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Discurso de posse

Minhas senhoras e meus senhores,
   
ao empossar-se nesta Casa, Carlos Castello Branco começou por manifestar saudades do primeiro Regimento Interno da Academia, o qual facultava que se tomasse posse por carta. Assim fez um dos mais eminentes brasileiros em toda a nossa História, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, que por sinal ocupou esta mesma Cadeira que, com tanto e tão justificado orgulho, agora assumo eu. Também eu preferia, pelo menos neste caso, que ainda vigorasse o antigo Regimento, eis que sou um paradoxo ambulante: sempre me pergunto por que, me havendo feito baiano, Deus não me fez orador. Posso apenas, para vosso alívio, acenar com a promessa de brevidade, promessa também feita pelo meu ilustre antecessor imediato. 

Tampouco sou homem de letras no sentido rigoroso do termo. Sou apenas um romancista, um contador de histórias, cuja modesta cultura literária foi adquirida num convívio arrebatado com os livros de Ficção, a Poesia e o Teatro. Receio que o convívio com a Teoria Literária e o Ensaio Crítico não tenha sido tão amoroso. Pelo contrário, sempre foi – e continua sendo – inconstante e esquivo, pouco entusiástico e, às vezes, indiferente. Não me gabo disso, antes me envergonho, sinto-me incompleto e frágil, ainda mais diante de tantos que aqui se encontram e que merecem, sem a menor dúvida, o galardão de homem, ou mulher, de letras.
 
Mas romance não posso escrever para esta ocasião, se bem que Castello Branco, pela sua vida rica e movimentada, tivesse o perfil de um grande personagem de romance. Vimo-nos em pessoa somente uma vez, na ilha de Itaparica, onde ele, na companhia de outros amigos, resolveu visitar-nos. Pode ser que tudo tenha sido efeito dos ares fagueiros da ilha, mas o fato é que o achei bem diferente do que às vezes me falavam dele, ou suas fotos pareciam projetar: catadura enfezada, taciturno, durão, riso escasso, um certo azedume, um certo jeitão enfezado. Não percebi nada disso. A uma mesa de botequim, sob a sombra de oitizeiros centenários, na brisa de uma manhã amena em frente a um mar de todos os tons de azul e verde, conversamos como se já fôssemos camaradas de longa data. O famoso Castelinho, ali diante de mim, me mostrou um semblante suavemente alegre, olhos miúdos mas vivos, cortesia e fraternidade, quase sempre sublinhadas por um riso calmo em que mal mostrava os dentes. Corro o risco de ser contestado por outros que estiveram com ele em circunstâncias diversas, mas tenho certeza de quem vi e de com quem conversei naquele dia: um homem enrijecido por tantas batalhas que enfrentou, consagrado por seu talento e sua dedicação ao Jornalismo de alta qualidade, ali sentado com tanta simplicidade e uma certa ternura pelo mais jovem e falante que era eu, com um ar, diria mesmo, bonachão. Naquela época, embora eu não soubesse, ele já portava a doença que terminou por levá-lo, mas este fato, ao contrário do que aconteceria com homens de menos fibra, não lhe emprestava amargor ao rosto ou às palavras. Na despedida, provocado pelo comentário de alguém, falou-me brevemente sobre a doença, sem alterar sua expressão ou tom de voz, como quem discute um pequeno resfriado. Até hoje penso que, se imaginasse que jamais conversaria com ele outra vez, teria prolongado sua estada, sob um dos muitos pretextos que amigos congregados num boteco à beira-mar aceitam, por mais esdrúxulos que pareçam.

Mas, como disse, não posso fazer um romance aqui, nem mesmo uma crônica de memórias. Cabe a mim cumprir, como um calouro disciplinado, o honroso dever de fazer o que prescreve o Art. 25 do Regimento Interno, no qual sou designado com qualificação corretíssima, mas quiçá tão filologicamente cruel quanto a de “soteropolitano” para o cidadão de Salvador e “ludovicence” para o cidadão de São Luís do Maranhão, como o nosso querido Presidente Josué Montello. Nesse artigo, sou chamado de “recipiendário”. E compete ao recipiendário apreciar a personalidade e a obra de seu antecessor, tarefa que, como admirador de Carlos Castello Branco, não me deverá ser difícil. E também se tornou praxe lembrar os ocupantes anteriores. Assim como obedeço ao regimento, obedeço igualmente à praxe.

