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Corrupção e política

 

A luta contra a corrupção foi um tema comum nos últimos dias em várias dimensões, especialmente sua relação com a atividade política. Pelo inusitado da situação, chamou a atenção do mundo a advertência do presidente chinês Hu Jintao, no discurso de abertura do XVIII Congresso do Partido Comunista da China (PCC), de que a corrupção que afeta a sociedade chinesa, classificada de endêmica, “pode provocar a derrubada do Partido e do Estado”.

A solução para o problema, segundo ele, passa pelo aperfeiçoamento do sistema democrático chinês, “com o objetivo de garantir que o povo possa ter eleições e decisões democráticas”. Embora a democracia de que fala Hu Jintao tenha pouco a ver com a que se conhece no Ocidente, é interessante notar que ele identifica na ampliação das “decisões democráticas” uma das formas de derrotar a corrupção no país.

Na vida real, a China enfrenta denúncias de escândalos de corrupção na política que são divulgadas seletivamente. O líder Bo Xilai, que deveria estar tendo um papel de destaque no atual Congresso, foi expulso do partido e está preso sob acusações diversas, inclusive de assassinato.

Já as informações da imprensa internacional, especialmente do New York Times, sobre enriquecimento de parentes do futuro presidente Xi Jinping e do primeiro-ministro Wen Jiabao são censuradas no país.

Também a presidente Dilma Rousseff encontrou no discurso de abertura da conferência internacional anticorrupção, que o Brasil sedia pela primeira vez, um momento ideal para falar indiretamente dos efeitos do processo de mensalão na política brasileira, especialmente depois que as eleições municipais revelaram um número acima da média histórica de votos brancos, nulos e abstenções:

“O combate ao malfeito não pode ser usado para atacar a credibilidade da ação política tão importante nas sociedades modernas, complexas e desafiadoras. O discurso anticorrupção não deve se confundir com o discurso antipolítica, ou antiestado, que serve a outros interesses. Deve, ao contrário, valorizar a política, a esfera pública, a ética, o conflito democrático entre projetos que nela tem de ter lugar. Deve reconhecer o papel do Estado como instrumento importante para o desenvolvimento, a transparência e a participação política.”

Um pronunciamento perfeito, que separa as questões de Estado das partidárias e dá uma dimensão valorizada da atividade política, muito além do toma lá dá cá a que a própria presidente cede na rotina diária de seu governo.

Recentemente, em uma entrevista ao Prosa e Verso, do GLOBO, por ocasião de seus 80 anos, o intelectual público Eduardo Portella já repudiava a associação automática entre política e corrupção:

— Há um desinteresse político do intelectual. Não que ele deva ser político, mas deve estar o tempo todo assistido por uma consciência política e deve tomar decisões de repercussão política. Isso é fundamental. Alguns são alienados por natureza, interessados apenas em fazer seu sonetinho. Outros são céticos estruturais, é a turma do voto em branco. E há quem seja desconfiado porque confunde política com mensalão. O mensalão é um absurdo da vida política, mas o exercício da política é necessidade da democracia.

O publicitário Jorge Maranhão, dedicado à causa da cidadania e coordenador da ONG Voz do Cidadão, acha que a presidente Dilma tem sido mais feliz como chefe de Estado do que de governo. “A impressão que se tem é a de que se entrincheira na função de chefe de Estado para evitar o embate duro e nem sempre limpo e leal da política cotidiana.” Mesmo na barganha de cargos em campanhas eleitorais, Maranhão ressalta que “ela não cede além dos cargos do Poder Executivo, de resto direito seu, mas evitando o jogo para os cargos das demais instituições de estado”.

Para ele, sua consciência funcional é inequívoca “quando não submete a políticas de governo de interesse partidário as políticas de Estado de interesse público, como quando se relaciona com instituições como as Forças Armadas, os Tribunais de Justiça, o Ministério Público, a Receita Federal, o Banco Central e a Polícia Federal, por exemplo”.

Mais recentemente, Maranhão lembra que a presidente tem feito prevalecer uma política de Estado também com as instituições de controle e gestão, “e aí é que tem feito toda a diferença, reconhecida, inclusive, por organismos multilaterais da área”.

O Globo, 11/11/2012