Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Acadêmicos > Fernando Bastos de Ávila, Pe. > Fernando Bastos de Ávila, Pe.

Discurso de recepção

Discurso de recepção por Alberto Venancio Filho

Sr. Pe. Fernando Bastos de Ávila,

Sursum Corda!

A Academia recebe hoje um sacerdote da Companhia de Jesus, que é ao mesmo tempo um pensador, um humanista, um sociólogo e um militante na luta pela justiça social.

No discurso de posse, ao suceder a Afonso Arinos de Melo Franco na Cadeira 25, referi-me à “figura exemplar do Pe. Fernando Bastos de Ávila, que algum dia espero ter como nosso colega”. Passado um lustro, esse vaticínio se confirma, e a Academia vos acolhe com júbilo.

Mencionava a vossa presença na Comissão Provisória de Estudos Constitucionais criada em 1985 pelo nosso confrade, o Presidente José Sarney, atendendo ao desígnio do Presidente Tancredo Neves, e foi presidida pelo nosso confrade, meu saudoso e inesquecível Mestre Afonso Arinos de Melo Franco, justamente denominada Comissão Afonso Arinos.

Eleito, o Presidente Tancredo Neves sentiu a necessidade da elaboração de texto básico a servir de orientação aos trabalhos da futura Assembleia Constituinte, tal como ocorrera em 1933 com a chamada Comissão do Itamaraty, presidida por Afrânio de Melo Franco. Para a presidência, o nome de Afonso Arinos se impunha e tive a honra de ser, por sua indicação, um dos membros.

A Comissão realizou trabalho meritório, mas optando pela adoção do regime parlamentarista, o projeto não foi encaminhado à Assembleia Constituinte, embora tivesse servido de guia para muitos dos dispositivos constitucionais.

Afonso Arinos exerceu a presidência, respeitando as normas regimentares não como chefe autoritário que quisesse impor suas posições, mas como sutil harmonizador de disputas, com a autoridade pessoal e moral para superar divergências que em certos momentos pareciam intransponíveis.

Entendia também que a presidência não exigia a presença constante na direção dos debates e dentre os cinquenta e um membros delegava essa função ao nosso novo confrade. Atuastes com inexcedível competência e em questões delicadas como a do casamento exercestes função conciliadora, sendo responsável pela fórmula da união estável hoje constante de artigo da atual Constituição.

Nascido no Bairro de Copacabana em 1918, a vocação religiosa deveu-se à devoção de sua mãe, D. Cinira Muniz Freire Bastos de Ávila, que desejava o único filhona Companhia de Jesus. Seu pai, o Prof. José Bastos de Ávila, de família de Petrópolis, veio estudar Medicina no Rio, acolhido na residência de Edmundo Bittencourt, diretor do Correio da Manhã, e da mulher, tia Amália. Do tio Edmundo, combativo e valoroso jornalista, guardastes da meninice as melhores recordações. Formado, dedicou-se vosso pai a questões de Anatomia, assistente de Fróes da Fonseca, na trilha do nosso confrade Roquette-Pinto, no pioneirismo dos estudos de Antropologia Física entre nós.

Em 1932, o Prof. José Bastos de Ávila recebeu desta Casa o prêmio Ramos Paz com o livro No Pacoval do Carimbé, estudo sobre a Arte Marajoara. Assim vossas ligações com a Academia têm já 65 anos. Em 1936, Francisco Venancio Filho obtinha o prêmio Francisco Alves, com o estudo sobre a “Disseminação do Ensino Primário”. José Bastos de Ávila e Francisco Venancio Filho: que grandes professores! que grandes mestres! que grandes pais! A devoção filial é assim uma das muitas afinidades que nos ligam.

Realizastes estudos secundários no Colégio Santo Inácio, onde tivestes como colegas o ilustre Prof. e Médico Clementino Fraga Filho e o Embaixador Antônio Corrêa do Lago. Os colegas de então já observavam o caráter reservado e discreto do aluno e que se destacava nos estudos. Ingressastes, em 1930, na Escola Apostólica de Friburgo e, em 1935, no noviciado da Companhia de Jesus.

O cenário que encontrastes naquela cidade não deve ter diferido da descrição trinta anos atrás de Rui Barbosa:

          Destes cimos, onde estas serranias verdejantes encontraram, afinal, a sua mais bela coroa, o Colégio Anchieta nos estende à distância os braços. Onde quer que estejamos, e por mais que nos afastemos, o esmalte destes longes azulados se nos avizinha, desenhando-se no horizonte mais próximo, como um panorama familiar. Ao respirarmos, de manhãzinha, a primeira aragem do dia, a janela que abrimos nos olha para as montanhas de Friburgo, para as devesas destes cabeços de esmeralda, que se recortam aqui no espaço transparente, para a Village suíça dos primeiros colonos destes sítios, agora transformada pela mão criadora dos descendentes de Anchieta.