O Patrono desta Cadeira 34 é o Padre Antônio Pereira de Sousa Caldas. Uma guinada em seu espírito transformou um precoce estudante de Direito em Coimbra, processado por causa das ideias que professava com eloquência e destemor, num santo homem e pregador extraordinário. Influenciado, no convívio com a estudantada coimbrã, pelo Iluminismo, pela inquietação dos enciclopedistas, pela defesa da liberdade de pensamento, por tudo isso que precedeu as radicais transformações políticas ocorridas na Europa dos fins do século XVIII e início do século XIX, o Patrono desta Cadeira teve sua prisão decretada pelo Santo Ofício. Sua família conseguiu que a prisão fosse substituída por um estágio de seis meses num mosteiro. Surpreendentemente, o jovem rebelde descobriu uma poderosíssima vocação religiosa, escolhendo o sacerdócio como opção de vida. Ordenou-se em Roma, voltou para o Rio de Janeiro, onde morreu em 1814, com pouco mais de 50 anos de idade, celebrado pela sua legendária oratória, pela poesia a que também se dedicou e pela humildade e desprendimento. Jamais quis ser bispo e jamais deu importância à glória terrena, havendo morrido pobre e sem bens além dos do espírito.
 
Já o Fundador desta Cadeira, João Manuel Pereira da Silva, era figura bem diferente da do Patrono, a começar pelo fato de que foi muitas vezes acusado de anticlerical ou mesmo de inimigo do Catolicismo, por sua impaciência com o que ele considerava religiosidade excessiva, em Portugal e no Brasil. Polemizou e fez inimigos por isso. Mas sempre esteve no poder ou próximo dele. Bacharel em Direito formado em Paris, não só militou na Advocacia, como, principalmente, na Política. Foi conferencista, orador, jornalista, historiador, biógrafo – um verdadeiro e típico polígrafo. Conservador desde que ingressou na Política, foi deputado provincial e deputado geral de 1848 a 1888, com alguns intervalos. Em 1888, foi nomeado senador do Império pela Princesa Isabel. Sua fama se estendia para fora das fronteiras do Brasil, valendo-lhe honrarias e comendas até sua morte, aos 80 anos – tanto assim que, entre muitos outros títulos, era sócio da Academia Real de Ciências e da Sociedade de Lisboa, da Arcádia de Roma, da Academia Real de História da Espanha e do Instituto Histórico da França. Deixou obra vastíssima, inclusive romances, mas seu interesse básico, além da Política, era a História. Muitas vezes criticada por parcialidade ou superficialidade, não obstante sua obra constitui acervo valioso para a Historiografia Brasileira.

Seguiu-o nesta Cadeira o Barão do Rio Branco. Não há certamente brasileiro que não tenha ouvido falar no Barão do Rio Branco. Poucas cidades haverá que não celebrem sua memória, num busto, numa estátua, numa rua, numa praça, numa avenida, no nome de uma instituição. E a duvidosa homenagem que foi prestada, numa nota que começou sendo a de mais alto valor entre nós e terminou humilhada e banida, mostrou seu rosto e seu nome em toda parte. Sua habilidade diplomática, sua perspicácia, tenacidade e coragem renderam ao Brasil uma série retumbante de vitórias para nossas causas: a questão de Sete Povos das Missões, a Questão do Amapá e a Questão do Acre – esta última superando divergências com a Bolívia, a Colômbia, o Equador, a Venezuela, o Peru, o Uruguai e a Argentina. Só pela sua estatura como diplomata e estadista, o Barão já mereceria o acolhimento desta Academia. Mas o orgulho da Academia em recebê-lo está em que o reconhecimento de seu mérito, que é universal, começou aqui nesta Casa. Nas palavras de Magalhães Júnior, “foi daqui que partiu o primeiro ato de reconhecimento nacional de seus altos méritos”. A Academia elegeu o jornalista, o autor das obras que já havia publicado – ou seja, ainda como disse Magalhães Júnior em seu discurso de posse, a Academia antecipou-se a tudo e a todos acolhendo José Maria da Silva Paranhos Júnior – “e o fez quando esse homem avesso às convenções era ainda um continente rico de energias cívicas à espera de quem o descobrisse”.

