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Fora da curva

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal ministro Joaquim Barbosa prepara-se para convocar por volta de 15 de agosto a continuação do julgamento do mensalão dentro de um clima totalmente diferente daquele do final do ano, quando 25 dos 38 réus foram condenados. A tentativa dos advogados de defesa de reabrir o julgamento através dos embargos infringentes parece fadada ao insucesso neste momento em que as ruas se manifestam contra a corrupção e exigem, tanto do Congresso quanto do Judiciário, um tratamento duro no seu combate.

Transformar a corrupção em crime hediondo, como o Congresso está em vias de fazer, dá uma dimensão política nova ao seu combate que, embora seja populista, ajuda a barrar tentativas de postergação das penas a que os réus de colarinho branco foram condenados. A prisão do deputado Natan Donadon, decretada pelo STF depois de dois anos de embargos em cima de embargos, é uma demonstração de que o tempo de conseguir evitar a cadeia com chicanas jurídicas está com os dias contados.

Num sistema de Justiça equilibrado, com um esquema penitenciário sem disfunções como o que temos no Brasil, não haveria nenhum problema em que a pena do ex-ministro José Dirceu fosse reduzida numa eventual revisão de julgamento sobre o crime de formação de quadrilha, por exemplo. De qualquer maneira, a condenação dele e dos demais réus do mensalão já está dada. Só aceitar uma pena que o coloque em regime fechado, como a que ele está condenado, seria apenas uma vingança política.

Mas a triste realidade brasileira é que a transformação da condenação em regime semi-aberto significa na prática uma manobra para que o réu de colarinho branco acabe escapando da cadeia, pois não existem no país prisões albergues suficientes. Os condenados a regime semi-aberto acabam mesmo em prisão domiciliar, com todas as regalias inerentes.

Ainda mais se essa eventual revisão de pena vier a ser alcançada através dos embargos infringentes, figura que só é cabível num julgamento do Supremo Tribunal Federal fazendo-se um malabarismo jurídico. Essa condescendência do tribunal, sob a alegação de que seria importante dar-se a esse caso um duplo grau de jurisdição, na verdade significaria um novo julgamento e seria percebida pela população como uma manobra para livrar os principais réus políticos da cadeia.

Ainda mais depois que dois novos ministros participarão do julgamento, Teori Zavascki nomeado na vaga de Cezar Peluso, e Luis Roberto Barroso, que tomou posse ontem na vaga de Ayres Britto. No momento, o Supremo Tribunal Federal é percebido pela população como uma barreira contra a corrupção, assim como o Ministério Público. Não foi por acaso que o fim da PEC 37 foi uma das reivindicações que ganharam as ruas. O ministro Joaquim Barbosa goza de prestígio popular inegável justamente por que comandou o julgamento do mensalão, exemplar do tratamento de casos de corrupção dos poderosos da República.

O comentário do ministro Luis Roberto Barroso de que aquele julgamento foi “um ponto fora da curva”, antes de ser uma crítica, pode ser uma constatação de que o Supremo atuou dentro do espírito dos novos tempos que o país vive, conectando-se às necessidades da sociedade, e até mesmo antecipando-se a elas. É essa percepção que faz de Barbosa um possível candidato à presidência da República e, mais realisticamente, o vice ideal tanto para a chapa do PSDB com Aécio Neves quanto para a do PSB com Eduardo Campos.

Mesmo, porém, a possibilidade de vir a ser vice de alguém é considerada remota, pois Joaquim Barbosa não demonstra estar seduzido pelo apelo popular que o coloca como um candidato dos sonhos de uma parcela ponderável da população. Apesar de dizer-se lisonjeado pelo resultado do Datafolha que o apontou como o preferido de 30% dos entrevistados em uma das manifestações de São Paulo, Barbosa tem confidenciado a amigos que considera mais importante seu papel de ministro do Supremo, e presidi-lo no momento de “grave crise” por que o país passa, do que participar de uma aventura política a esta altura de sua vida pública.

Mesmo com essa predisposição, o ministro Joaquim Barbosa não nega munição para aqueles que não se sentem representados, e saiu defendendo menos poder para os partidos políticos e a “necessidade no Brasil de se incluir o povo nas discussões sobre reforma. O Brasil está cansado de conchavos de cúpula". Ao defender as candidaturas avulsas, independentes dos partidos políticos, Barbosa acendeu a imaginação dos que querem vê-lo na disputa presidencial.

O Globo, 28/6/2013