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Filosofando sobre o amor

 

Acabo de ler um livro muito interessante: Os Filósofos e o Amor, recém-lançado no Brasil pela editora Agir. As autoras, Aude Lancelin e Marie Lemonnier, são jornalistas francesas (do ótimo Le Nouvel Observateur), especialistas em filosofia. Conhecem o assunto profundamente, mas escrevem sobre ele de maneira acessível, atraente, apaixonada até, eu diria. O curto livro (pouco mais de 200 páginas) cobre boa parte da história da filosofia, procurando responder, em primeiro lugar, à pergunta: o que nos disseram os grandes filósofos sobre o amor? E aí temos Platão, Lucrécio, Montaigne, Rousseau, Kant, Schopenhauer muito bem resumidos e explicados. De seus textos uma coisa logo emerge: os grandes filósofos admiravam o amor. O que pode parecer surpreendente: afinal, estamos falando de sentimentos, de emoções, e não de ideias, de conceitos teóricos. Mas nisso os grandes autores do passado parecem se ter dado conta da verdade contida na frase de Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”. E uma dessas coisas sem dúvida é o amor. Nietzsche, o furioso contestador, reconhecia a força da paixão amorosa e não hesitava em dizer que se tratava da “única coisa digna de um filósofo”.


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Escrevendo sobre o amor os filósofos podiam ser geniais. Praticando o amor (e este é o segundo tema do livro) revelavam-se, não raro, tão trapalhões quanto nós, pobres mortais – mesmo quando as duplas amorosas que integravam envolviam uma aliança intelectual. O livro fala de três casos famosos: o de Nietzsche e de Lou Andréas Salomé, de Heidegger e de Hannah Arendt, de Sartre e Simone de Beauvoir. Deus, que gente complicada. Não podiam admitir uma ligação, digamos, convencional: o casamento, o apartamento com sala e dois quartos, os filhos, o jantar com amigos no sábado à noite. Não, tinha de ser tudo diferente. Heidegger, professor de filosofia, seria hoje considerado o rei do politicamente incorreto: traçava sistematicamente alunas e discípulas, entre elas Hannah Arendt, que se apaixonou pelo mestre aos 18 anos. Ligação muito perigosa, para usar a clássica expressão do escritor Choderlos de Lanclos. O nazismo estava então em ascensão, Arendt era judia, e Heidegger, para manter sua posição universitária, apoiou Hitler. Ela emigrou para os Estados Unidos, mas, apesar de tudo, nunca o esqueceu.


Já Simone e Sartre (que era espantosamente feio) trataram de manter o chamado casamento aberto. Coisa muito difícil, como reconheceu o próprio Sartre: “O amante exige o juramento [de fidelidade] e se irrita com o juramento”.


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Isto posto, não deixa de ser admirável o esforço dessas pessoas no sentido de entender o que é o amor. É mais fácil renunciar a isso, é mais fácil simplesmente ir em busca do prazer; é fácil entrar num site de relacionamento do que numa obra de Sartre. Mas o que se ganha em facilidade perde-se em profundidade. O amor não é só uma forma de ligação com outra pessoa; o amor é uma forma de autodescoberta. E esse continua sendo o desafio fundamental para a condição humana. Como disse Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. Um conselho que vale para os amantes, vale sobretudo para os amantes.


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Às vezes aquilo que publicamos tem efeito tão inesperado quanto gratificante. Comentei aqui um trabalho que está sendo realizado sob coordenação da doutora Lucia Pellanda, do Instituto de Cardiologia, acerca dos efeitos do chimarrão no aparelho cardiovascular. Pois escreve-me a dra. Lucia, dizendo que o comentário teve repercussão e que “muitas pessoas ligaram manifestando interesse em participar voluntariamente do estudo.” A ciência gaúcha agradece a colaboração de vocês, gente. Alberto Oliveira comenta o texto que escrevi sobre o médico paulista Roger Abdelmassih, acusado de violência sexual contra pacientes: “Foste preciso ao lembrar que este cidadão extrapolou e usurpou das suas funções como médico, iludindo e sendo desonesto no trato com as pacientes. Aquelas mulheres o procuraram na busca de algo essencial a elas: o desejo da maternidade.” O que de fato torna a transgressão ainda mais grave, Alberto. O Luiz Alberto Ibarra lembra um nome que condiciona destino: o do auditor da Receita Federal, Dão Real. E acrescenta: “Só que lá não ‘dão’, eles ‘recebem’.” Agradeço ainda as mensagens dos médicos Mario Sérgio Costa e Fernando S. Dias, e ainda de V.Minela e Nei da Silva Pinheiro.


Zero Hora (RS), 6/9/2009