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Cultura é tudo

 

Castro Alves era ‘o modelo a ser seguido’, como declarou Nelson Pereira dos Santos, explicando sua geração engajada

Acho que não preciso explicar o que significa, para mim, ocupar a cadeira número 7, a que foi de Nelson Pereira dos Santos, na Academia Brasileira de Letras (ABL). Às vezes, penso até que pode ter sido uma ousadia desavergonhada de minha parte, ter-me candidatado a ela.

A relevância da cadeira número 7 começa com seu patrono, o poeta Castro Alves, escolhido pelo seu fundador, o jornalista abolicionista e republicano Antonio Valentim da Costa Magalhães, autor do romance “Flor de Sangue”, destaque do romantismo nacional publicado em 1897, o ano de fundação da Academia. Segundo Euclides da Cunha, que o sucedeu, o polêmico, corajoso e perseguido Valentim Magalhães “foi a figura mais representativa de sua fecunda geração”.

Além desse fato, peço licença para dizer que outra coincidência que me protegia, mesmo que ninguém o tenha solicitado, é a de que esse número sempre foi mágico e decisivo para mim, desde que, recém-chegado ao Rio de Janeiro, no dia da semana em que não tinha aula no Santo Inácio, havia sempre um ensaio geral do Botafogo de Nilton Santos, Didi e Garrincha, este sempre com o número 7 costurado às suas costas. E era logo ali, no final da General Severiano, o que fazia de mim um torcedor completo e feliz, com a aprovação de minha mãe que, nem sei porque, imaginava o Botafogo instalado em zona civilizada e urbana como o CSA em Maceió.

Em 1907, em conferência na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, Euclides da Cunha diria que foi Castro Alves “quem nos ensinou a metáfora, o estiramento das hipérboles, o vulcanismo da imagem e todos os exageros da palavra a espelharem impulsividade e desencadeamento de paixões que são essencialmente nativos. Somos uma raça em ser, estamos ainda na instabilidade característica das combinações incompletas”. E mais adiante, na mesma conferência: “Penso que seremos em breve uma componente nova entre as forças cansadas da humanidade”.

Não é por acaso que hoje, negros e negras têm e exercem cada vez com mais segurança esse papel de ser um assento desse “componente novo”. Não me lembro qual foi o conceito lírico e revolucionário que conheci primeiro. Mas não posso deixar de reconhecer que foi na tomada de seu conhecimento que descobri o que podia ser a revolução brasileira, segundo Castro Alves: “A praça, a praça é do povo, como o céu é do condor”. Assim decretara, como sabe de cor todo brasileiro que se preza e que lhe permite ler e entender, o poeta dos escravos, o intelectual romântico que militava a favor dos necessitados e dos desprotegidos. Castro Alves era “o modelo a ser seguido”, como haveria de declarar Nelson Pereira dos Santos, explicando sua geração engajada.

A chegada do cinema às mãos de brasileiros que tinham mais pretensões culturais, teorizando mística e tensão que ganham, cada vez com mais empenho, é uma mensagem ao mesmo tempo muito simples e violentíssima. Mais uma vez, é Nelson Pereira dos Santos quem procede a seu significado. Em 2006, ele sucede a Sergio Corrêa da Costa na ABL e começa a realizar sua instalação na cultura brasileira, que intensifica com novas ideias que seus filmes irão nos explicar.

O Globo, 25/09/2022