Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Acadêmicos > Gilberto Gil > Gilberto Gil

Discurso de posse

Sr. Presidente da Academia Brasileira de Letras, Acadêmico Merval Pereira,

Sra. Secretária Geral da Academia Brasileira de Letras, Acadêmica Nélida Piñon, Sras. e srs. Acadêmicos,

Amigas e amigos aqui presentes,

Meus filhos, meus netos... e Flora

 

Aqui estou, no limiar dos meus oitenta anos, no Salão Nobre da Academia Brasileira de Letras, onde já estiveram tantos escritores de minha admiração, alguns dos quais foram amigos queridos, na condição de primeiro representante da música popular do Brasil a ser eleito para esta instituição.

Entre tantas honrarias que a vida, generosamente, me proporcionou, essa tem para mim uma dimensão especial, não só porque aqui é a Casa de Machado de Assis, um escritor universal, e afrodescendente como eu, mas também porque a ABL, fundada em 20 de julho de 1897, representa, mesmo para quem a crítica, a instância maior, que legitima e consagra de forma perene a atividade de um escritor ou criador de cultura em nosso país.

Confesso que até recentemente não havia pensado em concorrer a uma cadeira da ABL, mesmo sabendo que Tom Jobim chegara a se inscrever em 24 de setembro de 1993, retirando em seguida a candidatura em homenagem a seu amigo Antônio Callado, eleito em março de 1994.

Sou filho de uma professora primária, Claudina, e de um médico, José Gil Moreira. A eles devo o meu amor às letras e à música. Foi de minha mãe que ganhei o primeiro violão, em 1961. Ela também leu, com paciência de mestra experiente, meus versos inspirados em leituras de Castro Alves, Gonçalves Dias, e Olavo Bilac, que comecei a escrever aos 17 anos. Tive a sorte de ter pais carinhosos, que me educaram para não ter medo de enfrentar os desafios que a vida fatalmente nos impõe. A imagem de meus pais está comigo nesta

noite, e sua memória, é para mim uma bênção.

A Academia Brasileira de Letras é a Casa da Palavra e da Memória Cultural do Brasil. E tem uma responsabilidade grande no sentido de fortalecer uma imagem intelectual do país que se imponha à maré do obscurantismo, da ignorância, e demagogia de feição antidemocrática. Poucas vezes na nossa história republicana o escritor, o artista, o produtor de cultura, foram tão hostilizados e depreciados como agora. Há uma guerra em prol da desrazão e do conflito ideológico nas redes sociais da Internet, e a questão merece a atenção dos nossos educadores e homens públicos. A ABL tem muito a contribuir nesse debate civilizatório. E eu gostaria, aqui, de colaborar para o debate, em prol da cultura e da justiça.

O patrono da cadeira número 20, onde hoje tomo assento, é o escritor

JOAQUIM MANUEL DE MACEDO, nascido em Itaboraí, no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1820, e autor, entre outros títulos, de A

moreninha, de 1844, o primeiro clássico do nosso romance romântico, já levado ao cinema e adaptado para novela de televisão. O ensaísta e acadêmico José Guilherme Merquior sobre ele observou: “O ‘Macedinho’ obteve o que Teixeira e Sousa não conseguira: dar respeitabilidade ao romance folhetinesco. (...) Enquanto Alencar inventaria o mito heroico – o índio cavalheiresco –, Macedo engendrou um mito sentimental: o da mocinha brasileira, sinhazinha ‘romântica’”.

Médico de formação, político liberal, membro do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, defensor da educação para as mulheres, Macedo é autor também de Lições de História do Brasil, em 1861, e no ano seguinte, de Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, reunião de crônicas anteriormente publicadas no Jornal do Commercio. Embora tenha escrito em vários gêneros, e ocupado postos importantes, o escritor, falecido em 11 de abril de 1882, viveu seus últimos anos atormentado por dificuldades financeiras. Destaquemos, de sua vasta produção, o poema A nebulosa, de 1857, que, no dizer de Antonio Candido, “abre as portas de um mundo romântico, onde poucos se moveram tão bem”. Citemos ainda As vítimas algozes – quadros da escravidão, de 1869, reeditado em 1988, no centenário da abolição da escravatura, pela Casa de Ruy Barbosa, e sua extensa obra teatral, composta, entre dramas e comédias, por 14 títulos, dentre eles A torre em concurso, de 1863, saborosa sátira que, segundo o crítico e acadêmico Sábato Magaldi, “fustiga mais de perto um dos vícios do país, existente até hoje: o complexo de inferioridade nacional, que só reconhece valor no estrangeiro e muitas vezes se abandona à sua falta de escrúpulos”. A figura gigantesca de José de Alencar parece hoje dominar quase todo o território do romance romântico brasileiro, mas Joaquim Manuel de Macedo é um nome a merecer resgate, para além de sua eterna Moreninha.

