"Casa de boneca" abriga morador de rua. Os abrigos, de cerca de um metro e meio de altura, foram construídos por entidade assistencial de São Paulo.
FOLHA Cotidiano, 02.08.2005
O luxuoso automóvel passou pelo local em regular velocidade, mas isso não impediu que a menina, sentada no banco traseiro, avistasse as duas pequenas casas azuis, com pouco mais de um metro e meio de altura. Curiosa, ordenou ao motorista que parasse, mas este não obedeceu:
- Seu pai mandou que eu levasse a senhorita para casa -disse, respeitoso, mas firme e é isso que vou fazer.
Ela entrou furiosa na luxuosa mansão e imediatamente foi dizendo aos pais: quero aquela casinha de boneca que vi lá perto do shopping.
O pai tentou dizer a ela que aquilo não era casinha de boneca, que casinha de boneca a gente compra em lojas de brinquedos e que, ademais, ela já tinha duas casinhas de boneca; mas foi inútil. A menina, mimada como sempre, insistia: queria aquela de boneca e nenhuma outra. O pai, suspirando, tomou o carro e foi até lá. No caminho, comprou uma pequena casa pré-fabricada, desmontável; com uma boa argumentação, conseguiu convencer o morador da casinha, um homem de seus cinqüenta anos, a fazer a troca, que aliás seria vantajosa.
Voltou para casa, trazendo a casinha azul. Mas aquilo não deixou a menina satisfeita. Ela queria o boneco.
- Que boneco? -perguntou o pai, surpreso.
- O boneco grande que estava dentro da casinha -replicou ela. - Pensa que não vi? Tinha, sim, um boneco aí dentro. Quero a casinha com o boneco.
O pai disse que não era um boneco, que era um homem de verdade. O que não serviu de argumento:
- Então quero o homem. Quero que ele fique morando aqui.
O pai ia dizer que aquilo era um absurdo, mas a filha simplesmente não admitia ser contrariada. Atirou-se no chão, chorando e gritando. Chorou e gritou tanto que ele não teve outra alternativa: tomou o carro e voltou para o local. Felizmente o homem ainda estava ali, terminando de montar a pequena casa pré-fabricada. Não foi muito difícil convencê-lo a fazer a mudança: ganharia um salário para não fazer nada, só ficar à vista da menina quando esta o quisesse.
A casinha azul foi instalada junto à piscina. O homem passa ali os dias, sentado à porta. De vez em quando varre o jardim e recolhe as folhas que caem na piscina. Não é obrigação dele. Mas precisa fazer alguma coisa, para se convencer que não virou um simples habitante de casa de boneca.
Folha de São Paulo (SP) 8/8/2005