música. Assim como a comida, o futebol, o fado, o samba. O espírito da celebração em torno da língua portuguesa tinha uma mesma empreitada: fazer com que nossa língua comum seja reconhecida como força política num mundo cada vez mais conturbado.

Para simbolizar o intercâmbio entre as culturas lusófonas, foi aberta a Caixa Literária, que trará de Portugal para o Brasil livros escolhidos de autores em língua portuguesa selecionados pela Academia das Ciências de Lisboa. No Rio, a Academia Brasileira de Letras também fará a escolha de livros de autores brasileiros, alguns selecionados por concurso público. A Caixa Literária será encaminhada, ao fim das celebrações, para Rabat, no Marrocos, a próxima cidade a ser Capital Mundial do Livro.

Lembrei que receberemos neste mês, na Academia Brasileira de Letras, a escritora Monica Villela Grayley, autora justamente de um livro analisando o português como ativo político que “desbrava os obscuros oceanos da lusofonia, nos quatro cantos do globo, para mostrar que o idioma de mais de 280 milhões de falantes pode trazer à luz a influência geopolítica já explorada pelo espanhol, pelo inglês e pelo francês com a francofonia”. Além de ser o quarto idioma mais falado no mundo como língua materna, unindo hoje mais de 280 milhões de pessoas em todos os continentes, a língua portuguesa é oficial em 33 organizações internacionais — e precisa ser acolhida pela ONU.

O Globo, 10/04/2025