O fundador da cadeira nº 20 foi o jornalista, advogado, romancista e

diplomata SALVADOR DE MENDONÇA, nascido em Itaboraí, no Estado do Rio, em julho de 1841, e irmão do acadêmico considerado o verdadeiro mentor da ABL, Lúcio de Mendonça. Na diplomacia serviu, entre outros postos, como cônsul-geral nos Estados Unidos, atuando no sentido do imediato reconhecimento do nosso então novo regime republicano junto ao governo norte-americano. Foi, juntamente com o irmão, um ativo integrante do movimento republicano no Brasil. Participou também, com Amaral Valente e Lafaiete Pereira, da Conferência de Washington, de 1889-1890, no intuito de ampliar a nossa integração comercial no continente; atuou na Assinatura do Tratado de Reciprocidade em 1891; e nas tratativas com o governo dos Estados Unidos no sentido de obter ajuda americana para fazer cessar a Revolta da Armada, o que de fato aconteceu em 1894.

Dele dirá Emílio de Menezes, seu sucessor nesta Casa: “Há na vida de Salvador de Mendonça, de tão difícil apreensão, um traço de suave e melancólica poesia, que a perfuma e aformoseia toda. É a revivescência do seu primeiro sonho de amor”. (...) Velho, fez reflorir, na velhice, o melhor trecho da mocidade de um homem. Morreu entre as rosas que cultivava paternalmente. Dizia ele que a sua melhor página era o conto escrito no início da carreira literária, dedicado à mulher amada, à sua primeira noiva e intitulado ‘A tua roseira’”.

O poeta, satirista e boêmio EMÍLIO DE MENEZES, nascido em 1866 em Curitiba, adotou o Rio de Janeiro, e aqui, tendo por base a Confeitaria Colombo, escreveu para diversos jornais, publicou poemas, ironizou figuras públicas, e até os seus próprios amigos. Muito dessa produção galhofeira corre o risco, hoje, de ser carimbada como politicamente incorreta, e mesmo de racista. Mas eram outros os tempos, e os jornais de então não só estimulavam esse tipo de literatura, como abriam generoso espaço para todo tipo de matéria que pudesse dar margem à polêmica e ao riso. O poeta e jornalista pernambucano Bastos Tigre, que o conheceu bem, escreve, em Reminiscências, que os seus sonetos: “Ouvidos a princípio com complacência, foram, em breve, aplaudidos com entusiasmo. E que bem os recitava ele! (...) Sobrava-lhe (...) talento, espírito, irreverência, alegria. Em pouco tempo dominou a roda, conquistou amigos, uns por admiração, muitos por medo da sua língua, que era um florete pela agressividade e pela elegância do ataque.

– Já sabes a última do Emílio? Era comum a pergunta nas rodas literárias, entre jornalistas e boêmios. E a “última do Emílio” – um trocadilho, uma sátira, um epitáfio – era repetida, às risadas, nos cafés e nos bares, nas livrarias e nos salões de barbeiro. E, em pouco tempo, toda a cidade a conhecia. O mais das vezes, a boa pilhéria acabava deturpada pelas várias edições de narradores. E, ainda, faltava a esses a graça do dizer, a comicidade verbal que lhe dava o autor.

Emílio era, de fato, excelente narrador. O tom da voz, a mobilidade da máscara colaboravam no efeito cômico das suas improvisações jocosas ou mordazes. (...) No comentário imediato ao caso do dia, no “a propósito”, no aparte à narrativa sisuda, na alcunha caricatural, no jogo de palavras, no equívoco, no disparate, no trocadilho, se havia, por vezes, maldade ferina, havia também, e principalmente, graça, chiste, agudeza”.

Machado de Assis, devido à vida boêmia do poeta, não simpatizava com a ideia da eleição de Emílio, tanto que ele só candidatou-se após a morte do grande escritor. Importante expressão de nossa poesia parnasiana, Emílio de Menezes foi eleito para a ABL em agosto de 1914. Consta que alguns votaram nele como uma espécie de salvo-conduto de que estariam protegidos dos dardos envenenados de seus versos.

Nas mãos de Emílio, uma simples notícia de jornal – “A sra. Pepa Ruiz e o sr. Pupo de Morais andam em negociações para o arrendamento do Mercado do Rio de Janeiro” – podia se transformar num bem urdido poema.

