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Constitucionalismo democrático

 

Há duas questões distintas na disputa pelos royalties do petróleo: os contratos já em vigor, inclusive alguns na área do pré-sal, e os que serão assinados para a frente, em novas licitações. Os estados não produtores trataram os dois casos da mesma forma, refazendo uma divisão que não respeita o caráter compensatório dado aos royalties pela Constituição de 1988.

Para o constitucionalista Gustavo Binenbojm, em relação aos contratos pretéritos, celebrados no passado e em curso, é bem provável, que por força de uma vinculação de receitas, de planejamento financeiro-orçamentário dos estados e municípios produtores, e do comprometimento de longo prazo, o Supremo Tribunal Federal, onde a questão está sendo julgada, aplique regras de segurança jurídica e proteção de confiança que promovam um congelamento desse regime até o encerramento desses contratos.

Para ele, a sinalização da ministra Carmem Lucia na liminar que concedeu parece ser que a redistribuição de valores entre os estados não pode ser aleatória, dado o caráter compensatório que a Constituição deu aos royalties e participações especiais. O contexto em que a questão foi colocada, no entanto, é mais complexo que isso, ressalta Binenbojm.

“Esses contratos, por gerarem receitas que o STF já disse que são originárias de estados e municípios, e não meras transferências voluntárias da União, estão inseridos numa progressão de tempo que leva os Estados e Municípios a considerá-los no médio e longo prazo, até por que esses foram colocados na equação do refinanciamento das dívidas aceita pela União”.

Para o advogado, se trata da segurança jurídica e da aplicação de um princípio que normalmente é utilizado para proteger o particular de modificações abruptas feitas pelo Estado. “Nesse caso, a proteção dos interesses das populações de estados e municípios que se comprometeram em projetos de médio e longo prazo”.

Como a lei não contemplou um regime justo de transição, um período de preparação de cada estado e município para migrar para uma nova realidade orçamentária, Binenbojm considera que “há uma violação da regra constitucional de segurança jurídica do princípio da confiança legítima”.
Em relação aos contratos para frente, a discussão é sobre o fato de a Constituição dar aos royalties e participações especiais do setor caráter de compensação, muito enfatizado na liminar da ministra Carmem Lucia.

“Isso exige que haja uma diferenciação entre estados produtores e os demais no momento da partilha, por força da questão ambiental, da pressão por serviços públicos, já que há uma corrida de população para essas áreas produtoras”, ressalta Gustavo Binenbojm.

O constitucionalista Luís Roberto Barroso, autor da ação ajuizada no Supremo Tribunal Federal pelo Estado do Rio de Janeiro, considera que estamos “num ponto crucial do arranjo institucional brasileiro — e de quase todo o mundo ocidental — conhecido como constitucionalismo democrático”.

Ele lembra que “Constitucionalismo” e “democracia” são conceitos que não se confundem. Democracia significa soberania popular, governo da maioria. Constitucionalismo significa respeito às regras do jogo (Estado de direito) e aos direitos fundamentais.

Isso significa dizer, acentua Barroso, que as maiorias devem governar “e que elas podem muito, mas não podem tudo”. Para o constitucionalista, as maiorias “devem ceder diante dos limites impostos pela Constituição que é, precisamente, o documento que contém as regras do jogo e define os direitos fundamentais. Inclusive dos Estados entre si”.

Quando a maioria se excede, compete ao STF impor os limites, e para Barroso foi isso que o STF fez – “e, possivelmente, fará de novo” -, no caso de uma emenda constitucional com o mesmo propósito da “malfadada lei que redistribuía os royalties”.

O advogado Luis Roberto Barros faz questão de frisar que “todos nós” somos solidários com a difícil situação financeira e orçamentária dos Estados em geral. No seu entender, a Federação brasileira precisa ser repensada amplamente, inclusive sob o aspecto dos recursos que são arrecadados por cada Estado, “claramente insuficientes para as obrigações que a própria Constituição confiou a eles. A centralização excessiva continua a ser uma disfunção brasileira”.

Porém, ressalta Luís Roberto Barroso, “a busca por recursos e a necessidade de repensar a Federação não autorizam a atitude inconstitucional de retirar à força receitas que sempre pertenceram aos Estados produtores. Pelas mesmas razões que a aflição financeira não legitima o furto ou o estelionato”.

O Globo, 24/3/2013