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Congresso x MPs

 

O Congresso se prepara para enfrentar uma batalha pela credibilidade perdida com relação às medidas provisórias pelo aspecto mais imediatista e fisiológico, sem encarar as verdadeiras razões de seu desprestígio. Uma das bandeiras do candidato oficial à presidência da Câmara, deputado Henrique Alves, é permitir que os parlamentares possam fazer acréscimos ao que vier do Palácio do Planalto no momento da votação, e não apenas até seis dias depois de a medida provisória chegar, como determinam as regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal.

A votação torna-se, por isso, mera homologação do que foi enviado, alegam os deputados. Na verdade, querem poder negociar com o governo sob a pressão do prazo fatal, para poder tirar vantagens. O que os novos dirigentes do Congresso deveriam cuidar é das motivações do governo para editar medidas provisórias, restringindo o papel do Congresso de legislar, como os critérios de urgência e relevância, que não são obedecidos.

O senador do PSDB de São Paulo Aloysio Nunes Ferreira já fez uma reclamação formal, e um estudo sobre várias medidas provisórias, inclusive a recente sobre a polêmica mudança nas licitações do setor elétrico, mostrando que muitas vezes não há razão para que a medida provisória não seja transformada em projeto de lei para ser debatido no Congresso.

A aprovação das medidas provisórias era tão automática que nem mesmo a comissão do Congresso que deveria analisá-las funcionava. E não foram poucas as vezes em que o governo enviou ao Congresso medidas provisórias que traziam embutidos assuntos diferentes, sem que fosse respeitado o inciso II do art. 7 da Lei Complementar no 95 de 1998, que proíbe que uma lei contenha matéria estranha a seu objeto.O governo fez isso durante muito tempo, até que as “pegadinhas”, como ficaram conhecidas, foram descobertas e denunciadas pela oposição.

Uma medida provisória tratando de um tema irrelevante — e que portanto não poderia ser objeto de uma MP — embutia decisão importante, como por exemplo a prorrogação do prazo para as empresas que aderiram ao Refis. Há outros exemplos: um artigo que interessa aos plantadores de soja numa MP sobre habitação popular; um artigo sobre o acerto de contas da União com a Petrobras na MP que regula a venda de remédios; e um artigo que autoriza o uso de recursos do Tesouro para amortizar a dívida pública numa MP sobre distribuidoras de energia.

A edição de MPs passou a ser uma forma de impor fatos consumados ao Congresso, pois elas geram efeitos imediatos e irreversíveis. Mas, em vez de impedir essa manobra governista, que vem desde o governo Lula, os congressistas passaram a se utilizar dela para embutir em medidas provisórias questões de seu interesse. No estudo do senador Aloysio Nunes Ferreira há um exemplo claro disso com relação à medida provisória 559/2012, que autorizava a Eletrobrás a adquirir no mínimo 50% da Celg (Companhia de Eletricidade de Goiás).

Ela se transformou no Projeto de Lei de Conversão (PLV) que acrescentou diversos itens ao tema principal, tais como: instituir o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior – PROIES – (Arts. 4º a 25); alterar a Legislação Tributária para estabelecer novas regras da base de cálculo para o PIS/PASEP e COFINS referente às indenizações das despesas e custos operacionais com os atendimentos médicos (Art. 26); e até mesmo autorização para a União doar alimentos do estoque público, por meio do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas à Bolívia, a El Salvador, à Guatemala, ao Haiti, à Nicarágua, ao Zimbabue à Cuba, aos países de Língua Portuguesa, à Autoridade Palestina, ao Sudão, à Etiópia, à República Centro-Africana, ao Congo, ao Somali, ao Níger, à República Popular da Coreia (Art. 27); além de alterar o limite de valor para a contratação de construção de unidades do Minha Casa Minha Vida para R$ 85 mil. (Art. 31).

A medida provisória original entra em vigor imediatamente, e o Projeto de Lei de Conversão (PLV) quando aprovado vai a sanção da Presidência da República. Se o Congresso não recuperar a capacidade de fiscalização sobre as medidas provisórias, rejeitando aquelas que estiverem fora das regras constitucionais, não recuperará a credibilidade em outros campos.

O Globo, 20/1/2013