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Discurso de posse

É grande honra, a que me concedestes, elegendo-me para Academia de tão ilustres tradições e de tão larga projeção, no País e além de suas fronteiras. Por ela passaram, desde sua fundação, e nela se reúnem muitas das mais notáveis figuras do mundo intelectual brasileiro. Eu vos sou profundamente reconhecido pela alta distinção que me conferistes e, sobressatisfeito diante das perspectivas de tão amável convívio, como o de todos vós, orgulhoso de participar de uma Academia de prestígio internacional e cujo papel, exatamente por ser de Letras, assume nos dias de hoje importância ainda maior do que no passado. Essa, de que se revestem por toda a parte as associações de pensadores, escritores e poetas – associações prepostas a premiar e a incentivar a livre criação literária em todas as suas manifestações. Por menos que pareça, academias e sociedades dessa natureza, longe de perderem sua força de influência e expansão no conjunto das instituições culturais, só tendem a impor-se, e cada vez mais, em face do extraordinário progresso das ciências e das técnicas.

Pois esse maravilhoso mundo científico e tecnológico (e dele tenho eu participado tanto quanto do mundo literário) inaugurou, pela própria acumulação tumultuosa de conhecimentos, a época das especializações, que nos levam frequentemente a perder a consciência do todo, a visão global, para nos aprofundarmos em campos cada vez mais limitados. O que, se do ponto de vista científico e técnico é uma necessidade imperiosa e indeclinável, não deixa de ser, do ponto de vista humano, ameaça, senão um perigo, para a liberdade de pensamento e de crítica, e para a defesa e preservação dos direitos humanos.

Foi Ernest Renan que, em seus Dialogues Philosophiques, fez a terrível previsão de que os cientistas que tivessem desvendado os segredos da Natureza se tornariam, por suas descobertas e invenções, senhores do mundo. Teriam eles o “controle” e o domínio dos governos. Mas o que, na verdade, se verificou é que, recrutados e mantidos por governos, ditatoriais ou não, acabariam por ser, em geral, instrumentos na execução, fria e implacável, de planos, ainda os mais tenebrosos. Sem o quererem, certamente, mas porque colhidos pela máquina governamental a que servem, e em que se tornam indispensáveis em suas respectivas especialidades, e, portanto, em campos de visões parciais, sem o alcance de consequências econômicas, sociais e políticas.

Mas, pensadores, escritores e poetas, que somos, por vocação e ofício, “especialistas em generalidades”, na feliz expressão de Augusto Comte, atentos ao homem e à sociedade em suas paisagens tão variáveis dentro de uma nação, e de um país para outro, o que procuramos aprender e fixar, nas criações literárias – poesias, ensaios e romances –, é a vida humana, de todas as suas inquietações e angústias, aspirações e esperanças. Nesse mundo extraordinário – e, por que não dizê-lo? –, espetacular, que devemos às ciências e à técnica, cujos progressos são imprevisíveis, porque já vão além das viagens espaciais e das explorações planetárias, o nosso papel, o de pensadores, escritores e poetas, é de tal importância que cresce na medida em que se desenvolvem, quase em termos em que não podemos atingi-los, os progressos da Ciência e da técnica, em todos os seus domínios. Domínios já conhecidos e largamente explorados e em que sempre se encontram outros setores por investigar em profundidade, e outros, e tantos outros que apenas se abrem a pesquisas científicas e, em consequência, à elaboração de novas técnicas de produção, de transportes e de comunicação. Mudanças inesperadas e em todas as direções.

É pois, em academias como esta, a que nos orgulhamos de pertencer, e em associações equivalentes, que se disputam a honra de lhe alcançar o prestígio e a influência, que se cria e se desenvolve o sentido humano, uma larga concepção do Humanismo que tem por base e estímulo a liberdade de criação, o espírito crítico e a independência de juízos, em todo e qualquer campo em que opera a inteligência. É aqui, entre nós – como aliás, em graus variáveis nas demais instituições que tenham por objeto e preocupação principal a criação literária e artística –, que se mantém mais viva a chama da liberdade e mais vigilante a resistência a todas as formas de opressão. Escritores que somos – não costumamos ver as coisas de um só ângulo, mas dos vários pontos de vista de que podemos examiná-las. É por isso que pensadores, ensaístas, romancistas e poetas são, em geral, dentre os intelectuais, os mais suspeitos às ditaduras que procuram sempre, senão reduzi-los ao silêncio, cortar-lhes os caminhos que possam levar à propagação de suas ideias. E, como o que nos preocupa, acima de tudo, são o Homem e a Sociedade, em sua vida profunda e em suas contradições internas, a fidelidade à nossa missão não tolera a cumplicidade do silêncio.