Leiamos o “Prosopopeia da Pepa ao Pupo”: Parece peta. A Pepa aporta à praça E pede ao Pupo que lhe passe o apito.

Pula do palco, pálida, perpassa Por entre um porco, um pato e um periquito.

Após, papando, em pé, pudim com passa, Depois de peixes, pombos e palmito, Precípite, por entre a populaça, Passa, picando a ponta de um palito. 

Peças compostas por um poeta pulha, Que a papalvos perplexos empunha, Prestando apenas pra apanhar os paios, Permita a Pepa por pastéis, pamonha...

– Que a Pepa apupe o Pupo e à popa ponha Papas, pipas, pepinos, papagaios!

Devido a problemas de saúde só tomaria posse, por meio de carta, poucas semanas antes de sua morte, de uremia, em 24 de abril de 1918.

HUMBERTO DE CAMPOS, nascido em Miritiba (hoje a cidade leva o seu nome), no Maranhão, em 25 de outubro de 1886, viveu apenas 48 anos, tempo suficiente, no entanto, para produzir uma obra imensa, que até o final dos anos 60 ainda era vendida em todo o país sob forma de coleção, pela editora Jackson. Em vida, foi autor de enorme sucesso, em especial com a literatura lasciva ou fescenina que publicava sob o pseudônimo de Conselheiro XisXis. Vale lembrar que depois de sua morte apareceram livros tidos como seus psicografados pelo médium Chico Xavier, havendo polêmica relativa ao pagamento dos direitos autorais, pois, pela doutrina, Humberto não seria um autor defunto, mas, à maneira de Brás Cubas, um defunto autor. Obteve grande sucesso outro livro seu, este indiscutivelmente póstumo: Diário secreto, em 2 volumes, publicados pelas Edições O Cruzeiro, cobrindo os anos de 1915 a 1934, e onde, em meio a informações preciosas sobre nossa vida cultural e política, Humberto de Campos também destila maledicência e ironia sobre importantes personalidades com quem conviveu, entre eles um companheiro de Academia, Paulo Barreto, pseudônimo sob o qual ficou popular o admirável João do Rio. Dono de temperamento polêmico e de estilo cristalino, foi ficcionista, crítico literário, memorialista, poeta, e um dos cronistas mais populares do Brasil. Ingressou nesta “Casa dos 40” (a expressão é dele), em 1919, e pouco depois foi eleito deputado federal pelo seu Estado até ser cassado quando da Revolução de 30. A capacidade de trabalho e a produção literária do notável maranhense impressiona ainda mais quando se sabe que a partir de 1928, diagnosticado com a hipertrofia da hipófise que apressou o seu fim, muitas vezes teve de cumprir os compromissos de escritor e jornalista em meio a sérias dores físicas. Quando faleceu, em 5 de dezembro de 1934, o comércio do Rio de

Janeiro, em sua homenagem, fechou as portas na hora do seu sepultamento.

O pernambucano MÚCIO LEÃO, nascido em 1898 e falecido aos 71 anos no Rio de Janeiro, formou-se em Direito em 1919, quando se transferiu para o Rio de Janeiro. Aqui trabalhou no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil, até fundar, em parceria com alguns amigos, entre eles o poeta Cassiano Ricardo, o jornal A manhã, onde criou e dirigiu o suplemento “Autores & Livros”, publicado, com algumas interrupções, entre 1941 e 1950, e que continua a ser uma fonte de consulta imprescindível aos historiadores e estudiosos de nossa literatura. Aguarda-se a reedição desse valioso material, que compreende textos inéditos dos maiores escritores contemporâneos,

ilustrados por artistas do naipe de Vieira da Silva, Goeldi, e Portinari, além de repor em circulação um nome de nosso passado literário a cada edição. 

Múcio foi secretário geral da ABL, seu presidente em 1944, e na Casa

promoveu a edição de importantes obras, entre elas vários volumes do historiador e filólogo João Ribeiro. Publicou contos, romances, ensaios literários, e dois livros de poemas: Tesouro Recôndito, em 1926, e Poesias, em 1949. Neste, assim define o poeta:

“Poeta, ser estranho, ser enigmático entre os seres!

Vejo-o, isolado das cores, das formas e das ideias,

Isolado, nessa crepuscular solidão que o acompanha”.

