UM SONHO
(Ao embarque e partida de uma Senhora)
Ela foi-se! E com ela foi minh’alma
N’asa veloz da brisa sussurrante,
Que ufana do tesouro que levava,
Ia... corria... e como vai distante!
Voava a brisa e no atrevido rapto
Frisava do Oceano a face lisa:
Eu que a brisa acalmar tentava insano,
Com meus suspiros alentava a brisa!
No horizonte esconder-se anuviado
Eu a vi; e dois pontos luminosos
Apenas onde ela ia me mostravam:
Eram eles seus olhos lacrimosos!
Pouco e pouco empanou-se a luz confusa,
Que me sorria lá dos olhos seus;
E dalém ondulando uma aura amiga
Aos meus ouvidos repetiu adeus!
Nada mais via eu, nem mesmo um raio
Fulgir a furto a esperança bela;
Mas meus olhos ilusos descobriram
Numa amável visão a imagem dela.
Esvaiu-se a visão, qual nuvem áurea
Ao bafejar da vespertina aragem;
Se aos olhos eu perdia a imagem sua,
No meu peito eu achava a sua imagem.
Ela foi-se! ... E com ela foi minh’alma
Na asa veloz da brisa sussurrante,
Que ufana do tesouro que levava,
Ia... corria... e como vai distante!
Rio de Janeiro, 1851.
INSPIRAÇÃO SÚBITA
A Rosina Stoltz em uma representação da Favorita.
Gênio! Gênio!... inda mais! Supremo esforço
Da mão de Deus no ardor do entusiasmo!
És anjo ou és mulher, tu que nos roubas
Do culto o amor, o êxtase do pasmo?
Na pujança do voo a águia soberba
Tenta o céu devassar, exausta para:
Nas asas do lirismo, tu de Jeová
Ao templo chegas, e te prostras n’ara.
Aí, c’roada de fulgente auréola,
No concerto dos anjos te misturas;
E se cantas na terra, são teus hinos
Harmonias que ouviste nas alturas;
Aí aspiras o lustral perfume,
Que das urnas sagradas se evapora:
Eis porque tua voz parece ungida
Dos olores da flor, que orvalha a aurora.
Aí do coração na harpa animada,
As cordas descobriste de ouro estreme,
Que se vibram de amor, ateiam n’alma
Paixão que goza e sofre e canta e geme.
Aí o idioma típico aprendeste,
Que entendem todos e que tudo exprime:
É assim teu olhar o verbo vivo,
É teu gesto a linguagem mais sublime.
Mistério augusto que do Eterno ao fiat
Surgiste, qual visão que atrai, fascina;
Se da mulher teu corpo veste a forma,
Arde no gênio tua chama divina.
Mulher ou anjo! Cumpre a missão tua!
Seja a crença deleite, a fé doçura;
Toda a terra ame ao céu nos seus prodígios,
Adore o Criador na criatura.
Rio de Janeiro, 1852.
FORMOSA
Formosa, qual pincel em tela fina
Debuxar jamais pôde ou nunca ousara;
Formosa, qual jamais desabrochara
Na primavera rosa purpurina;
Formosa, qual se a própria mão divina
Lhe alinhara o contorno e a firma rara;
Formosa, qual jamais no céu brilhara
Astro gentil, estrela peregrina;
Formosa, qual se a natureza e a arte,
Dando as mãos em seus dons, em seus lavores
Jamais soube imitar no todo ou parte;
Mulher celeste, oh! anjo de primores!
Quem pode ver-te, sem querer amar-te?
Quem pode amar-te, sem morrer de amores?!