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Dilma reage a golpe

 

Quem melhor definiu a situação em que se encontra o PT e partidos da base aliada foi o ministro Ricardo Berzoini, um membro destacado da burocracia partidária: a campanha pela volta de Lula não tem sentido prático, disse ele, a guisa de defender a candidatura da presidente Dilma à reeleição.

Sintomático que a melhor coisa que ele pudesse dizer fosse isso, apelando para o pragmatismo de seus correligionários. Nenhum elogio ao governo Dilma, nem mesmo um comentário de passagem sobre suas eventuais qualidades. "Ela tem o direito de se candidatar", disse Berzoini, e cabe ao PT lidar com essa realidade.

Mesmo que esteja coberto de razão, a fala do ministro das Relações Institucionais demonstra como estão se estreitando as chances da presidente na campanha presidencial. Para os aliados circunstanciais, a maioria dos partidos que fazem parte da coalizão no Congresso, esse argumento prático não encerra o assunto, ao contrário, reforça a sensação de que é preciso procurar uma alternativa longe do PT.

Mesmo que a maioria dos petistas não queira a candidatura de Dilma, não têm outra escolha a não ser seguir com ela até o final, mesmo que seja para perder. ( e ela tem boas chances de se reeleger:.Com a caneta cheia de tinta, a presidente Dilma abriu ontem seu saco de bondades que vão ajudar a sua popularidade e aumentar mais ainda os problemas econômicos do país.). Se a alternativa for Lula, dificilmente ela se tornará realidade. Em primeiro lugar, existe a necessidade de Dilma concordar com a troca, o que parece improvável. Ao anunciar ontem que será candidata mesmo sem o apoio da sua base aliada, a presidente pode ter cometido um erro político, revelando sua fragilidade, mas demonstrou que tirá-la do páreo não será fácil.

Dilma também, espertamente, ressaltou a lealdade que existiria entre ela e o ex-presidente Lula, o que coloca uma outra barreira ao golpe partidário que pretendem dar. Lula teria que assumir uma traição à sua criatura o que, convenhamos, não seria bom para sua imagem. Uma solução de ruptura tampouco seria uma boa saída para o PT, pois teria que passar a campanha inteira justificando o golpe na presidente que, por sinal, estará no Palácio do Planalto com a caneta na mão e cheia de ressentimento para dar.

A substituição por motivos de saúde seria a única saída, mas nada indica que a presidente Dilma tenha problemas desses tipo, e seria impossível conseguir o aval de médicos respeitados do Hospital Sírio e Libanês para encobrir uma manobra golpista. Falta sentido prático ao movimento "Volta, Lula", além de faltar vontade ao principal personagem desse "golpe branco", o próprio ex-presidente. Não diria que se pudesse voltar à presidência da República sem passar por eleições, que ele não gostaria. Mas disputar uma eleição difícil como a que se avizinha, em condições anormais como as criadas pelos afastamento compulsório da presidente Dilma, seria mais que um risco.
 
Só a substituição de candidatos já seria uma admissão de fracasso, e uma tendência de derrota que teria que ser superada pelo "craque" do time, tirado do banco de reservas em momento de emergência. Mesmo para um "craque" como Lula, seria difícil reverter um quadro de derrota iminente. Longe de seus melhores dias, seja pela idade ou mesmo pelos problemas de saúde que superou, o ex-presidente dificilmente teria condições de enfrentar uma campanha eleitoral estafante como a que se avizinha. Teria que confiar muito em seu magnetismo pessoal e no tempo de televisão, mas levar em conta que hoje está muito mais vulnerável a críticas do que já esteve.
 
Superar a crise do mensalão foi possível especialmente pela situação econômica favorável na eleição de 2006. Hoje temos uma economia debilitada e uma perspectiva de um 2015 difícil, que exigirá de quem for eleito, mesmo a presidente Dilma, um esforço adicional para restabelecer o equilíbrio às contas públicas e controlar a inflação. Tarefa que Lula já enfrentou 12 anos atrás, quando foi eleito pela primeira vez. Estará disposto a arriscar duplamente seu prestígio e sua história, disputando uma eleição difícil e depois encarando um mandato que tem tudo para impedir que repita o sucesso dos 8 anos em que governou?
 
Como sempre acontece quando fala de improviso, a presidente Dilma fez uma declaração entre a obviedade e o enigmático: “Sempre, por trás de todas as coisas, existem outras explicações”. Estava se referindo às traições que se desenham às suas costas, no PT e nos partidos aliados. O que quererá dizer a presidente? Certamente o que não pode aprofundar por falta de condições políticas, que os que a estão abandonando o fazem por interesses meramente fisiológicos, que ela rejeita. Esta seria uma boa linha de atuação, se a presidente Dilma tivesse condições de romper com os aliados de circunstâncias e anunciasse um segundo mandato livre desses interesses subalternos. Foi o que ela ensaiou com a "faxina ética", e teve que voltar atrás.

O Globo, 1/5/2014