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Coisa nossa

 

Condenado fazendo comício político, usando blog para comentar os acontecimentos, dando orientações sobre votações no Congresso, são coisas nossas e apartidárias. Não é apenas José Dirceu quem tem blog, seu delator Roberto Jefferson também, e ambos participam ativamente da política, dando palpites sobre o que está acontecendo, contra ou a favor do governo.

Jefferson, mesmo em prisão domiciliar, está de bem com a vida depois de ter casado em grande estilo, com direito a tirar um sarro de seu mais famoso inimigo. Ao lembrar a frase emblemática dirigida a Dirceu em transmissão pela televisão –“Você provoca em mim os instintos mais primitivos” -, ele disse a sua noiva que ela lhe inspirava “os mais deliciosos instintos primitivos”.

Em seu blog, ele afirma através de interpostas pessoas que o governo beneficiou a empreiteira Odebrecht com os financiamentos do BNDES. Já Dirceu tem aparecido abatido, e continua às voltas com outro processo, o do petrolão, onde é investigado pelo Ministério Público pelas consultorias que deu a empreiteiras envolvidas no Lava-Jato, que seriam meros disfarces para propinas vindas da Petrobras.

Ele tem usado seu blog para se defender, acusando o doleiro Alberto Yousseff de inventar as denúncias contra ele. Mas também participa da discussão política, ora defendendo a posição do governo contra o aumento da maioridade penal, ora rebatendo a tentativa do Congresso de controlar as nomeações nas estatais.

Mas pelo menos eles fingem algum constrangimento, e os blogs são escritos por “amigos” e “assessores”, mesmo que o que se lê ali seja claramente a opinião pessoal dos condenados a regime aberto.

Pois o petista João Paulo Cunha, o ex-presidente da Câmara condenado por peculato e corrupção no processo do mensalão, foi flagrado pela Folha em uma reunião política em Osasco, seu reduto eleitoral. Digo flagrado por que os companheiros que atenderam ao convite para “bater um papo ao sabor da conjuntura e outras lembranças” recebiam instruções para não fotografar nem postar notícias nas redes sociais e, portanto, o encontro não era para se tornar público.

Ele cumpre a pena em regime aberto em Brasília, e recebeu permissão para ir a São Paulo comemorar seu aniversário. Os condenados pelo mensalão tiveram seus direitos políticos suspensos, e não podem se candidatar a nada. Mas, ironicamente, há uma discussão sobre se podem ou não se filiar a partidos políticos, ou se podem participar de reuniões partidárias.

Outro condenado, Valdemar da Costa Neto, ignora eventuais restrições e faz reuniões políticas do PR, que ainda controla, orientando o partido a como votar no Congresso. Ao que se sabe, apenas as transgressões mais óbvias são punidas.

Flagrado tomando cerveja com amigos em um bar da zona sul de Belo Horizonte, o ex-deputado federal Romeu Queiróz, condenado a seis anos e seis meses de prisão por envolvimento no mensalão, perdeu os benefícios de trabalho externo e saídas temporárias.

João Paulo Cunha, por exemplo, fez uma ampla análise política da situação, admitindo até que o PT errou no mensalão, e voltou a errar no petrolão. Não entrou em detalhes sobre esses erros, sem deixar claro se estava admitindo os crimes pelos quais foi condenado, ou se o erro a que se referia era o de terem sido apanhados.

De qualquer maneira, a comemoração do aniversário de João Paulo Cunha foi bastante proveitosa para ele como líder político. Reuniu sua tropa política para estabelecer estratégias para a eleição municipal de 2016 e hoje tinha marcada reunião com grupos de sindicalistas.

Na eleição de 2012 ele era candidato favorito à Prefeitura de Osasco quando teve que renunciar devido à condenação no mensalão. O então prefeito Emídio de Souza hoje é presidente do PT paulista, e também esteve com João Paulo Cunha trocando ideias sobre “a conjuntura”.

As atividades políticas, encobertas ou não, não são restringidas pela Justiça, que tende a ser condescendente com esse tipo de burla da punição. Mas se os políticos foram condenados justamente por terem atividades políticas irregulares, misturadas a diversos crimes, como permitir que continuem a manter tal atividade que está no cerne de suas condenações?

O Globo, 06/06/2015