Pois o que está no princípio e no fim, nas fecundas aventuras do espírito criador na procura do domínio da Natureza por suas descobertas e invenções, é sempre o homem. O homem que não se desprende das máquinas mais engenhosas que tenha construído, incapazes de se manterem vivas e eficientes senão com sua presença nelas e o “controle” de todas, ainda as mais aperfeiçoadas, as que disponham de maior capacidade ou mais larga esfera de automação. O homem, em face do qual os que detêm o poder econômico e político assumem uma atitude senão de hostilidade, de expectativa armada... É para ele que se volta, com uma reverência quase religiosa, Bertholt Brecht, em seu pequeno grande poema: “Vosso tanque, General, é um carro forte / Derruba uma floresta, esmaga cem homens / Mas tem um defeito, precisa de um motorista / Vosso bombardeiro, General, é poderoso / Voa mais rápido do que a tempestade / mas tem um defeito, precisa de um piloto / O Homem, meu General, sabe voar e sabe matar / Mas tem um defeito, sabe pensar.” E, como essa capacidade de pensar e de julgar alarga-se cada vez mais com as novas técnicas de comunicação que tendem a ampliar suas áreas de influência, é fácil compreender o papel reservado ao homem comum na reconstrução das sociedades modernas.

O de que precisamos, antes de tudo, é o homem, como nos recordam os admiráveis versos de Kanzo Uchimura, poeta japonês: “Não é de sistemas exatos nem de sábios / Não de crenças de olhos rígidos / Nem de riquezas grandes como montanhas / Nem de poderes com sorrisos encantadores / Nem mesmo de penas poderosas / Precisa-se de Homens.” Mas, para a preparação do homem que pedem Bertolt Brecht e o poeta Uchimura, do homem tout court, na plena posse de seus direitos e consciência de seu deveres, e com uma sensibilidade viva a tudo o que é humano, e, por isso mesmo, universal, nenhumas instituições poderão contribuir mais do que as de Letras e de Artes, que vivem e não podem desenvolver-se senão numa atmosfera de liberdade de pensamento, de criação e de crítica, de pesquisa, análises e interpretações. O homem a que se refere o dramaturgo austríaco, e o de que realmente precisamos, nas palavras do poeta japonês, é o que tem mais vivo o sentido do humano e que sobrepõe a larga e generosa ideia da humanidade ou de humanismo a todas as especializações, científicas, técnicas e profissionais por mais importantes que sejam. É na medida em que nos elevamos acima do campo de nossas especialidades, para alcançarmos bem a visão panorâmica do país e do mundo, que avançamos mais rapidamente e com maior solidez no desenvolvimento da cultura de uma política da paz e na conquista de um lugar no plano da civilização universal.

E isso tanto mais quanto soubermos superar, além dos perigos que, para o Humanismo, resultam das tendências cada vez maiores à especialização, aliás de todo compreensível e indispensável, a superorganização e os novos métodos de dominação dos indivíduos, que constituem graves ameaças à pessoa humana. Foi Aldous Huxley, entre outros, que, em seu livro Admirável Mundo Novo, nos alertou contra esses perigos, com suas terríveis previsões, não desmentidas, mas já confirmadas por fatos e experiências. “A nova civilização [observa ele] sofre dos males da superorganização, que é uma decorrência do rápido progresso da tecnologia. É preciso evitar que a organização seja um fim e não um meio.” Já nos prevenia Huxley contra a prática, nos Estados totalitários e por ditadores de espírito científico, de métodos e com resultados positivos, para dominarem os indivíduos e deles se servirem como de instrumentos dóceis em suas mãos. Entre essas técnicas de dominação apontou a lavagem do cérebro (Brain Washing), já tantas vezes adotada com êxito nos Estados totalitários, o ensino durante o sono hipnótico, a sugestão subliminal e as drogas químicas que atuam sobre o cérebro. Contra todos esses métodos que surgiram do progresso extraordinário da tecnologia e dele se alimentam, é que se levantam e se mobilizam as forças sociais, estimuladas pelo mundo de pensadores, escritores, poetas e artistas para os quais a liberdade de opiniões e de crítica e a dignidade da pessoa humana residem à base e constituem a fonte renovadora da Civilização.

Não fosse a importância do problema que acabo de colocar, e que interessa fundamentalmente a todos nós, e poderiam parecer-vos longas demais essas reflexões preliminares. Mas estão elas perfeitamente justificadas não somente pelo alcance dessas questões, em si mesmas, como também pela notável contribuição que, com seu sentido profundamente humano, nos trazem, para as encararmos mais de perto, o patrono desta Cadeira, Franklin Távora; o seu fundador – Clóvis Beviláqua, e o nosso saudoso antecessor, Carneiro Leão. Todos eles, em seus setores respectivos, preocupados, de fato, mais com o homem, a sociedade de seu tempo e a sua formação. Franklin Távora, cearense de Baturité, que abriu caminho, com suas novelas, ao Naturalismo e ao Regionalismo, fixando em cenas de vida rústica e sertaneja tipos apanhados por observação direta. Romancista que ou se detinha na análise da vida e dos costumes que se desenvolviam à volta de si mesmo, sob seus olhos, ou se comprazia em revivê-los do passado, sobretudo do século XVIII. Tendo desaparecido muito cedo, aos 46 anos de idade, depois de uma vida tão curta quanto dolorosa nos últimos anos, deixou obra de vulto e valor bastante – como contos, romances, trabalhos polêmicos e de crítica literária – para que os fundadores da Academia o elegessem patrono de uma de suas Cadeiras – esta que tenho hoje a honra de ocupar.