O sucessor do Barão foi um general, o General Lauro Severiano Müller, catarinense que, ainda com seus 25 anos, em 1889, foi nomeado governador de seu Estado. Escreveu pouco – coleções de discursos e alguns poemas. No entanto, sua eminência na Primeira República é inegável, pelo dinamismo refletido em realizações de alta envergadura e essenciais à Nação, levadas a cabo em tempo curtíssimo, tais como a construção dos portos do Rio de Janeiro, de Salvador e de Belém, o saneamento do Rio de Janeiro e a expansão das ferrovias, entre tantas outras. Constituinte, deputado até 1899, duas vezes governador de seu Estado (além da ocasião em que foi eleito para um terceiro mandato e renunciou para voltar ao Senado), senador, ministro da Viação, ministro das Relações Exteriores, poucos homens terão sido tão importantes no início de nossa vida republicana.

Aberta a vaga de Lauro Müller, volta esta Cadeira a ser ocupada por um sacerdote, Francisco de Aquino Correia, ou D. Aquino Correia. Bispo antes dos 30 anos, presidente de seu Estado, o Mato Grosso, aos 32, arcebispo de Cuiabá aos 35, empossado nesta Academia aos 41, D. Aquino Correia teve uma vida ativa e fecunda, como poeta, tradutor, orador sacro, historiador e biógrafo, cuja ação política equilibrada e carreira eclesiástica brilhante já o haviam tornado um nome nacional.
 
E é seguido por outro homem de letras – e que homem de letras foi Raimundo Magalhães Júnior! Alcancei-o, embora nunca tenha estado com ele pessoalmente, na plenitude de sua atividade literária, ouvindo comentários sobre sua prodigiosa capacidade de trabalho, pesquisa e realização. Como lhe disse Viriato Correia, ao recebê-lo nesta Academia: “Não sei quantas horas tem o dia para vós, mas me parece que a vossa capacidade de trabalho modificou de tal maneira o caminhar do tempo que as vossas 24 horas se desdobram em 48.” E, mais adiante:
   
Outra faceta de vossos talentos é a variedade do engenho literário. Dominais com brilho todas as modalidades das letras. Na lista de vossas obras não falta nada: há ensaios, há novelas, há contos, biografias, crônicas, antologia, pesquisas históricas, histórias infantis, poesia, comédias, muitas comédias, tudo.
   
Creio que não se acharão palavras mais apropriadas para resumir a personalidade e a vida desse homem singularíssimo, cuja contribuição para a Cultura Brasileira ainda não foi adequadamente avaliada.
 
Finalmente, chegamos a Carlos Castello Branco. À sua personalidade, já me referi, embora baseado em experiência exígua. Mas creio que não fui inexato. Como ele, sou nordestino, e, mesmo dentro de sua excepcional individualidade, certos traços básicos são comuns a nós todos. É naturalmente mais fácil para um nordestino avaliar um outro, é mais difícil para um nordestino enganar outro. Pensei em entrevistar seus amigos, em importunar sua família com perguntas, mas preferi ficar com a impressão pessoal que tive dele e que sei ser, embora esquemática, verdadeira. Para reforçá-la, conto com o testemunho dos que com ele conviveram. Trabalhador sério e eficiente, homem de princípios sólidos, intransigente e compreensivo ao mesmo tempo, de pouco falar e muito ouvir, capaz de reproduzir e comentar uma entrevista sem fazer nenhuma anotação, incapaz de deixar o voluntarismo, as pressões ou as amizades afetarem sua visão dos fatos. Sua percepção arguta e sua coragem chegaram mesmo a levá-lo, ainda que brevemente, à prisão – e talvez a medida das razões que motivaram o regime a encarcerá-lo possa ser sublinhada pelo fato de que um de seus companheiros nesse episódio foi o irrepreensível jurista Sobral Pinto. De resto, sua biografia e sua trajetória brilhante são amplamente conhecidas, desde o tempo em que começou sua carreira de jornalista, nas Minas Gerais em que viveu e se formou em Direito, após sair do Piauí, onde nasceu. Quando a morte prematuramente o colheu, ainda com planos para o futuro e trabalhando praticamente até o fim, era um mito na profissão, uma espécie de oráculo que todos os políticos e jornalistas políticos consultavam diariamente. Havia enfrentado, junto com outros bravos colegas, os rigores da censura, passando a escrever de maneira às vezes oblíqua, meramente insinuando ou disfarçando o fato comentado, circunstância esta que, segundo ele mesmo afirma, na nota preliminar ao terceiro volume de Os Militares no Poder, chegou a mudar seu estilo. Mas o talento e a ironia se afiaram ainda mais e continuaram a brilhar, em tempos já de liberdade de imprensa.
 
