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Fim da impunidade

 

A sessão de quarta-feira do Supremo Tribunal Federal (STF) não foi histórica apenas pela decisão unânime de executar as penas dos condenados no processo do mensalão, colocando poderosos empresários e políticos no caminho da cadeia, fato inédito na nossa História. 

Fato também inaugural foi a postura, com uma ou outra exceção de praxe, de criticar as manobras protelatórias e decidir colocar um ponto final no processo criminal que se desenrola desde 2007. Em que pese a adesão majoritária a uma tese claramente protelatória. Dois ministros, sobretudo, destacaram-se na defesa de uma postura mais célere da Corte, além, é claro, do presidente do STF Joaquim Barbosa, que luta por isso desde o início do julgamento. Foram eles Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso, cada qual à sua maneira.

O ministro Gilmar Mendes foi veemente ao denunciar as conseqüências para o desenvolvimento dos processos a aceitação, por parte do Tribunal, da tese do ministro Teori Zavascki de analisar os embargos infringentes impetrados ilegalmente. A tese, vitoriosa sob o pretexto de garantir o devido processo legal aos condenados, acabou gerando frutos imediatos, dando uma sinalização do que poderá acontecer em outros processos: Vinicius Samarane, condenado a prisão fechada, não terá sua pena executada por que impetrou embargos infringentes na condenação de gestão fraudulenta, onde não obteve os quatro votos favoráveis. Com a esperteza de seu advogado, Samarane pode ganhar uns meses de liberdade, a não ser que o ministro Joaquim Barbosa decida colocar a questão dos embargos infringentes à análise do plenário ainda este ano, que é o que ele fazer.

Por isso o ministro Gilmar Mendes disse que “esse processo não anda para frente, ele anda em círculos”. Ele lembrou que o STF teve “enormes dificuldades” para iniciar o julgamento em 2007 e que dois ministros aposentaram-se no meio do julgamento “por que ele se alongou demais”. Não relembrou, por exemplo, a tentativa do ex-presidente Lula de pressionar para adiar o julgamento em 2012 alegando que a decisão interferiria nas eleições municipais.

Para Gilmar Mendes, os ministros saíram durante o julgamento “por que deliberadamente se conduziu para que saíssem. Isso é preciso ser dito claramente para a História. Manipulou-se o plenário e querem continuar manipulando. É preciso encerrar esse tipo de cena”.

Para se ter uma idéia da protelação, este mês faz exatamente 1 anos que o ministro Ayres Brito deixou o Supremo, e o julgamento ainda não terminou. Mendes classificou de “ousadia” a tese de que valem embargos com menos de quatro votos favoráveis quando o plenário não está completo.

“Podemos decidir uma matéria penal com seis votos, mas querem argumentar que o tribunal estava incompleto”, espantou-se. “A que ponto estamos chegando. Nós estamos beirando o ridículo”. O ministro Joaquim Barbosa disse que, quando sair do STF, contará isso “com todos os detalhes”.

Já o ministro Luis Roberto Barroso, na sua apresentação do voto, sublinhou que a Ação Penal 470 “pode ter, ao menos a médio prazo, um impacto salutar sobre como se faz política no Brasil e sobre o modo como se pratica o direito penal no país”. Ele disse que a necessidade de reforma política “já é uma ideia vitoriosa. (...) já sabemos qual é a direção certa”.

Analisando nosso Direito Penal, Barroso lamentou que “para ir preso no Brasil, é preciso ser muito pobre e muito mal defendido. O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas”.

Para Barroso, é preciso desfazer “duas mistificações”. A primeira, a de que garantismo tem a ver com impunidade. “Garantismo significa respeito ao direito de defesa e ao advogado”. Mas se a punição se impuser, “ela deve ser aplicada”. O direito penal desempenha uma função social importante, lembrou Barroso, “o de desestimular novos atos criminosos”.

A segunda mistificação “é a de que devido processo legal é o que não termina”. Barroso advertiu que “não existe, em parte alguma do mundo, direito ilimitado de recorrer. Um dia o processo acaba e a decisão precisa ser cumprida”.

Com relação ao processo do mensalão, o dia foi quarta-feira, um dia histórico sob todos os pontos de vista. A decisão majoritária do Supremo de não aceitar mais protelações deve marcar os processos daqui para a frente. Mas é preciso desfazer o atalho para espertezas, como é o caso dos embargos infringentes claramente ilegais.

 

 

O Globo, 15/11/2013

O Globo, 15/11/2013