Não menos sensível e humano, em uma vida tão rica de ensinamentos quanto sua obra magistral, no domínio das Letras jurídicas, é esse outro cearense, esse, de Viçosa, grande brasileiro. E, por isso mesmo, escolhido para completar o número dos 40, quando se fundou a Academia Brasileira de Letras. A nossa Academia. Chamou-lhe um “santo leigo” Antonio Gomes Robledo, em sua Filosofia en el Brasil. E o era de fato pela dignidade de vida e austeridade de costumes como por sua benevolência e afabilidade. Professor da Faculdade de Direito de Recife e da do Rio de Janeiro. Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, cargo em que sucedeu a Amaro Cavalcanti. Membro da Corte Permanente de Arbitragem, tendo subido tão alto nas ciências jurídicas e na sabedoria – a da compreensão humana, diz-se-ia tão despreocupado de si mesmo quanto mais o olhavam com admiração e reverência os que o conheciam. A Casa de Machado de Assis teve o privilégio da convivência dessa rara figura humana que, atingindo os 85 de idade, dos quais 47 na Academia, nada perdera de sua capacidade de atrair e edificar, por seu saber e por seus exemplos: Guerra e TratadosMemória HistóricaDireito Público Internacionala História da Faculdade de Direito de Recife (em 2 volumes), a Filosofia Positiva no Brasil e A Doutrina de Kant no Brasil são alguns de seus trabalhos – dos mais importantes, uns e outros, dos mais significativos da riqueza e variedade de seus interesses intelectuais e de sua notável cultura e erudição.

Mas o acadêmico a que tenho a honra de suceder, na Cadeira, a 14, a cujo patrono e primeiro ocupante acabo de prestar as minhas homenagens, é Antônio Carneiro Leão – educador que o foi – e exemplar, de espírito aberto e renovador, ensaísta e sociólogo. Se lhe acompanharmos atentamente a longa e brilhante carreira, o que, antes de tudo, nos surpreende e edifica é sua fidelidade – não digo intransigente, porque, nele, era quase instintiva e natural, à sua missão de mestre e educador. No magistério e na administração pública, nunca se afastou das áreas educacionais, em que se especializou, tornando-se uma de nossas maiores autoridades. Foi, na administração pública, diretor-geral da Instrução em Pernambuco, e mais tarde, de 1923 a 1926, no Distrito Federal, quando Prefeito Alaor Prata, no Governo Artur Bernardes. Professor, ele o foi e dos mais ilustres, de Administração Escolar e de Educação Comparada – campo de estudos em que deixou importantes contribuições. Jornalista, colaborador assíduo de jornais e revistas do País e do estrangeiro, não consegue subtrair-se à atração que sobre ele exerciam os debates sobre problemas de Educação e Cultura. Se se afasta do País, em missões oficiais ou para dar cursos no estrangeiro, sobretudo em Universidades da França, os que professa de preferência concentram-se sobre o Homem, a Sociedade e seus problemas educacionais.

Professor visitante de Universidades europeias ou americanas, conferencista, participou, a convite ou na qualidade de representante de instituições culturais do País, dos trabalhos e da direção de vários Congressos Internacionais de Sociologia e de Educação. Numerosas, as viagens que empreendeu ao estrangeiro, para estudos e contatos com grandes centros culturais. Os títulos que adquiriu e as honrarias de que, por toda a parte, se fez merecedor são um testemunho dos mais significativos das simpatias e do respeito com que era sempre acolhido. Ele passou a fazer parte, como sócio honorário ou membro correspondente, de treze Academias, Institutos ou Sociedades, entre os quais o Instituto de França, em que sucedeu a John Dewey, a Real Academia Española, a Academia de Ciências de Lisboa, Academia e Instituições Científicas da América Latina. A Universidade de Paris, a do México e cinco das Universidades argentinas conferiram- lhe o título de doutor honoris causa, e não menos honroso o que lhe concederam Sociedades de Cultura, de Sociologia e Artes. Por onde quer que passasse, como se vê, iam-lhe, naturalmente, ao encontro honrarias e distinções.