Não vamos retomar aqui a velha discussão sobre se Jornalismo é Literatura. O indiscutível é que o Jornalismo de Castello Branco é Literatura – e Literatura do maior valor, pois que vazada em linguagem clara, despojada e elegante. Pode-se afirmar que, na sua militância diária, praticava uma ensaística constante, pois a maior parte de seus artigos era no fundo composta por ensaios, reflexões e inferências sobre a realidade nacional. E, como jornalista com tantos anos de militância profissional, foi também um historiador. Os bons repórteres são historiadores; e repórteres também foram, de uma forma ou de outra, alguns dos pilares clássicos da Historiografia e da Biografia, como Tucídides, Políbios, Tácito, Plutarco e Suetônio. O próprio “Pai da História”, Heródoto, também pode ser descrito, em larga medida, como repórter. Não existia a profissão, nem tampouco havia jornais, mas, se houvesse, eles possivelmente seriam jornalistas. Nenhum historiador interessado nos acontecimentos que precederam a queda do Presidente João Goulart pode prescindir da contribuição dada por Castello Branco em Introdução à Revolução de 1964. Da mesma forma, para investigar a nossa vida política mais recente, não pode dispensar o material abundante, informado e erudito de Os Militares no Poder. Enfim, sem Castello Branco será lacunoso e mal informado qualquer estudo da História Brasileira das últimas décadas.

Mas Castello Branco era mais do que isso, era também um ficcionista, o que amplifica os méritos que a Academia lhe reconheceu ao recebê-lo. Escreveu apenas dois livros de ficção, pois a paixão que tinha por ela foi soterrada pelas pressões da lide jornalística. Ele mesmo relutava em assumir a condição de ficcionista, achava que havia produzido muito pouco para ostentá-la. Quando, em nosso encontro, mencionei o título de seu livro Continhos Brasileiros, descrevendo-o como autoironia, ele discordou. Não havia nada de irônico no título, eram continhos mesmo, coisa de aprendiz de escritor. E mudou de assunto, fazendo uma pergunta sobre a Igreja de São Lourenço, que se via de onde estávamos.

Não eram continhos despretensiosos, eram contos bem escritos e bem urdidos, na mesma linguagem comedida e econômica em advérbios e adjetivos que mais tarde ele transformaria numa espécie de marca registrada, tanto assim que mereceram o louvor de escritores como Odylo Costa, filho. E eram contos de quem sonhava seguir a carreira de ficcionista, como prova a publicação, sete anos mais tarde, do romance Arco de Triunfo. Parecia estar repetindo o percurso de muitos romancistas. Primeiro, o “livro de continhos”, depois um romance e mais outro e mais outro. Ele, infelizmente, ficou nesse. Se não se pode dizer que é um grande romance, é com certeza um romance muito bom. A linguagem continua seca e sem firulas inúteis. A técnica narrativa se casa com a linguagem, por meio de cortes bruscos e falas inesperadas, que aceleram a ação, a ponto de ser realmente, como disse Jorge Amado, um desses livros que a gente pega e não consegue largar. Trata-se de uma espécie de biografia do personagem José do Egito, desde os tempos da Coluna Prestes até mais ou menos a eleição de Getúlio Vargas para a Presidência da República, em 1950. É a história triste de um homem dúbio, fraco de caráter e de parcos e poucos princípios. A história de um carreirista, enfim, que ascende no Jornalismo, na sociedade e na Política ao custo de uma vida pessoal e de uma consciência desbaratadas pelas consequências de seu comportamento interesseiro, inescrupuloso e egocêntrico – embora ele, o personagem, sempre fantasie razões honestas, apesar de no fundo indefensáveis até por ele mesmo, para seus atos de vileza ou covardia. Se o título Continhos Brasileiros não era irônico, o título Arco de Triunfo o é, só que não para com o autor, mas para com o personagem, cujo triunfo é na verdade ilusório. Um romance forte, às vezes brutal, em que o tom quase impessoal, sem nada de panfletário ou moralista, somente enfatiza o horror do autor por uma vida entregue simplesmente às ambições e aos interesses pessoais, como as vidas de muitos que conhecemos ou de quem ouvimos falar. E romance tão atual que sua edição mais recente é de 1991. Com absoluta certeza, se Castello Branco houvesse continuado sua carreira de romancista, estaria entre os primeiros nomes da Ficção Brasileira Contemporânea. Arco de Triunfo deixa isso bem claro.