AURÉLIO DE LYRA TAVARES, nascido em João Pessoa, na Paraíba, em novembro de 1905, e falecido no Rio de Janeiro em 1998, foi general do Exército, historiador de temas militares, memorialista, e embaixador do Brasil na França. Foi recebido nesta Casa por Ivan Lins, o notável historiador do Positivismo no Brasil, em abril de 1970. Em seu discurso, Ivan ressaltou as qualidades literárias do empossado: “Autor de mais de trinta livros, numerosos artigos em revistas e jornais, além de importantes conferências, ensaios e discursos, foi como escritor que a Academia vos elegeu. (...) Sois um escritor nato e empunhais a pena, como quem respira, por irreprimível impulso, a fim de externar as manifestações de uma inteligência forte, cultivada em todos os ramos do saber e dotada de acentuadas aptidões literárias, não só na Prosa, mas até na Poesia (...). 

É desconhecida, no entanto a produção poética de Lyra Tavares. Entre as obras que publicou merece destaque A engenharia portuguesa na construção do Brasil, de 1965 – que mestre Alberto da Costa e Silva reputa como uma notável contribuição aos nossos estudos históricos –, A independência do Brasil na imprensa francesa, em 1973, e O Brasil de minha geração, dois volumes de memórias publicados em 1976-1977.

A mim, na condição de vítima da repressão militar que tomou conta do Brasil a partir de 1964, a ponto de ter sido preso, e em seguida obrigado a deixar o país em julho de 1969 – assim como fizeram outros amigos meus, entre eles Caetano Veloso – me causou a princípio um certo desconforto o ter de tratar aqui de um dos três integrantes da Junta Governativa Provisória que comandou o Brasil de 31 de agosto a 30 de outubro de 1969. Mas, ao contrário, na constatação de como gira, às vezes com ironia, a roda da História, do ponto de vista acadêmico, os que conheceram e conviveram com

o general Lyra Tavares nesta Casa reiteram o seu comportamento sempre afável e solidário, sua cultura literária e histórica e sua dedicação aos valores que balizam a história da ABL.

Por último, destaco meu antecessor imediato, o jornalista advogado

MURILO MELO FILHO, nascido em 1928, em Natal, autor de vários livros, e que por anos foi atuante colunista político nas páginas da revista Manchete

Murilo, ou “Murilinho”, como era carinhosamente referido, já aos doze anos assinava textos no Diário de Natal. Ele nos deixou aos 91 anos, em maio de 2020, e a impressão que permaneceu em todos com quem conviveu foi a de um homem do diálogo, sempre gentil e prestativo. Desenvolveu por esta Casa um sentimento de afinidade verdadeiramente amoroso. Não recusava convite para representá-la em outras academias estaduais e municipais, sempre fazendo questão de comparecer com o fardão da ABL. Entre os seus livros destacam-se O desafio brasileiro, com sucessivas edições; O modelo

brasileiro, com apresentação do economista Mario Henrique Simonsen;  Tempo diferente, de 2005, uma antologia de perfis de personalidades que conheceu ao longo de sua vida de incansável jornalista, entre elas Jânio Quadros, Carlos Lacerda, Café Filho, Otto Lara Rezende, Guimarães Rosa e Rachel de Queiroz.

Sobre Tempo diferente manifestou-se o cientista político e acadêmico Candido Mendes: “Murilo Melo Filho integra o núcleo desta geração Manchete, que hoje dá à Academia esta colaboração inédita, de membros vindos de um momento antológico – e dramaticamente fugaz – de um jornalismo inovador no país. (...) Existe nestas páginas a caprichosa tessitura de toda uma instigante era da sociedade brasileira, com revelações de muitos bastidores. (...) Na análise de cada um desses personagens, constrói-se a leitura de um momento brasileiro, graças à pertinácia de memória de Murilo,

nas vidas que atravessou com a determinação da sua esplêndida escuta de jornalista”.

Já o filósofo e acadêmico Tarcísio Padilha, presidente da ABL de 2000 a 2001, afirmou: “Ele portava a marca da civilidade e da boa convivência.

Entrevistou grandes homens públicos e chefes de Estado. Pergunto, então: quem tem medo de Murilo Melo Filho? Porque, de modo geral, quem participa tão ativamente da trepidante vida jornalística dificilmente escapa das paixões político-partidárias. Mas Murilo atravessou o Rubicon com simplicidade, coerência e caráter.

Alçou-se sempre acima das dissenções, com o respeito e a generalizada simpatia sobre sua trajetória. Suas obras, sobretudo o Testamento político, narram as histórias de muitas décadas de intensa e febril atividade jornalística, nas conversas soltas e formatadas pelo seu espírito objetivo e cordial”.