Todas as atividades a que se dedicou, no magistério, em aulas, seminários ou cursos de conferências, no País e além de suas fronteiras; as viagens que realizou, por muitos de nossos Estados e pelo estrangeiro, e, particularmente, à França e Portugal, aos Estados Unidos e a países latino-americanos, as homenagens que recebeu e os títulos com que foi agraciado denunciam não somente as simpatias que tão facilmente conquistava e o prestígio que seu nome alcançou. Revelam também, e sobretudo, um largo sentido humano, a capacidade e o desejo de comunicação e de participação. Dir-se-ia que não se encontrava consigo mesmo senão comunicando-se (pois viver é conviver) e que, quando se isolava, era para se preparar para novas incursões em paisagens humanas e culturais diferentes. Sair, saía sempre, não para ver a Natureza, na extrema variedade de seus aspectos, a que, pelas poucas referências que lhes fazia, não parecia muito sensível. Mas para multiplicar seus contatos com pessoas daquém e dalém-mar, ouvi-las e falar-lhes, e sentir assim mais de perto o homem em climas, condições e culturas diversas. Ele cedia ao impulso e quase à necessidade de se pôr em contato com os homens e particularmente com aqueles que eram ou que ele tinha por expressões mais significativas quando peregrinava por próximas ou longes terras. Se viver é, como dizia eu, conviver, poucos terão vivido mais intensamente do que Carneiro Leão, cuja vida foi a que Nietzsche definiu como uma unendliches Gespräch – uma conversação interminável.

É de surpreender, porém, que, com tamanha atividade no magistério e na administração pública, e com tantas viagens dentro e fora do país, nunca lhe tivesse faltado tempo para produção intelectual. Para estudos e livros. E são tantos nos diversos campos que percorreu, como educador, ensaísta e sociólogo; nos domínios da educação teórica e prática – além dos trabalhos que desde a mocidade vinha publicando sobre educação popular, moral e tantos outros problemas educacionais, ele enveredou por outros muitos de não menor interesse e significação. Entre eles, destacam-se O Ensino na Capital do Brasil (1926), O Ensino das Línguas Vivas (1935), Tendências e Diretrizes da Escola Secundária (1936), Introdução à Administração Escolar (1939) e Adolescênciaseus Problemas e sua Educação (1950). Uma série de pesquisas e reflexões sobre problemas da educação nacional que nem sempre se publicaram em livros, e permaneceram não digo perdidas, mas dispersas em numerosos artigos, discursos e conferências, divulgados integralmente ou em seus trechos principais. Carneiro Leão, grande educador, preocupado com problemas escolares que lhe interessavam mais do que quaisquer outros, não podia nem consentia distrair-se dos campos de estudos que habitualmente percorria para melhor servir à Educação e seus problemas.

No ensaísta das Palavras de Fé (Ensaios sobre a História das Bandeiras), 1928, de Planejar e Agir (1942) de Nabuco e Junqueira (1953) ou Victor Hugo no Brasil (1959), todos, históricos e literários, estava sempre presente, sem o querer, o educador, atento em todas as questões que abordava, ao que elas trouxessem de dados e sugestões para suas pesquisas no terreno educacional. Era nesse que se movia com maior naturalidade, destreza e segurança, para proveito de todos nós. Sociólogo, ele o foi, e um dos pioneiros, no Brasil, nesse domínio de estudos e pesquisas científicas. Mas, se, nesse campo, a primeira obra que escreveu, Fundamentos de Sociologia, publicada em 1.ª edição, em 1940, era de caráter teórico, a segunda, lançada um ano depois, em 1941, A Sociedade Rural, Seus Problemas Sua Educação, já se apresentava como resultado de aplicação dos métodos e das técnicas de investigação social para a análise de problemas educacionais. Das reflexões puramente teóricas em que, como se vê, pouco demorou, partiu logo para aquelas em que a Sociologia podia contribuir para o estudo e solução de problemas que mais o preocupavam – os da Educação. Se várias de suas obras foram traduzidas e divulgadas em espanhol, francês e inglês, as indicações do autor para essas versões se concentravam de preferência sobre aquelas que eram de maior interesse para a Educação, em geral, e especialmente no País. Escritor e jornalista, com atividades frequentes na imprensa, em que eram tão procurados seus artigos e comentários sobre não importa que assunto, o que o atraía, na verdade, eram as questões de Educação, em cujo estudo se tornou, como já disse, mestre e autoridade notável. Nem sempre estaria certo (e quem de nós se poderia julgar de posse da verdade em questões tão complexas?), nas interpretações da realidade social, econômica e política, em que se enquadram esses problemas, e nas soluções propostas. Mas o que importa em todos os trabalhos, teóricos ou práticos e experimentais, é que teve a iniciativa e assumiu a responsabilidade – na análise de problemas, na procura de suas soluções racionais e no planejamento de reformas, em tudo que dignifica e enobrece o esforço do homem, em qualquer campo de suas atividades. A fidelidade a ideias e princípios e, portanto, a si mesmo, o espírito público sobreposto a quaisquer interesses particulares e a devoção sem desfalecimentos a uma causa, que é a de todos nós – a da Educação Nacional. Uma causa – e das mais importantes senão vitais a que se devotou esse “enamorado da Educação”, com um zelo apostólico, fiel às suas ideias, mas com uma tolerância edificante, em face das ideias de outros, que sabia, como poucos, respeitar.

