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Odylo Costa, filho

A MEU FILHO

Recorro a ti para não separar-me

deste chão de sargaços mas de flores,

onde há bichos que amaste e mais os frutos

que com tuas mãos plantavas e colhias.

 

Por essas mãos te peço que me ajudes

e que afastes de mim com os dentes alvos

do teu riso contido mas presente

a tentação da morte voluntária.

 

Não deixes, filho meu, que a dor de amar-te

me tire o gosto do terreno barro

e a coragem dos lúcidos deveres.

 

Que estas árvores guardam, no céu puro,

entre rastros de estrelas, a lembrança

dos teus humanos olhos deslumbrados.

                                                                            (Cantiga incompleta, 1971.)

 

SONETO DE JÓ

Este grito, que é rio amargo, choro

que não é meu apenas, mas de todos

que o filtro das insônias decantou,

ouve-o, Senhor, que é grito de infelizes.

 

Perdi-me e Te procuro pela névoa,

no céu em fogo, no calado mar.

A Teus pés volto. Faça-se o que queres.

Tanto me deste que por mais que tires

 

sempre me resta do que Tu me deste.

Deus necessita do perdão dos homens

e é esse perdão que venho Te trazer.

 

Com o coração rasgado, mas ao alto,

Senhor, te entrego os filhos que levaste

pelo amor dos meus filhos que ficaram.

                                                                         (Cantiga incompleta, 1971.)

 

SONETO DE N. S. DO BOM PARTO

A adolescente era a palmeira esguia

de tranças. Mas no mel do seu cabelo

tal mistério morava que de vê-lo

a alma desesperada renascia.

 

Era a Beleza? A simples alegria?

Era a presença do sutil desvelo?

Era a graça, era o corpo, era a poesia?

Era a saudade do materno zelo?

 

Era a esperança, a fé, a caridade?

Impossível dizê-lo com certeza.

Mas nela havia tanta eternidade

 

que pôs Nossa Senhora do Bom Parto

nove bocas em torno à nossa mesa

e uma sombra perene em nosso quarto.

                                                                         (Cantiga incompleta, 1971.)

 

SONETO DE FIDELIDADE

Não receies, amor, que nos divida

um dia a treva de outro mundo, pois

somos um só que não se faz em dois

nem pode a morte o que não pôde a vida.

 

A dor não foi em nós terra caída

que de repente afoga mas depois

cede à força das águas. Deus dispôs

que ela nos encharcasse indissolvida.

 

Molhamos nosso pão quotidiano

na vontade de Deus, aceita e clara,

que nos fazia para sempre num.

 

E de tal forma o próprio ser humano

mudou-se em nós que nada mais separa

o que era dois e hoje é apenas um.

                                                                     (Cantiga incompleta, 1971.)

 

SONETO DA REVISITAÇÃO

Partamos juntos a rever o rio

onde primeiro o nosso amor nasceu

e acalentando o meu humor sombrio

entre os teus seios amadureceu.

 

Nasceu tão pleno quanto um sol de estio

mas sobre a dor e a morte ainda cresceu,

embora a prata tenha posto um fio

no teu cabelo, e muitos neste meu.

 

Vamos em busca de um repouso fundo

que nos envolva de uma leve areia

no banho antigo, em meio aos juçarais.

 

Que a viagem nos cure deste mundo,

cheia de vozes de teus filhos, cheia

desta alegria de te amar demais.

                                                                      (Cantiga incompleta, 1971.)

 

ILHÉU

Nasci numa ilha.

Era meu destino.

Numa ilha vivo

desde pequenino,

a estender os braços

pelo mundo todo

em busca de traços

que à terra me liguem.

Quero o continente!

Não me deixem só,

não me quero ausente.

 

Ninguém me compreende

esta busca ansiosa:

tenho o mar comigo,

quero ainda a rosa.

Joguem fora a âncora!

Pois o amor que achei,

meu anel de amigos

e a casa do rei

trazem sede e fome

de mais terra e céu.

Por Deus compreendam

quanto sou ilhéu!

 

Careço de afetos

em roda de mim.

Foi sorte ou desgraça,

numa ilha vim.

 

Tempo de enxurrada

nessa ilha nasci,

como a água que corre

sou daqui, dali.

Por Deus me acarinhem

que nasci na ilha,

num mês de enxurrada,

mês de água andarilha,

sobrados e terra

porém terra pouca,

lavado azulejo

sob uma água rouca.

Meu amor me abraça

porque sou ilhéu

ando só - na areia

entre águas e céu.

                                                                        (Boca da noite, 1979.)

 

PAZ DE AMOR

Calemos esta paz como um segredo

de amor feliz. Não seja este silêncio

ponto final em nosso terno enredo:

não nos encerre o amor, antes condense-o.

 

Olhemo-nos nos olhos face a face.

sem recuar surpresos como o amigo

que de repente no outro deparasse

apenas o lembrar do tempo antigo.

 

Não. Sempre em nós renascerão searas.

novas chuvas trarão nova colheita.

folhas novas, translúcidas e raras.

 

E brotará da tua mão direita

água súbita e casta do rochedo

um novo amor, que vença a morte e o medo.

                                                                                   (Boca da noite, 1979.)

 

SONETO DA TARDE

Não digo que o sol pare, nem suplico

que teu cabelo não se faça branco.

Nos segredos serenos que fabrico

vive um pouco de mago e saltimbanco,

 

mas te desejo simples, natural,

e que o dia na tarde amadureça.

Venceste muita noite e temporal.

Confia em que outra vez ainda amanheça.

 

O teu reino da infância sempre aberto

guarda o campo e os brinquedos infinitos

nas cores puras, sob o céu coberto.

 

Nos cajueiros, os pássaros... Os gritos

infantis... Mas a ronda neles nasce

e embranquece o cabelo em tua face.

                                                                                  (Boca da noite, 1979.)

 

O AMOR CALADO

Ainda que o canto desça, de atropelo

como abelhas no enxame alucinante

em torno a um tronco, e me penetre pelo

ouvido, em sua música incessante,

 

juro a mim mesmo: nunca hei de escrevê-lo.

Hei de fechá-lo em mim como diamante

dentro da pedra feia. Hei de escondê-lo

na minha alma cansada e navegante.

 

E nunca mais proclamarei que te amo.

Antes o negarei como os namoros

secretos de menino encabulado.

 

Que se cale este verso em que te chamo.

Cessem para jamais risos e choros.

Meu amor mineral é tão calado!

                                                                                (Boca da noite, 1979.)