O último livro de Murilo Melo Filho é dedicado a esta Casa. Os senhores da palavra Academia Brasileira de Letras humanas e bem-humoradas, de 2014, uma obra que se ombreia ao Anedotário geral que Josué Montello dedicou à ABL. No entender do filólogo e acadêmico Evanildo Bechara, “o agradável nessa leitura, além do simples sorriso, é a interpretação das personalidades envolvidas nas histórias – muito bem selecionadas e melhor ainda narradas. Em muitos casos, junta-se o humorismo à saudade, num reencontro com amigos queridos”. E Arnaldo Niskier, que com ele conviveu por cinco décadas, escreveu sobre este livro: “Nele Murilo Melo Filho reuniu textos e frases sobre o que 80 acadêmicos – todos já mortos – disseram, fizeram e discutiram ao longo de sua passagem pela nossa Academia Brasileira de Letras. São fatos bem-humorados, contados com a graça própria de intelectuais sábios e cultos, aqui compilados com verve e estilo.

(...) O autor teve a preocupação de reconstituí-los com cuidado e exatidão”.

Sras. Acadêmicas, Srs. Acadêmicos,

Nascido em Salvador, passei a minha infância em Ituaçu, no interior

do Estado. Contemplo desta tribuna o menino que fui e me espanto. A curiosidade e algumas interrogações daquela época permanecem vivas em mim. Sempre procurando acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias no que elas possam contribuir para o bem de todos, costumo me perguntar: O que será do Brasil em meio a esse mundo de pandemias e guerras? Que destino aguarda a Amazônia? O que os políticos estão fazendo para acabar com a fome e o analfabetismo? Quando conseguiremos alcançar a tão sonhada independência científica e tecnológica? Até quando o Brasil será o “país do futuro” de Stefan Zweig?

Não tenho respostas ou verdades consolidadas, nem sei se as terei um dia.

Procurei, junto com alguns brilhantes companheiros de geração, colaborar para que o Brasil fosse respeitado e amado mundo afora. Participei de movimentos culturais como a Tropicália, que continua dando frutos por aí.

Tive grandes êxitos e alegrias nesta vida. Mas também fundas tristezas, a maior e a mais dolorosa a perda de meu filho Pedro Gil. Mas não desanimo, porque é preciso resistir sempre.

Nesta noite estão comigo em pensamento todos aqueles que me incentivaram na minha trajetória que começou com Claudina e José Gil, meus pais, e que hoje ganha afetuoso reconhecimento na Casa do grande escritor, e também filósofo, Machado de Assis.

Apesar dos tempos politicamente sombrios que vivemos, aposto na

esperança. Contra a treva física e moral, que haja ao menos a chama de uma vela, até chegarmos a toda luz do luar. Permitam-me recordar alguns versos meus:

Se a noite inventa a escuridão

A luz inventa o luar

O olho da vida inventa a visão

Doce clarão sobre o mar

Essa é nossa aposta, na vida e na alegria. Agradeço, pelo estímulo inicial que me trouxe até aqui, aos acadêmicos Marcos Vilaça, Cacá Diegues, Merval Pereira e Antonio Carlos Secchin, que, somados ao sempre amoroso aconselhamento de Flora, minha mulher, contribuíram na minha decisão de postular um lugar nesta Casa. Ao acadêmico Secchin, agradeço a generosidade em me receber com o discurso que ouviremos a seguir. E, dele, endosso os versos do poema “Luz”, composto unicamente por monossílabos, num total de 32, e que revela nossa busca solidária pelo espaço solar da liberdade, e a crença em comum de que a luz verdadeira é a que nasce dentro de nós:

Ao ver

O não

Que sai

Da dor

O som

Da voz

Já vai

No sim

No tom

Do céu

Não vi

Mais luz

Do que

No sol

Que há

Em mim

Em maio de 1968, na capa do meu segundo LP, e já integrado à Tropicália, apareço envergando um fardão e usando pincenê. Ao recordar esse episódio escrevi um poema para este evento.

Sempre houve críticas à Academia, que a Casa de Machado não faria jus ao sonho que sonhara ser um dia: todos ali representados por alguns.

Tal ampla representatividade sonhada por Nabuco e demais fundadores jamais fora alcançada de verdade, jamais todos os saberes e sabores.

Eu mesmo, nos meus tempos de aventuras, cheguei a envergar um garboso fardão, vestido então como ironia dura, a fantasia pura da ilusão!

Juntava-me, naquele instante, aos muitos que alfinetavam a Instituição mal sabia eu quais os intuitos, do destino astuto a interrogação.

Um amigo lembrou-me outro dia que as ironias sempre trazem seu revés.

Papéis trocados, eis aqui, vida vadia: fardão custoso, bordado a ouro, vistoso, me revestindo da cabeça aos pés.

Aos que me ouviram aqui, e aos que acompanham essa cerimônia pela internet, aquele abraço, e muito obrigado!