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A Flip vem aí

 



Que o Brasil está mudando para melhor não pode haver dúvida. É só consultar os números: os indicadores econômicos, os indicadores de saúde e bem-estar social (a mortalidade infantil diminuindo, a expectativa de vida aumentando, o analfabetismo caindo, pessoas saindo da faixa da pobreza absoluta). E isso se manifesta também na área cultural: o mercado livreiro está crescendo, a rede de ensino está introduzindo os jovens à literatura e, detalhe interessante e significativo, aumenta o número de eventos livreiros-literários.


Neste sentido, o país percorreu uma trajetória. De início tínhamos as feiras do livro, que obedeciam ao clássico e muito antigo conceito de feira: um lugar, frequentemente situado ao ar livre, onde as pessoas podem fazer compras de maneira informal, pagando preços mais baixos. Um exemplo típico é o da Feira do livro de Porto Alegre que, em termos de duração contínua (outras surgiram antes, mas interromperam sua atividade) é a mais antiga do país. A feira se realiza na Praça da Alfândega, no centro da cidade, tradicionalmente em outubro/novembro. A época não foi escolhida por acaso: desde seu início, a feira tornou-se uma fonte de presentes de Natal e também fornecia leitura para aqueles que, seguindo o tradicional costume gaúcho, iam passar as férias nas praias de mar.


As feiras se propagaram por todo o país. E se sofisticaram. Surgiu uma programação paralela: as sessões de autógrafo, os encontros com escritores, os espetáculos musicais (sem falar nos lugares de comida e bebida; nem só da nutrição espiritual vive o leitor). E depois das feiras vieram as bienais do livro; o intervalo de dois anos permite uma preparação mais complexa e diversificada. Ah, sim, temos ainda o salão do livro, evento semelhante às feiras e bienais.


A etapa mais recente nessa trajetória é constituída pelos festivais literários. Destes, o mais conhecido é a Flip, que data de 2003 e tem como cenário uma das mais belas regiões do país. Naquele ano, a sigla designava o Festival Literário de Paraty; mas já na segunda edição o nome mudou para Festa, o que parece mais compatível com o jeito de ser de nossa gente. Um nome importante na história da Flip é o da inglesa Liz Calder, uma editora que revelou ao mundo nomes como os de Julian Barnes, Salman Rushdie e J.K. Rowling, a criadora de Harry Potter. Nos anos 1960, antes mesmo de trabalhar com literatura, Liz Calder morou no BRASIL com o primeiro marido e duas filhas pequenas. Voltou para a Inglaterra, mas continuava passando as férias em nosso país; aqui acabou descobrindo Paraty, lugar pelo qual se apaixonou. Ali construiu uma casa; e ali nasceu o projeto do festival literário.


Que agora chega à sua oitava versão (de 4 a 8 de agosto), homenageando uma figura importante e singular na vida cultural brasileira: Gilberto Freyre, a quem serão dedicadas nada menos que três mesas e cuja obra será apresentada por Fernando Henrique Cardoso. Além disso, teremos uma verdadeira constelação de nomes internacionais: Isabel Allende, Robert Darnton, Salman Rushdie, William Kennedy, Robert Crumb, Terry Eagleton, A.B. Yeoshua, a iraniana Azar Nafisi, para citar só alguns nomes. Tempos atrás houve certa polêmica a respeito desse fato: a Flip estaria privilegiando escritores estrangeiros. Mas esse tipo de ponderação não faz sentido. Em primeiro lugar porque vivemos num mundo globalizado e lemos autores de vários países, seja no original ou em tradução, seja em livros ou na internet. Depois, porque o contato com escritores motiva os leitores, sobretudo os jovens leitores. Eles descobrem que o autor de um livro não é uma entidade misteriosa, não é um ET; é uma pessoa igual a todas as outras, capaz de falar sobre seu trabalho, de esclarecer dúvidas e, sobretudo, de motivar pessoas a ler e, inclusive, a escrever.


A Flip ajuda a colocar o Brasil no mapa da cultura literária mundial. E mostra que, de fato, estamos mudando. Para melhor.


Correio Braziliense, 27/7/2010