Vivemos “tempos interessantes”, como se algum chinês da antiguidade nos tivesse jogado essa praga. Viver em tempos turbulentos como o nosso exige do homem público esforço adicional, mas pode revelar grandezas insuspeitadas ou misérias conhecidas. Brasília é uma capital em transe, e o clima de barata voa está por toda parte, e não apenas na Operação Carne Fraca, como identificou a economista Monica de Bolle.
Disputas de grupos dentro da Polícia Federal e do Ministério Público, disputa de grupos políticos em busca de saídas para a enrascada em que se meteram. E todos parecem já terem passado do ponto de não retorno, enquanto o Palácio do Planalto procura debilmente manter uma certa ordem na casa para escapar do naufrágio que volta e meia parece inevitável.
O fato do dia ontem foi o encontro do ministro Gilmar Mendes com o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, na posse de Alexandre Moraes no Supremo Tribunal Federal. Os dois estariam à distância de uma cusparada, como se diz nas brigas de rua, com apenas a autoridade moral do ministro Celso de Mello e sua bengala entre os dois.
Na manhã de ontem, o Procurador Janot respondera duramente a críticas ao Ministério Público feitas por Gilmar Mendes no dia anterior. Gilmar se referira a um episódio narrado pela Ombudsman da Folha de S. Paulo, Paula Cesarino, que considerou inaceitável.
Segundo ela, os Procuradores de Curitiba vazaram os principais nomes dos processos gerados pelas delações premiadas da Odebrecht em um encontro informal com diversos jornalistas, provocando uma cobertura semelhante e dirigida.
Se realmente existiu essa “coletiva em off”, quando, no jargão jornalístico, a informação é dada com a proteção da fonte, é realmente uma banalização das informações sobre assuntos sigilosos. Ou, nas palavras duras de Gilmar Mendes, uma “violação de segredo funcional”.
O ministro do Supremo chegou a dizer que sugerira anteriormente “o descarte de material vazado, uma espécie de contaminação de provas colhidas licitamente, mas divulgadas ilicitamente”. E insinuou, com palavras cuidadosas: “acho que nós deveríamos considerar este aspecto”.
Como o ministro Gilmar Mendes tem sido um crítico duro de exageros e irregularidades que detecta nas ações do Ministério Público em Curitiba, e de abusos que vê, por exemplo, nas prisões temporárias alongadas determinadas pelo Juiz Sérgio Moro, atribui-se a ele a liderança, na área do Judiciário, de ações que poderiam levar à neutralização da Operação Lava Jato.
O Procurador Rodrigo Janot reagiu com uma grande rispidez, e não teve o cuidado de esperar o fim do dia, para evitar que na posse do novo ministro houvesse uma situação no mínimo constrangedora. Logo pela manhã, ele aproveitou uma reunião do Ministério Público Federal que chefia para assumir a defesa dos seus, acusando, sem citá-lo nominalmente, Gilmar Mendes de ter tido uma “desinteria verbal”, e atribuindo as acusações à “decrepitude moral” do ministro do STF.
Janot disse que as denúncias são fatos distorcidos, e classificou de “instrumentos legítimos de comunicação institucional” a suposta coletiva informal. Um bate-boca entre dois próceres da República que por esses dias não anda lá muito bem das pernas.
No Congresso, ao mesmo tempo em que temas de interesse nacional são votados, como a terceirização de mão de obra e a reforma da Previdência, providencia-se nos bastidores uma anistia política genérica ao Caixa 2, como se fosse possível escapar das punições pelos crimes cometidos com uma canetada.
Os crimes estão previstos na lei: corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. Será inócuo tentar aprovar uma anistia geral e irrestrita dos políticos envolvidos na Operação Lava Jato, por que, ao final, o Supremo Tribunal Federal definirá claramente o que foi simples infração eleitoral, e o que é pura e simplesmente crime.