Na minha infância, Vital, meu avô materno, 80 anos, vinha passar meses conosco. Só, não tinha casa. Cada filho o recebia por um tempo, depois repassava. Anos 40. Para ganhar os dois mil réis do ingresso da matinê do cinema no domingo, minha obrigação era retirar o urinol de vovô e descarregar na privada, no quintal. Tinha nojo, mas valia para ver o Zorro ou a Maria Montez. Cinema era paixão e amor. Ainda é. Sempre será. Aos 16 anos, de tanto ler criticas nos jornais, comecei a escrever resenhas na imprensa local. Meus ídolos eram Paulo Emilio e Almeida Salles, que escreviam no Estadão. E eu pensava: “vou fazer cinema”. Escrever roteiros, dirigir. Fui mudando de emprego, sonhava ser roteirista. Frequentava o meio cinematográfico, Lima Barreto me deu uma copia do roteiro de O Cangaceiro. Assistia às filmagens, Fernando de Barros me tomou como pupilo, abriu caminhos, apresentou-me aos grandes.
Anselmo Duarte me adotou como amigo. Teve um período em que, todo domingo de manhã, eu estava com Glauber Rocha na Central Telefônica, na 7 de Abril. Falávamos com nossas mães em Salvador e Araraquara. E eu pensando em cinema. E escrevi contos, passei para o romance, meu Bebel Que a Cidade Comeu virou filme dirigido pelo Capovila. Prêmio Governador do Estado.
E sonhando dirigir meu filme, saí do jornal, fui para revistas, fiz teatro, infantis, crônicas infantis. Sonhava ir a Cannes. Ia para os festivais brasileiros, em Marília, Salvador, Porto Alegre, dezenas. Convivi com Odete Lara, Alberto Ruschel, Marisa Prado, Ruth de Souza, Oscarito, Grande Otelo, Joana Fomm, Rossana Ghessa. Entrevistei Giulietta Masina, Jane Russell, JK, obtive cinco palavras de Fellini. E sonhava fazer cinema.
Assim, escrevendo e adiando, sonhei fazer cinema e nunca fiz. Não lamento, vivi cinema o tempo inteiro, ele está presente em minha obra. Então, o cinema veio atrás de mim, no momento em que chego aos meus 60 anos de literatura. O cinema estava dentro de minha casa. Um dia, soube pelo meu filho André: “Pai estou fazendo um documentário sobre sua literatura”. Montou equipe, abriu todas as gavetas, bagunçou o arquivo de fotos, pesquisou, me entrevistou várias vezes, me filmou em casa, sabe da história de cada conto, contradições, manias. Recorreu a amigos que ajudaram nas finanças.
Não sabem o quão (nossa!!) estranho é ter um filme a nosso respeito. Se abrir, se expor. Vou amanhã, segunda-feira, e espero vocês na Mostra de Cinema, Sala Petrobras. Rua Augusta, lugar icônico. Não me deixem só. Eu que queria sobreviver com imagens, hoje sou a imagem. As palavras me levaram a ela.