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Crimes

 

À medida que se desenrola o processo de impeachment da presidente Dilma, vão surgindo decisões em diversas instâncias dos organismos de controle e acompanhamento das atividades governamentais que têm a ver, aparentemente, com o que está sendo discutido na comissão especial do Senado, e poderiam ter impacto na sua decisão final.

Até agora, no entanto, essas medidas não têm a ver com o processo que se discute, embora a defesa da presidente afastada alegue o contrário. É o caso da decisão do Ministério Público Federal (MPF) que concluiu que as chamadas pedaladas fiscais não configuram crimes comuns.

O Procurador da República no Distrito Federal Ivan Marx pediu o arquivamento de investigação criminal, mas concluiu que as manobras visaram maquiar as contas públicas, principalmente no ano eleitoral de 2014, havendo improbidade administrativa – um delito civil.

No argumento da defesa, o entendimento do MPF reforça sua tese, mas o fato é que em nenhum momento o processo de impeachment acusa a presidente afastada de ter cometido crime do ponto de vista do processo penal, mas sim de crime de responsabilidade, com apoio em outros pareceres, inclusive do próprio Ministério Público das Contas e do Tribunal de Contas da União (TCU).

Vale lembrar que, no caso específico das pedaladas, quem foi absolvido do ato criminal pelo MPF  não foi a presidente afastada, mas o Secretário de Tesouro Arno Augustin e outros ministros. Que, no entanto, poderão ser condenados em processos civis.

 As pedaladas foram adotadas no âmbito dos Ministérios e dos bancos. A culpabilidade da Presidente seria pelo fato de o Governo ter se valido dos bancos estatais para tocar suas políticas públicas de forma frontalmente contrária à Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme foi apontado nas contas de governo pelo TCU. Além disso, a decisão política do Senado não se vincula à conclusão do MPF.

Apesar de ter arquivado o processo, o MPF afirmou que as manobras visaram maquiar as contas públicas, principalmente em ano eleitoral (2014), havendo ainda indícios de improbidade, o que é extremamente grave. É justamente isso que a Lei de Responsabilidade Fiscal quer evitar, que o presidente abuse do poder econômico, sobretudo em ano eleitoral.

Com relação às contas de 2015, que o Tribunal de Contas da União (TCU) está julgando agora com a tendência de rejeitá-las, há mais de 23 infrações apontadas no relatório, sendo as mais importantes:
1)      Operações de crédito ilegais junto ao Banco do Brasil (Plano Safra) e ao BNDES (PSI), incluindo rolagem de dívidas de períodos anteriores: em torno do R$ 60 bilhões;
2)      Omissão de passivos da União junto ao BB, Caixa, BNDES e FGTS nas estatísticas divulgadas pelo Bacen (para esconder as "pedaladas fiscais");
3)      Pagamento de dívidas junto ao BB, BNDES e FGTS sem a devida autorização na Lei Orçamentária Anual;
4)      Abertura de créditos suplementares por decreto de forma incompatível com a obtenção da meta de resultado primário;
5)      Abertura de créditos extraordinários por MP sem observância dos requisitos constitucionais.

Algumas delas provocaram o pedido de impeachment, como as relativas às operações de crédito com o Banco do Brasil e aos decretos de créditos suplementares (itens 1 e 4 acima). Segundo os especialistas, decretos são atos infralegais e sem força de lei, o que os difere completamente das Medidas Provisórias. As MPs são submetidas ao Congresso, os Decretos não.

Por isso, liberar recursos por Decreto em desacordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) é algo gravíssimo, ao passo que a MP, por ter status de lei, pode suprir a ausência de previsão no orçamento.

Quanto à "criminalização" do uso de MPs para liberar crédito extraordinário, o problema é que, ao questionar a presidente afastada, o TCU deixou o ministro da Fazenda da atual administração Henrique Meireles inseguro de editar Medidas Provisórias, temeroso de posteriormente sofrer condenações.

Como a análise dos requisitos constitucionais tem um componente subjetivo muito forte, ele começou a pedir permissão ao TCU antes de editar as MPs, o que está causando polêmica, pois o tribunal tem permitido que o atual governo as edite, ao mesmo tempo que as aponta como infrações cometidas no governo Dilma.

Mesmo que, diante dessa aparência de incongruência, o TCU venha a retirar da lista de infrações a edição dessas MPs, existem, como se viu, vários outras infrações que justificam a rejeição das contas de Dilma também em 2015. E as acusações que fazem parte do processo de impeachment continuam intactas do ponto de vista da ação governamental.

O Globo, 21/07/2016