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Angústia é problema médico?

 

A palavra angústia vem do latim angustus, que significa estreito, apertado. Tem muito a ver com o termo alemão angst, cuja raiz indo-européia, anghu, significa a mesma coisa, restrição, aperto. Mas a palavra angst adquiriu uma conotação muito mais ampla, sobretudo por causa daquela importante corrente filosófica que é o existencialismo, e sobretudo por causa de dois importantes filósofos, Soren Kierkegaard e, nazismo à parte, Martin Heidegger. Para Kierkegaard, a angústia era o resultado da insegurança humana diante das responsabilidades para com Deus. Já Heidegger fala do angst frente ao Nada, à morte, algo que todos nós sentimos e que é inerente à condição humana.


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Sigmund Freud tem uma concepção diferente. Tudo bem, existe o Nada e existe o Senhor, mas antes disso existe a vida e suas pressões, inclusive e principalmente de natureza sexual. Sexo é uma potente fonte de energia, e quando essa energia não é convenientemente descarregada surge a crise de angústia, associada à idéia da morte ou da loucura e manifestando-se por palpitações, dor no peito, tremores, vertigens. É a neurose de angústia, um dos principais motivos que levavam as pessoas ao divã do analista.


E o que dizia a medicina a respeito? Em 1980 apareceu a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (DSM III), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, que é uma espécie de Bíblia no assunto. Nesta edição a neurose de angústia desapareceu, dando origem ao hoje muito conhecido transtorno do pânico, uma situação bem caracterizada e sobretudo tratável com medicamentos e psicoterapia. O termo neurose, que sempre foi muito vago (praticamente todo mundo é neurótico), caiu em desuso, e angústia passou a ter um significado mais filosófico e existencial do que médico.


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O que faz sentido, e pode ser comparado a outras situações. Por exemplo: melancolia não é o mesmo que depressão. Esta última é uma situação com expressão orgânica, com distúrbios químicos no cérebro passíveis de correção por medicamentos. Melancolia é uma reação de desgosto dos espíritos superiores diante da esculhambação que é o nosso mundo (ver Bolsa de Valores), e que pode se expressar na literatura, nas artes. Depressão tem de ser tratada. Melancolia tem de ser entendida. O mesmo pode se dizer da angústia. Ela tem de ser elaborada, psicologicamente e até filosoficamente. Claro, quando a angústia tem sintomas, quando tem expressão orgânica, devemos procurar o médico. De resto é melhor aceitá-la, o que pode até resultar em consolo. Viver é compreender.


Zero Hora (RS) 25/10/2008

Zero Hora (RS), 25/10/2008