Findos dezesseis anos em 1945, com o término da guerra, seguistes para Roma com o Pe. Henrique Lima Vaz, seu amigo de todos os tempos, e o Pe. Penido Burnier – sacrificado no regime militar – para concluir o mestrado em Filosofia e Teologia. Os três jesuítas que viajaram no navio Désirade correspondiam a uma vocação individual que os conduzira ao ingresso na Companhia de Jesus; distinguem-se dos universitários da década anterior, que empolgados pelo movimento da Ação Católica e da presença de um beneditino alemão de grande valor, D. Martim Michler, ingressaram na Ordem de São Bento, entre os quais o vosso saudoso antecessor D. Marcos Barbosa, de quem acabais de traçar um perfil primoroso.

Chegando ao porto de Havre, a demorada travessia até a Itália vos deixou as marcas profundas de penúria do mundo europeu. O Pe. Henrique Lima Vaz, amigo há cinquenta anos, prestou depoimento:

          Nossa convivência mais intensa começou na verdade em fins de 1945, quando viajamos juntos para Roma a fim de cursar Teologia na Universidade Gregoriana em companhia do Pe. João Bosco Penido Burnier, que mais tarde daria sua vida como mártir da caridade em Mato Grosso. A partir de então, nossas vidas, embora por caminhos diversos em termos de vocação intelectual e de ocupações, correm em estrita afinidade de ideias e de comum visão das coisas e do mundo. Desde os primeiros tempos de nossa convivência, uma profunda amizade deitou raízes em nossas almas, fortaleceu e cresceu como uma grande árvore a cuja sombra nos acolhemos nos momentos de alegria e preocupações.

Recebestes a ordenação sacerdotal em 1948 com os paramentos preparados por D. Cinira e no dia seguinte, em modesta igreja de Roma, destes comunhão a vossos pais. Ao final de quatro anos de estudos teológicos, seguistes para Florença em regime probatório de um ano e colaborastes na direção de um reformatório, tendo nessa ocasião a experiência do encontro do jovem menino Pierino.

Estáveis destinado aos estudos de Pedagogia, mas com a morte repentina do Pe. Eduardo Lustosa vos encaminhastes para as Ciências Sociais, que cursastes na Universidade de Louvain. Terminados os estudos, defendestes tese, “O Problema da Imigração”, aprovada com la plus haute distinction, e realizastes estágios na França sob a orientação dos professores Alfred Sauvy e Jean Forastié.

Nessa época, chegava a Bruxelas jovem diplomata brasileiro como primeiro secretário. Procurou se informar sobre a reduzida colônia brasileira e soube estarem estudando dois jesuítas, o Pe. Pedro Beltrão e o novo acadêmico. Aproximou-se de ambos e com frequência aos domingos, no arremedo de feijoada, conversavam na Rua Johann Jordaens, 6, sobre assuntos de Filosofia, se detendo na obra de Kierkegaard, na tradução inglesa Either/Or. Foi com orgulho que o diplomata brasileiro soube que obtivestes a láurea mais elevada. O jovem primeiro secretário é hoje o ex-ministro de Estado e Embaixador Mario Gibson Alves Barboza.

De volta ao Brasil em 1954, ingressastes no corpo docente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, num magistério de quarenta anos, ensinando em várias unidades Sociologia, Ética e Doutrina Social da Igreja, a discipulado de centenas de estudantes.

O caráter embrionário dos Estudos Sociais e a compartimentação disciplinar levaram-no a criar o Instituto de Estudos Políticos e Sociais, como centro aglutinador de que fostes diretor até a extinção, em 1967. O Instituto de Estudos Políticos e Sociais da PUC, ou, como era chamado, a Escola do Pe. Ávila, formou uma geração de cientistas sociais que têm se destacado nos meios universitários e acadêmicos. Um deles, o conceituado antropólogo Otávio Velho deporia sobre o professor: “elegância e humor serviam de veículo para sua inteligência e sensibilidade”. E explicava: “a espiritualidade era um dos aspectos (na verdade sopro vital) do Pe. Ávila que não era possível para nós apreciar na época em sua plenitude.”

Do vosso trabalho na Escola de Estudos Políticos e Sociais da PUC, surgiu a Revista Síntese – Síntese Política, Econômica e Social, do mais alto padrão, publicando, em dez anos, quarenta números. Incumbia-se da síntese política o nosso Confrade João Neves da Fontoura. No necrológio sem assinatura, mas certamente de vossa autoria, diríeis:

          O ilustre e saudoso brasileiro assegurou desde a primeira hora intenso apoio à iniciativa do lançamento desta revista. Esteve a seu cargo até que a grave moléstia de que veio a sucumbir o obrigasse a interromper suas atividades a redação da síntese política. A morte de João Neves da Fontoura representa assim também para esta Casa a perda de um colaborador eminente a cujo espírito público e vocação democrática ficamos a dever inestimável colaboração.