Não quero, contudo, terminar sem lembrar a mais duradoura contribuição de Castello Branco. Para mim, essa contribuição está em podermos inspirar-nos e partilhar, como compatriotas, da glória de uma vida de exemplar profissional, cidadão prestante e eminente, de fé inabalável e combativa na liberdade de pensamento e expressão, da combinação exata de humildade, altivez e desprendimento, uma vida e uma obra que honram esta Academia e honram o Brasil.

Ocupo este posto graças à generosidade dos amigos que aqui tenho e dos que aqui já fiz. Agradeço especialmente a Jorge Amado, que lançou neste mesmo salão minha candidatura; Afrânio Coutinho, que a espicaçou; Nélida Piñon, Candido Mendes, Eduardo Portella, Alberto Venancio Filho, Dias Gomes e tantos outros, mesmo fora da Academia, que me incentivaram e orientaram. Espero poder seguir, ao menos de longe, o exemplo lapidar de Carlos Castello Branco. Orgulho-me de ocupar esta Cadeira, mas tenho a humildade de reconhecer que muitos poderiam ser tão ou mais dignos do que eu. E espero, na pequenez de meus recursos, poder contribuir para uma existência cada vez mais atuante desta Entidade venerável, que logo completará cem anos e continuará a afirmar-se pela sua presença indelével e inerradicável na vida cultural de nosso País. Aqui temos e tivemos alguns dos nomes mais ilustres de nossa nacionalidade, notáveis pelo que construíram, cada um à sua maneira e em seu terreno, mas todos com brio, dignidade e competência. É a Academia Brasileira de Letras, a Casa de Machado de Assis, a nossa Academia, a Academia dos brasileiros. Brasileiros que hoje enfrentam problemas da mais grave magnitude, em meio à injustiça social, à insegurança e à descrença em nós mesmos. Mas não podemos permanecer descrentes, não se pode viver sem esperança. Não é muito o que está ao alcance dos escritores para diretamente alterar essa situação. Mas contribuímos, como todos os artistas, para o conhecimento de nós mesmos, a afirmação da nossa identidade. Um país sem seus livros, suas canções, suas danças, seu cinema, suas pinturas e esculturas, suas manifestações culturais, enfim, não é um país, é apenas um conglomerado de vizinhos malsatisfeitos. E isso não somos, não queremos ser, jamais seremos. E os artistas cumprirão o seu papel. E esta Academia fará a sua parte.

Terminando, peço vossa permissão para algumas homenagens pessoais. A primeira para meu pai, Manoel Ribeiro, que me incutiu o amor aos livros e ao estudo. Sem a atenta formação moral e intelectual que ele me deu, eu não estaria aqui. Para minha mãe, que felizmente vive para ver este momento na existência do filho que fizeram e criaram juntos. Se ele estivesse entre nós, não haveria pai mais orgulhoso na face da Terra. Para minha mulher e companheira, Berenice, sem cujo amor, dedicação, paciência e mesmo abnegação, eu não seria capaz de viver. Para os professores do antigo Colégio Central e da velha Faculdade de Direito da Bahia, que souberam, em meu tempo, transformar essas duas instituições em verdadeiros centros de Ciência e Humanidades do mais alto nível. E, deixo para o fim, por ser a mais importante, a homenagem ao povo de minhas duas terras. Tendo sido criado em Sergipe até os 11 anos, não posso deixar de ser meio sergipano; tendo nascido em Itaparica, sou baiano. Agradeço, abraço e peço a bênção do povo da Bahia e de Sergipe. Imagino que agora, lá na ilha, algum itaparicano levanta um copo em minha lembrança, e, lá em Aracaju, tão doce e amável na minha infância feliz, algum amigo antigo fala em mim com orgulho conterrâneo.

Muito obrigado.

8/6/1994