Se, mesmo quando abordava assuntos, ao parecer estranhos à Educação, era frequentemente atraído por seus aspectos educacionais ou pelo que traziam de educativo e formador, não denunciava com menos firmeza outra constante de sua vida: o espírito e o sentimento brasileiro. Viajar, viajava muito, e gostava de viajar para países de sua predileção como a França e os Estados Unidos e os de língua espanhola. A cultura francesa, a cujas fontes nunca deixou de recorrer, seria talvez a que maior atração exercia sobre seu espírito. Mas, se tomava Victor Hugo para objeto de estudo em um de seus trabalhos, era Victor Hugo no Brasil; se saía ao estrangeiro para proferir conferências, na Sorbonne ou em Universidades dos Estados Unidos ou da América Latina, era para o Brasil e seus problemas que voltava sua atenção. Falar, falava sempre que se lhe oferecia oportunidade quando ultrapassava nossas fronteiras, mas sobre Educação e sobre o Brasil. A predominância que nele madrugou, desses dois interesses intelectuais, e tão carregados de sentimento, pude observá-la em meus primeiros contatos pessoais com o ilustre educador, quando lhe sucedi, com um interregno de dois meses, em 1927, no cargo de diretor-geral da Instrução Pública no Distrito Federal, que era então esta cidade maravilhosa, sede do governo da União. No apoio com que me honrou, na cerimônia de minha posse, não só com sua presença, mas com visível satisfação e confiança tranquila, Carneiro Leão, que lutara com tantas e tamanhas dificuldades, no seu trabalho de reformador, parecia-me trazer nos lábios esta pergunta: “Teremos agora, e afinal, o homem e o governo para a grande obra que é preciso empreender e levar por diante?”

O que, na verdade, lhe importava, era a solução desses problemas ou a força capaz de os pôr em via de solução. Se não foi possível por ele, a despeito de toda sua capacidade, que viesse por outrem. A obra de reconstrução educacional no Rio de Janeiro podia ter ele realizado, por suas grandes qualidades e o seu entusiasmo de reformador. Faltaram-lhe, porém, os recursos necessários para tamanho empreendimento. Recursos, e também o apoio sem restrições, que não lhe podia assegurar um governo em situação difícil, duramente combatido e, por isso, mais preocupado em resguardar sua autoridade e manter a ordem. Mas o que lhe importava (tal o seu interesse pela Educação no País) é que aparecesse alguém – e em circunstâncias favoráveis, capaz de tomar a iniciativa e assumir a responsabilidade de reformas radicais. Carneiro Leão tudo fizera para aplainar o terreno às reformas que se impunham. O que ele iniciou através de obstáculos quase insuperáveis – por meio de pequenas reformas e de renovação da mentalidade escolar, foi muito mais importante do que se poderia supor. Tudo o que foi possível realizar, em um largo plano de renovação educacional, com o apoio sem reservas do Presidente Washington Luís e do Prefeito Antônio Prado Júnior, a cuja memória presto a homenagem do meu respeito e da minha gratidão, já havia sido pacientemente preparado pelo meu eminente antecessor no cargo de Diretor-Geral da Instrução Pública, no Rio de Janeiro, e na Cadeira da Academia Brasileira de Letras.

Cada um de nós, em qualquer momento de sua vida, é, como escreveu Ortega y Gasset, “o eu e a circunstância”. Não é possível um juízo exato sobre uma personalidade – escritor ou poeta, homem de pensamento ou de ação, sem o situarmos no ambiente em que viveu e trabalhou, numa atmosfera tranquila e sem ressonância, ou em outra, de ventos contrários ou tempestuosos. De circunstâncias favoráveis ou adversas. Certamente, o “eu”, quando é um espírito criador, personalidade forte, ardente e impetuosa, poderá até certo ponto quebrar resistências e oposições e transformar atitude de expectativa armada em movimentos de solidariedade senão de apoio sem restrições. Mas sempre dentro de condições determinadas, estáticas ou dinâmicas, que não é fácil modificar, subvertendo-as ou ao menos orientando-as em direções mais convenientes a um trabalho eficaz. Mas Carneiro Leão – e os senhores acadêmicos que tivestes o privilégio de com ele conviver, durante tantos anos, podereis atestá-lo melhor do que eu – era um trabalhador infatigável, um inovador pertinaz desde a mocidade, mas suave e tolerante, de perfeita discrição, mais inclinado a proceder por meio de colóquios e seminários e amável conquista de adesões a suas ideias e a seus planos. Quem lhe sucedeu – e tem a honra de vos falar, era outro homem – um homem que, se não provocava lutas, estava sempre pronto para enfrentá-las.

