O voto do ministro Dias Toffoli começou a recolocar nos trilhos o Supremo Tribunal Federal (STF) que preside, dando, quatro meses depois, detalhes cruciais de sua liminar que acabou suspendendo os inquéritos baseados em informes do antigo Coaf (hoje Unidade de Informação Financeira) e da Receita Federal.
Embora tenha surpreendido a todos por ter dado uma reformulada nos termos de sua decisão inicial em linguagem sinuosa, o presidente do Supremo abriu caminho para a retomada do compartilhamento de dados entre os órgãos de fiscalização e os de investigação.
Os esclarecimentos de Toffoli começaram ao dizer que em nenhum momento impediu que os inquéritos prosseguissem, atribuindo a agentes públicos mal intencionados e a órgãos de imprensa usando de terrorismo as informações nesse sentido, segundo ele, erradas.
Bom saber disso, só estranhável que tenha levado tanto tempo para explicar. Se constatou que sua liminar estava sendo usada indevidamente, para atribuir a ele a obstrução das investigações de lavagem de dinheiro e corrupção, deveria o presidente do Supremo ter expedido uma nota oficial alertando para o equívoco, ou convocado uma entrevista coletiva para acabar com o “terrorismo” da imprensa.
Mas, antes tarde do que nunca, e ele ontem deu voto que, apesar de necessitar de explicações, abre caminho para, não limitar, mas dar balizas mais precisas para a atuação dos órgãos de fiscalização.
Como o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, já havia destacado na mensagem que enviou aos ministros do STF, os dados do antigo Coaf e da Receita não são provas, e precisam ser confirmados por investigações adicionais.
Aras, por sinal, está tendo uma atuação impecável para quem entrou no cargo sob a suspeita de que seria mais um “engavetador-geral”. Garantiu a independência do Ministério Público, mas acatou os balizamentos pretendidos por Toffoli, inclusive que os dados enviados pela Receita devem ser globais, tendo conseguido que Toffoli ampliasse o entendimento de “globais”.
A ponto de o ministro Marco Aurélio Mello, contrário a qualquer tipo de compartilhamento sem autorização judicial, ter reclamado com ele quando detalhou a maneira como os dados podem ser enviados aos órgãos de investigação: “Mas isso não é a mesma coisa de quebrar o sigilo bancário?”.
O que parece ter sido uma novidade incluída por Toffoli no processo de investigação é mais uma burocracia, mas com vistas a proteger a privacidade do cidadão. O Ministério Público passa a ser obrigado a abrir um procedimento de informação criminal (PIC) quando receber da UIF relatório de inteligência financeira (RIF), e comunicar o juízo competente, mesmo que depois nem venha a utilizar tais dados.
Hoje, o Ministério Público arquiva informações que não têm relevância para as investigações. Toffoli está exigindo isso para garantir uma “supervisão judicial” dos inquéritos. Depois de seu voto ter suscitado dúvidas, o presidente do STF esclareceu pessoalmente: com relação aos relatórios do antigo Coaf (hoje Unidade de Informação Financeira), não há nenhuma limitação ao compartilhamento.
Os relatórios de inteligência financeira (RIF) não incluem documentos detalhados, e o Ministério Público pode até mesmo fazer consultas à UIF, desde que as informações já existam em seu banco de dados. A única restrição se refere ao compartilhamento de dados da Receita com os órgãos de investigação, como extratos bancários e declaração de Imposto de Renda.
Nesse ponto é que entra o caso do hoje senador Flavio Bolsonaro, sujeito não tão oculto nesse julgamento. A defesa do filho do presidente alega que esses dados foram repassados para o Ministério Público, no que seria uma quebra de sigilo sem autorização da Justiça.
O compartilhamento desses dados deve ocorrer exclusivamente nos casos de indício de crimes contra a ordem tributária, contra a previdência social, descaminho, contrabando e lavagem de dinheiro.
Acontece que a quebra do sigilo já foi autorizada pela Justiça, e uma proibição do uso desses dados agora significaria que, para sempre, Flavio não poderia ser investigado.