A universidade está em crise de identidade, e sempre estará. Este futuro aparentemente sem saída é precisamente o seu único caminho a trilhar. Isto porque a vida universitária vive e respira a atmosfera do questionamento. E jamais devemos temer a dúvida metódica. Questionar é afastar de vez o fantasma do dogmatismo, das verdades feitas a serem apenas assimiladas pelos espíritos superficiais. A consistência intelectual pressupõe a contínua busca de sentido que sempre foge ao primeiro olhar inquiridor e, muita vez, não se deixa entremostrar à avidez legitima de quantos se entregam à aventura de viver perigosamente.
Não é de hoje que nos perguntamos sobre o futuro da universidade. Vêmo-la enredada na burocracia pedagógica, na articulação geométrica de currículos e programas, na repetição de erros metodológicos que sempre recebem novas roupagens. É um linguajar espesso que se retrata na pobreza grandiloqüente de conteúdo e mesmo de expressões havidas como esclarecedoras (. "a nível de..", "colocar...", "em termos de... ).
Justamente preocupados com o andar da carruagem, um grupo de pesquisador de escol, em colaboração com a UNESCO, entendeu de estruturar o Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares, em 1995. De lá para cá, prosseguiram os encontros de que daremos alguma notícia para clarear a problemática desafiante.
Com Edgar Morin e outros pensadores assistimos ao alerta necessário de que o paradigma da simplicidade não pode mais ser acolhido hodiernamente. O pensamento complexo é um imperativo do avanço significativo do saber e de suas conseqüências para o humano saber e viver.. O que se impõe é fazer com este pensamento complexo e o transdisciplinar se adentrem na vida universitária, penetrando fundamente em seu tecido.
A grande novidade da proposta consiste em demonstrar que a transdisciplinaridade e a paz guardam entre si uma relação de íntimo parentesco. O que eqüivale a dizer que à adoção da transdisciplinaridade e sua vigência universitária decorrerá a paz como um espécie de consectário. Não, é certo, no automatismo das relações imbricadas essencialmente, mas na fixação das sementes de aproximação entre os homens, pela respiração do saber, do fazer e do conviver na mútua compreensão da complexidade evolutiva da humanidade em sua perseguição conjunta das três áreas referidas.
Longe dos proponentes oferecer uma solução mágica para os males da universidade. Seu escopo é o de abrir a instituição a um fecundo experimentalismo, bem distante da acomodação de uma entidade nascida para criar e mesmo revolucionar e que se compraz na paz celestial, somente acordando freneticamente para a pseudo autonomia de cunho ideológico, o mais das vezes cediça.
Em verdade, havemos que discernir a disciplinaridade vigente da intedisciplinaridade ainda por vir e, bem além, da transdisciplinaridade desejável. A disciplinaridade supõe uma clara definição dos contornos dos diversos saberes. Respira a tranqüila aragem de um saber com fronteiras definitivas, e em obediência a uma metodologia com limites igualmente demarcados. É a física, a química, a filologia, a literatura, etc. A verdade se revela bem aliciante, na medida em que o aprofundamento de uma questão pervade uma outra área do saber e, com isso, se vê significativamente iluminada. É a negação da aritmética, pois aqui um mais um é igual a três ou quatro. O aporte das contribuições de diversos saberes a respeito de um mesmo problema alumia o caminho para novas descobertas e para oferecer, não uma mera imago composita, como uma justaposição de dados de diversificada procedência, mas uma tentativa mais lúcida de resposta aos sadios questionamentos nascidos de uma determinada área do saber.
A complexidade emergente gera o fenecimento da hierarquia. Em decorrência, nasce a era da heterarquia, em que não a autoridade investida se imporá por si mesmo, mas terá de competir com a autoridade de quem sabe mais. E quem sabe muito? A resposta é: ninguém. Assim, estamos a ver surgir um inédito capítulo da história humana, que implica na fragilidade do centro decisório que, porre definição, Não mais pode deter os conhecimentos amplos e variados que o processo decisório exige.
Poder-se-ia imaginar que a pluridiscipinaridade estaria à disposição. Mas ela não se afasta inteiramente da disciplinaridade, uma vez que se trata de um estudo que envolve várias ciências a partir de uma única que ainda assim comanda o processo. É um enriquecimento do estudo, mas não uma abertura plena à sua compreensão. Já a interdisciplinaridade atira a barra mais longe. Ela concerne à transferência de métodos. Exemplo: os métodos da física nuclear podem beneficiar o tratamento do câncer, como duas ciências, ao se aproximarem, geram uma nova.
A transdisciplinaridade se situa simultaneamente entre as disciplinas e visa a compreensão do mundo, a partir da unidade do conhecimento. Não uma unidade abstrata e epidérmica, mas a compreensão de que, no subsolo dos saberes, há um fio condutor, uma unidade invisível que tece diuturnamente a realidade e a sua explicação, no sentido etimológico de desdobramento.
Isto porque vários são os níveis de realidade. Não há vazios entre os saberes, mas uma espaço transdisciplinatr que abriga as verdades ocultas a uma metodologia formal e rígida. Se há níveis de realidade, não se pode obscurecer a lógica do terceiro termo incluso. Fugindo ainda uma vez ao logicismo que domina a mentalidade vigente, deve-se considerar a hipótese da remanência do talvez na sinalização excessiva da contradição. Assim, a oposição da contraditoriedade cederá sua vez à compreensão da finitude do homem e também de sua inteligência. A isto se adicione o condimento da complexidade e estaremos ante um novo universo cognoscitivo à espera da luminosidade do homem a lhe decifrar os enigmas.
Cabe ao homem contemporâneo acreditar que se impõe gradativamente o itinerário fecundo do aprender, do fazer e do conviver. É por esta razão que a emergência da transdisciplinaridade pode ajustar os mecanismos capazes de nos fazer desembocar nos altiplanos da paz, da convivência e do respeito mútuo entre homens, instituições povos.
Longe de tais pensadores estabelecer compartimentos estanques entre a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridae e a transdisciplinaridade. Elas podem e devem conviver pacificamente e abrir os espaços à compreensão de sentido do real, sem prejuízo da densidade criativa do ideal, do ficcional, do imaginário que tanto opulentam o olhar perplexo do homem ante a magnitude do desafio de simplesmente captar os sinais vitais de tudo o que o envolve, sobre ele atua e lhe oferece de mão beijada o permanente milagre de ver e de viver-convivendo.