Espírito inquieto e insatisfeito, sim (e permiti-me a confissão sobre um fato a que devo ter sido tantas vezes incompreendido e hostilizado), senti, desde muito jovem, palpitar em mim, com maior ou menor intensidade, a chama de um revolucionário e, portanto, atraído para ideias novas, e às vezes tidas por adiantadas demais há quarenta anos. E, como muitos de vós o sabeis, inclinado a intervir para realizá-las e operar mudanças, sempre que se me ofereciam oportunidades para entrar em ação. E sabendo esperar por elas, que a precipitação vai contra nossos objetivos. E, por isso mesmo, mais atento ao presente do que ao passado, e fortemente voltado para o futuro. Mas tendo tido uma formação humanística e clássica, era no passado que deitava raízes, alimentadas nos estudos da antiguidade grega e latina, e com escala pela Idade Média e pela Renascença, até os tempos modernos. Acompanhando com vivo interesse e plena aceitação as profundas transformações de mentalidade e estrutura por que passa o mundo atual, e que marcam a transição para uma civilização nova, de base científica e técnica, pressinto uma época, surpreendente e maravilhosa, de promessas, desafios e perigos, mas em que nada me perturba e tudo me convida a refletir. Se fosse dado ao homem escolher o tempo em que gostaria de viver, seria o de minha eleição, ou preferência, este mesmo que estou vivendo, no crepúsculo vespertino de uma civilização e na madrugada de outra que já aponta no horizonte, carregado de nuvens, mas também de clarões de paz, renovação e esperança.
 
Mas, com ser e sentir-me um homem de meu tempo, voltado, como disse, para o futuro cujo advento gostaria de apressar – por crer em melhores dias para Humanidade –, nunca se romperam minhas vinculações com o passado em que se embebem as raízes de minha formação. Observava-me um dia Anísio Teixeira que eu representava, a seus olhos, uma estranha conciliação dos valores antigos e novos. Revolucionário de espírito e temperamento, quase diria por vocação, a nenhum dos valores que fazem do convívio uma das maiores atrações da vida humana havia eu renunciado. A sinceridade radical, a lealdade e a polidez nas relações humanas, a compostura e a dignidade, a capacidade (ou a fortuna) de fazer amigos e conservá-los e, portanto, o culto da amizade à maneira antiga, como a descreveu Cícero, no seu admirável tratado De Amicitia. O passado, próximo ou o mais remoto, e o presente, intensamente vivido em cada momento, parecem-me, de fato, irmanados como numa síntese para a inteligência e preparação do futuro que já está mais perto de nós, ou já vive em nós mais do que poderíamos imaginá-lo. Se é verdade que, quando agia não conhecia obstáculos nem me abalava com reveses, indo direto, com firmeza e decisão, aos meus objetivos, nunca me faltaram nos momentos cruciais, ou de mais ímpeto na ação, a sensibilidade, o tato e a prudência para evitar ou contornar conflitos que se tornassem irreparáveis, em suas consequências. É por isso que, também eu, nunca tive, em minhas lutas e no aceso da batalha, adversários de que não pudesse fazer amigos.

Mas a alta homenagem que prestastes, acolhendo-me na Casa de Machado de Assis, não é somente ao reformador, filósofo e político de Educação, nem somente ao sociólogo, por tudo o que tenha feito pela introdução e difusão dessa ciência no Brasil e por sua obra de Sociologia teórica e de síntese e pesquisas sociológicas. Por mais importante que porventura tenha sido minha contribuição nesse domínio de estudos (e é aos especialistas, certamente, e a vós que compete julgar), creio eu quisestes premiar, com minha eleição para a Academia, sobretudo, e muito particularmente, minha obra de escritor. Minha vida, já longa, eu a passei a observar e a ler, a refletir sobre minhas observações e leituras, a escrever e a ensinar. E mais do que ensinar, a escrever, que é uma das formas mais eficazes de comunicação com públicos cada vez mais largos e diferentes. Eu me senti atraído, desde a mocidade, para o ofício de escritor como se vê dos 25 volumes de que constam minhas Obras Completas. Se me anunciavam que haviam sido suspensas as aulas, não sofria por não ter de dá-las, embora sempre ministrasse com prazer meus cursos habituais ou extraordinários. Mas não era pouco o meu pesar quando me tomavam as horas em que costumava escrever. É por isso que, sendo sociólogo e um político de Educação que se empenhou a fundo em tantas reformas, creio ter sido, antes de tudo, para minha vida e obra de escritor que voltastes vossa atenção, quando resolvestes eleger-me para participar de vosso convívio.

