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Falta prudência

 

A redução dos prazos para a definição final do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Roussef não prejudica em nada sua defesa, pois não são necessários 15 dias para se apresentar uma defesa ou uma acusação por escrito de um assunto que não tem novidades. Mas é uma proposta no mínimo inábil, pois dá margem a que a acusação de golpe parlamentar ganhe contornos de veracidade.

Na verdade, os dois lados deveriam estar interessados em apressar o processo, pois não serve de nada alongar o prazo, e o país precisa andar para a frente. A presidente afastada não melhora sua atuação pretérita, nem emite sinais futuros de mudança de mentalidade, para oferecer esperanças a senadores que possam mudar de posição.

São raros os que se encontram em dúvida sobre a decisão a tomar, pois não há muito a pensar nesse assunto. O crime de responsabilidade cometido pela presidente Dilma está caracterizado, e não é possível relativizar essa má conduta, a não ser para aqueles que consideram uma bobagem o equilíbrio fiscal.

Além do mais, diante do descalabro do país, não há nada que indique que o retorno da presidente afastada vá trazer algum tipo de mudança na sua visão de mundo ou na sua maneira de governar. Portanto, além do fato criminoso passível de impeachment em si, há o conjunto da obra que, se não pode ser imputado oficialmente, influencia naturalmente a decisão dos senadores.

E seria uma grande irresponsabilidade trazer de volta ao governo aquela que foi afastada num longo processo decisório que não recebeu nenhum fato novo que possa modificá-lo. Nem mesmo os críticos do início do governo Temer têm razão suficiente para preferir Dilma a ele, a não ser os ideológicos ou os que têm, por razões específicas, simpatia pela presidente afastada.

Esse grupo anda fazendo muito alarde, mas creio que os petistas mais conseqüentes sabem que é impossível a Dilma recuperar a capacidade de governar que nunca teve. Tanto que o melhor que podem oferecer em troca do apoio é a garantia de que ela renunciará ao mandato e convocará novas eleições.

Ora, se é para tal, porque não faz isso agora mesmo, abrindo caminho para que o governo Temer estabilize-se? Claro que o que move a presidente afastada e seus poucos seguidores (?) é um espírito de vingança contra o vice que consideram traidor. Mas em política esse sentimento de revanche tende a não ser duradouro, e para o PT o melhor mesmo é se livrar do fardo que Dilma Rousseff representa e recomeçar seu posicionamento na oposição, torcendo para que Temer erre bastante nesses pouco mais de dois anos.

Nesse intervalo, alguns senadores buscam se posicionar para troca de favores, de um lado ou de outro. Não parece, no entanto, que existam razões realmente ponderáveis para fazer o cenário político retroceder. Mesmo as críticas ao governo interino têm que ter o sentido de mantê-lo caminhando para frente, evitando novos erros.

O processo de escolha dos assessores mais diretos continua ignorando regras básicas de prudência, quando não descuida da ética pura e simplesmente. Essa nova secretária para política das mulheres, ex-deputada Fátima Palaes, já causara estranhamento ao ser escolhida, pelo posicionamento contrário ao aborto mesmo em caso de estupro.

Não bastasse isso, no entanto, ela é acusada pelo Ministério Público de ter desviado dinheiro de emendas parlamentares para empresas fantasmas, e ficado com parte dele. Mesmo que possa ser uma acusação ainda não comprovada, e fruto de uma disputa política como alega, não é saudável para um governo interino arriscar sua reputação com uma nomeação polêmica como essa.

 Também o advogado Torquato Jardim, colocado por Temer no ministério da Transparência em substituição a um nada transparente assessor de Renan Calheiros, deu entrevista recente com comentários céticos em relação à Lava-Jato e com críticas pesadas à classe política. Não parece uma figura que pacifique o cenário do governo interino.

Estranhamente, anda faltando prudência ao presidente Temer, tido e havido como uma politico cauteloso e experiente.

O Globo, 04/06/2016