Quando eu era menino, havia um médico que se tornou conhecido em Porto Alegre não por causa de suas qualidades profissionais ou pessoais; não, a razão de sua fama era outra: homem rico, tinha um apartamento em Copacabana. Dele as pessoas diziam, com admiração, respeito e inveja: O doutor X tem um apartamento em Copacabana.
E havia motivos para esta quase veneração. Copacabana não era só um bairro, uma praia; não, Copacabana era um estilo de vida, rico, sofisticado. Copacabana era, no Brasil, o reduto dos vencedores, mesmo porque, não podemos esquecer, o Rio era a capital federal: à pequena distância, no Flamengo, ficava o Palácio do Catete, a residência do presidente da República.
E era um lugar belíssimo, com uma paisagem arrebatadora. Daí o apelido de princesinha do mar, expressão aristocrática incluindo, contudo, um diminutivo carinhoso, este certamente correndo à conta das belas moças, que, com seus maiôs elegantes e seus corpos esculturais, atraíam a atenção dos rapazes atléticos que jogavam vôlei ou frescobol. Enfim, gente rica, que podia não ser a nata da sociedade carioca, mas que estava perto disso.
Copacabana mudou, como a gente constata a cada passagem de ano. No último dia 31, 2 milhões de pessoas lotaram a praia, olhando o espetáculo dos fogos de artifício, assistindo aos shows. Coisa que certamente deixaria muito ofendido o doutor porto-alegrense que lá tinha apartamento: o que estava fazendo ali aquela plebe? Ele teria de admitir, muito a contragosto, que Copacabana se popularizou.
Vários fatores contribuíram para isso. Em primeiro lugar, Copacabana já não tem aquele status: surgiram novos redutos da riqueza e da sofisticação: Ipanema, Leblon, e a Miami brasileira, a Barra da Tijuca, lugar preferido daqueles que, nos últimos tempos, subiram na vida.
E Copacabana ficou mais acessível: há uma linha de metrô, existem os ônibus e muita gente agora tem carro. Nas areias, predomina agora a famosa classe C, a nova classe média brasileira, gente que era pobre mas que pode desfrutar do prazer do consumo e das amenidades da vida. Gente que come regaladamente, o que se traduz numa impressionante quantidade de obesos e obesas (adeus, corpos esculturais).
Uma coisa que, acho, nunca havia sido prevista. Se alguma ameaça havia a Copacabana, era exatamente a ameaça da vida regalada, sensual, o equivalente brasileiro dos festins romanos, coisa que deixava os moralistas ressentidos. Uma versão irônica dessa raiva está na famosa crônica de Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana, uma espécie de profecia em estilo bíblico, anunciando a destruição da praia por causa de seus pecados.
Não, a nova Copacabana não é pecadora, a menos que consideremos o mau gosto um pecado. Copacabana é antes a realização de um sonho brasileiro, o sonho de gente que, como os porto-alegrenses da minha infância, admiravam e invejavam o doutor que lá tinha um apartamento. Sendo sonho, não se pode esperar dos sonhadores a racionalidade necessária para, por exemplo, comer de forma mais adequada; mas é sonho, de qualquer forma, e o que seria dos brasileiros se não sonhassem? Ai de nós, Copacabana. Ai de nós.
Zero Hora (RS), 16/1/2011