Academia, de âmbito nacional, a Casa de Machado de Assis, a que nos orgulhamos de pertencer, organizou-se, desde sua fundação, há pouco mais de setenta anos, para estimular e desenvolver o culto das Letras em todas as suas manifestações. Para acolher – e acolhendo-os, exaltá-los – escritores dos que mais se destacam na Literatura de Ficção, nos ensaios, na Crítica Literária e na História, e poetas dos mais eminentes, na variedade de seus gostos, de suas concepções estéticas e tendências. Pelo prestígio que alcançou não só no País como em toda a América Latina, e mantém vivo, em período já tão largo de sua história, vê-se bem que a nossa Academia continua a ser o nosso maior centro de atração, incentivador, consagrador que é, das atividades e produções literárias. De Poesia, de contos e romances, de ensaios, de Crítica e História. Porque se tem revelado fiel à sua missão, já tão claramente definida por seus fundadores – de promover, estimular e premiar atividades literárias em qualquer de seus setores, ou de suas manifestações, clássicas ou modernas, renovadoras ou mesmo revolucionárias nas ideias e nas técnicas de expressão, é que pôde ela impor-se aos olhos de todos, como uma instituição flexível e dinâmica, e com a capacidade indispensável para sobreviver e progredir, de adaptação às novas condições de vida e às exigências de um mundo intelectual inquieto, em efervescência e ebulição e mais atraído para o presente e o futuro do que para o passado.

Se ela volta sua atenção, como no meu caso, para uma das figuras representativas, a seu juízo, de uma geração de escritores – antiga no tempo e moderna senão avançada em suas ideias, tendências e aspirações (pois foi com ela, há mais de 45 anos, que se iniciou o movimento de renovação em todos os setores), é que se prepara para acolher representantes dos mais significativos das gerações seguintes e das novas gerações de escritores e poetas. A Academia dos 40, a nossa Academia, não é apenas convivência, um Cenáculo para o qual convergem as aspirações e esperanças de muitos dentre os mais altos valores do mundo intelectual brasileiro. É ainda pela posição que nele ocupa, e pelo papel que desempenha, um posto avançado de observação. E de observação vigilante. Acompanhando de perto, por todos os meios ao seu alcance, as diversas correntes estéticas que se disputam a primazia nos quadros de nossa Literatura, suas preferências vão para aqueles que, em qualquer de seus ramos, se distinguiram de modo notável, pelo valor e aceitação de suas produções. O que ela quer e tem procurado sempre – possivelmente com erros e falhas aqui e ali (não é nossa Academia uma instituição humana?) – é progredir como uma expressão genuína, autêntica, da vida e das atividades literárias no País. Não só um espelho ou reflexo de tudo o que se passa, nesse mundo sempre insatisfeito e agitado das Letras nacionais, como também uma instituição, ativa e participante, que não vive fechada em si mesma, mas integrada ou procurando integrar-se por todas as formas, no meio cultural de que sofre, e sobre o qual exerce, influências e pressões de toda ordem.
Não é uma cúpula destacada de suas bases – as que constituem o público – ou de suas camadas intermediárias, pelas quais ela e o público se comunicam e que se compõem de autores, editores e livreiros, jornais e revistas. Todos esses setores de atividades, tão diferentes mas tão ligados por interesses comuns – os mais altos interesses da Cultura – e as constantes reações em cadeia que resultam de críticas, debates e polêmicas, repercutem na Academia, provocando, nela também, correntes de opinião. De sua parte, a nossa Academia que se fortalece e se renova pelo convívio tão amável quanto útil dos acadêmicos – sempre que sai de si mesma para se projetar por meio de cursos de conferências, publicações e outras iniciativas, no público a que serve, estende o raio de sua influência e só ganha em força de penetração e em prestígio, para exercer o papel que lhe atribuíram seus fundadores. Não lhe basta, nem nunca lhe bastou, a ação catalítica, ou de presença no mundo intelectual, quando pode tê-la mais profunda e em proporções maiores por uma série de iniciativas ao seu alcance para incentivar o desenvolvimento e a expansão da Literatura em todos os seus ramos. E não só para isto, como também para velar sobre os direitos humanos e resguardá-los quando ameaçados ou em perigo. Todos sabemos quanto importa à criação literária, artística ou científica a liberdade de pensamento, de crítica e de opinião. Mas nem sempre nos lembramos de que, na defesa desses princípios, em que se tem destacado entre outros, e com que elevação, lucidez, firmeza e coragem! – o nosso Tristão de Athayde – uma das forças em potencial pelo prestígio que desfruta, é exatamente a nossa ilustre, mas tão recatada Casa de Machado de Assis.

Nem por se erguer à altura de uma instituição que, para julgar e consagrar tem de manter a serenidade e o equilíbrio de uma assembleia de juízes, e nem por tudo que nos oferece, para o mais agradável convívio, deixa de ser, por suas tradições de independência, uma sentinela avançada na defesa da liberdade de pensamento e de suas manifestações. Não só por serem condições essenciais a toda espécie de criação nas Letras, nas Artes e nas Ciências. Nem somente porque, numa civilização industrial, de base científica e tecnológica, como esta de que assistimos o amanhecer, estão esses princípios, mais do que nunca sob graves ameaças.

Numa época em que o homem (como me escreve Paul Hugon) se obriga a um esforço gigantesco para se situar ao nível das perspectivas do mundo moderno, e no momento em que lhe é preciso dominar os meios para não ser esmagado sob o peso de seus progressos, as obras mestras do espírito, porque elas unem o espírito e o coração, têm mais valor do que nunca.

