A ausência prolongada do presidente Lula, devido a uma nova intervenção cirúrgica, mostra mais uma vez que o governo não está preparado para atuar sem ele. A coincidência da doença com o momento delicado de votar as reformas tributária e fiscal, além da negociação com o Congresso sobre as emendas parlamentares, demonstra que o governo não está aparelhado para atuar sem a presença de Lula.
Os ministros Alexandre Padilha, de Relações Institucionais, e Rui Costa, chefe da Casa Civil, estão negociando com o Congresso, mas nenhum dos dois tem credibilidade junto ao Centrão; nenhum deles tem habilidade para levar adiante uma votação difícil como as que se prenunciam. A oposição desdenha a capacidade política dos dois. Por isso Lula tem de entrar em campo sempre.
Na tarde antes de ser internado, ele teve uma reunião com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, porque ninguém quer saber o que Padilha e Rui Costa pensam. A ausência forçada de Lula mostra mais que nunca a fragilidade do governo do PT, sem solidez para negociar; não tem ninguém que seja identificado como poderoso a ponto de fechar um acordo. Lula já teve ministros que eram vistos assim, como Antonio Palocci, na Fazenda, e José Dirceu, na Casa Civil. Hoje não tem ninguém. Talvez Lula prefira assim.
O vice-presidente também não atua como presidente, tanto que Lula não se licenciou. Nem o PT quer saber de Alckmin negociando. O papel dele é apenas formal. A escolha como vice-presidente foi para mostrar boa vontade com o centro democrático. Não passa disso. Alckmin não manda. Lula está isolado, com resistência grande dentro do PT para ir adiante na frente democrática. Sabe-se que possivelmente Alckmin não continuará como vice numa eventual chapa de reeleição, muito devido à desconfiança petista.
O fato de a Bolsa ter subido e o dólar caído com a notícia da nova cirurgia de Lula é uma demonstração cruel de que o mercado financeiro prefere a perspectiva de ter Alckmin na Presidência à recuperação de Lula. O lado da esquerda radical do PT ganhará reforço diante dessa realidade, que poderá fazer aumentar o ressentimento do presidente. O futuro político de Lula também está em xeque diante desse novo quadro cirúrgico, ainda mais que a nova intervenção para prevenir outros sangramentos exige anestesia geral, num paciente de quase 80 anos.
À certeza de que Bolsonaro não será candidato em 2026, por decisão da Justiça Eleitoral, soma-se agora a dúvida sobre as condições de Lula de disputar uma campanha presidencial tão acirrada quanto a que se apresenta. No campo da direita, já existem vários candidatos possíveis. Pode-se ter a perspectiva de que, se o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, for candidato, haverá união em torno de seu nome. Mas Bolsonaro deixará que isso aconteça ou colocará um filho como vice na chapa para trocar com ele se for definitivamente impedido? Surtirá efeito essa troca de última hora?
Até o momento, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, mantém sua candidatura, mesmo tornado inelegível em primeira instância, punição severa demais que deve ser reformada em outras instâncias — e mesmo que Bolsonaro se candidate. Só abrirá mão caso o governador paulista seja candidato. Na esquerda, não há candidato à vista sem ser Lula. Impossibilitado fisicamente, o presidente terá de liderar a busca de um sucessor dentro de um PT rachado, divisão explicitada na sucessão de Gleisi Hoffmann na presidência do partido.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é o substituto natural, como foi em 2022, mas não agrada à ala mais ortodoxa. Em ambos os campos em disputa, a possibilidade maior é que surjam diversos candidatos, num revival de 1989. Nesse caso, retrocederíamos no tempo ou teríamos uma possibilidade de superar o lulismo e o bolsonarismo?