E ainda porque a tradição da Cadeira 14, que tenho a honra de ocupar, está tão ligada às Ciências Humanas, que não podemos pensar senão sob a inspiração delas, que nos fornecem os meios de nos conhecermos a nós mesmos, e de melhor compreender e sentir as sociedades em que vivemos. Se nos tornamos mais humanos e compreensivos, os que nos dedicamos de modo particular a esses estudos, é que elas – as Ciências Humanas – exercem sobre nós, mais que quaisquer outras, uma influência humanizadora que nos abre o caminho para o Humanismo em qualquer de suas formas.

De fato, Franklin Távora, o patrono desta Cadeira, se não procedia de incursões pelas Ciências Humanas, foi sempre com aspectos da paisagem social que se preocupou, dando-nos a visão e as perspectivas do homem e das sociedades que observou e de que pôde traçar retratos admiráveis pela objetividade de suas análises. É às Ciências Humanas (sociais e jurídicas) que se dedicou Clóvis Beviláqua, professor da Faculdade de Direito, Consultor Jurídico do Itamaraty. Um santo varão que se impôs à confiança e ao respeito de todos por seus notáveis talentos, importantes contribuições e grandes virtudes. Além de uma de nossas maiores autoridades em Direito Civil e Internacional, era um humanista no mais alto sentido da palavra. Carneiro Leão, que lhe sucedeu – educador e sociólogo –, não cuidou, também ele senão do homem, de sua formação e da sociedade em que vive, num sistema, em constante renovação, de ações e reações recíprocas. É essa uma ininterrupta linha de pensamento, da Cadeira que me reservastes, e a cuja tradição eu me manterei fiel não só pelo respeito ao exemplo dos que me precederam, como também porque entre tantas e tão ásperas lutas em defesa de ideais, as que travei na batalha do Humanismo foram das mais gratas ao meu espírito e coração.

Talvez também por isso, para não sofrer desvios, nesta solenidade, tão nobre linha de pensamento, que escolhestes, para me saudar, o nosso eminente colega Cassiano Ricardo. Não um romancista do vulto de Adonias Filho, nem um jurista da projeção de Levi Carneiro, nem um ensaísta com a erudição e os recursos de Ivan Lins, que o Romance, o Direito e o Ensaio já figuram na história desta Cadeira. Mas um poeta, que sendo como todos os reconhecemos um dos maiores que já teve o Brasil, não podia deixar de ser um espírito profundamente humano e compreensivo, sensível não só aos problemas, às angústias e aspirações do homem, senão também a essas descobertas e invenções que levaram Ernest Renan a exclamar: “Que coisa admirável o homem que, num segundo entre duas eternidades – a que precede o nascimento e a que se segue à morte, ainda pôde descobrir a Arte, a Religião e a Ciência.” O nosso poeta, que é também notável prosador, com importantes contribuições ao estudo sobre aspectos da vida nacional, despertou muito cedo, para lhe pressentir os sinais, na madrugada da nova civilização. A nada do que é humano, poderia dizer com Terêncio, jamais se julgou e permaneceu estranho. Não só na idade madura em que as reflexões preponderam sobre os impulsos, senão também na mocidade, em geral tão acessível aos radicalismos, como pude observar, ao longo de minha longa e agitada vida, tão companheira da que ele viveu.

De minha parte não a esperava nem mesmo a desejaria tão longa mas eu me felicito por se ter ela estendido até hoje para alcançar afinal a alta distinção com que várias vezes me acenastes, e que me conferistes agora, acolhendo-me entre vós, para um convívio que é um privilégio. Espero conservar-me fiel não só às mais nobres tradições de nossa Casa, como também às da Cadeira que me destinastes na vossa benevolência para comigo. Já a essa altura, não tem o mais leve sabor de uma revelação dizer-vos que sou um homem combativo, e de lutas – que dessas se tece a história de minha vida –, mas humano e compreensivo e, agora, quando cheguei até vós, já amaciado em minha agressividade, pelo tempo, pela experiência, que é entrecortada de triunfos e alegrias, de decepções e desencantos. Crede-me, ilustres confrades, a quem quero prestar, renovando-a, a homenagem de meu alto apreço, no meu profundo reconhecimento por vossa solidariedade, expressa de maneira tão significativa e pelo acolhimento generoso que me dispensastes. Aqui estou para servir à nossa Academia e colaborar em seus programas ou planos de trabalho, sem outra preocupação que a de concorrer, na medida de meus recursos, para a guarda de tradições respeitáveis, e a vitória de seus novos ideais e de suas mais altas aspirações. Ideais e aspirações que já senti nos contatos com muitos de vós que entendem não ser possível continuarmos a ser sempre os mesmos quando tudo muda à volta de nós. E que cabe à Academia – como a mais alta e acatada instituição literária do País, não apenas o papel de seguir ou acompanhar de perto as atividades literárias, mas o de abrir caminhos e mais largas perspectivas às novas gerações de pensadores, escritores e poetas.

24/9/1968