Em 1967, o Superior-Geral da Companhia de Jesus, Pe. Pedro Arrupe, aprovou a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento – IBRADES, à semelhança da instituição congênere Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento – ILADES, com sede em Santiago do Chile. Fostes nomeado em 1968 Primeiro Diretor do IBRADES, instituição destinada a assessorar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, na área dos problemas sociais. O IBRADES, que dirigistes por muitos anos, foi vigoroso centro de treinamento de pessoal e de realização de pesquisas de alto teor.

Ali pagastes o tributo da coerência e independência. Certo dia, preparáveis conferência a ser proferida na Escola Superior de Guerra, quando o prédio da Rua Bambina foi cercado por oficiais que prenderam todos os presentes, inclusive dois altos dignitários da Igreja que acorreram em socorro de seus colegas. A prisão durou o dia todo para que as gavetas da instituição fossem inteiramente vasculhadas à procura de documentos subversivos. Nada foi poupado, nada foi esquecido, e ao final malas e malas de documentos foram apreendidas. Com a modéstia de sempre, telefonastes para o general Augusto Fragoso, comandante da ESG, explicando a impossibilidade de fazer a conferência pela falta de material, e nem a interferência desse e de outros ilustres generais pôde impedir a prisão de três alunos e o vosso interrogatório no Inquérito Policial Militar. No julgamento na Auditoria Militar, foi vosso advogado Heleno Fragoso. Ilustre penalista, pertencia à escola de Evaristo de Moraes (pai) e de Mário Bulhões Pedreira e que hoje se prolonga na figura exemplar de Evandro Lins e Silva, que pela frequência às nossas sessões já parece ser um dos nossos. Heleno Fragoso encerrou a questão, ao declarar que todo brasileiro deveria ser processado por um IPM, pois o inquérito concluía com frase lapidar: “Das investigações realizadas verificamos que nenhuma atuação subversiva foi apurada, mas potencialmente o IBRADES pode ser um centro subversivo.”

Em 1965, o Governo Federal introduziu no currículo da escola secundária a cadeira de Moral e Civismo. A Fundação Nacional de Material Escolar – FENAME, do Ministério da Educação, precisou preparar livro-texto. Fostes indicado para a tarefa, mas sugeristes a feitura não de um manual, mas de pequena enciclopédia que abrangesse a disciplina em todos os aspectos. Organizastes pequena equipe e pedistes a colaboração de especialistas, publicando a primeira edição em 1967.

Ao realizar viagem de estudos aos Estados Unidos, vos foi mostrado em universidade americana a manchete de prestigioso jornal brasileiro: “O Crime do Padre Ávila”, certamente de autoria de leitor de Eça de Queirós. Suspendestes a viagem, voltando imediatamente ao Brasil e fostes interpelado por oficial do Exército, que arguia o caráter subversivo do volume, exemplificando com os verbetes aborto e marxismo. Indagastes se os verbetes de forte crítica tinham sido lidos, mas nenhuma explicação foi satisfatória. O Ministério da Educação determinou a apreensão dos volumes com comunicação de sobrestar a divulgação, que foi entendida como distribuição mais célere, provocando a divulgação de 250 mil exemplares da primeira edição. Só em 1972, a obra seria reeditada por iniciativa do Ministro Jarbas Passarinho e constitui até hoje volume de grande interesse.

Por ocasião do centenário da Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII publicada em 1891, preparastes a Pequena Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja, documento magnífico de divulgação. Redigistes a maioria dos verbetes, tendo como fonte a Enciclopédia de Moral e Civismo e a Katholiches Social Lexicon, coleções de documentos sociais pontifícios e várias obras da doutrina. Contastes com colaborações especiais, sendo o verbete sobre nosso confrade Alceu Amoroso Lima escrito por nosso querido confrade Evaristo de Moraes Filho.

A vossa obra – quinze livros publicados e numerosos ensaios, artigos e conferências – pode ser classificada em quatro grupos: Sociologia Teórica, Problemas Brasileiros, História e o Social Humanismo com a análise da doutrina social da Igreja.

No campo da Sociologia Teórica, a principal obra é Introdução à Sociologia, publicada em 1962 pela Editora Agir e hoje na oitava edição. Trata-se de magnífica síntese, livro didático excelente, que numa perspectiva weberiana incorpora as melhores contribuições atuais e imprime ao tema um sentido social humanista. Em cada edição são atualizados os textos, e na última introduzistes valioso capítulo sobre o plano cultural, no exame da crise da Cultura.

No campo da Sociologia Aplicada, os problemas de imigração despertaram inicialmente o vosso interesse, podendo citar, além da tese de doutorado, L’Immigration au Brésil – Contribution à une Théorie Générale de l’Immigration, publicada pela Editora Agir em 1956, Economic Impact of Immigration – The Brazilian Immigration Problem, Haia, 1954, e Immigration in Latin America, Washington, 1954. Esses trabalhos, examinando em profundidade a matéria, contêm extensa bibliografia, e na tese de 1954 é citado trabalho de jovem economista brasileiro, hoje o nosso confrade Celso Furtado.

Os problemas do subdesenvolvimento brasileiro, com ênfase nos aspectos sociais, passaram a ser tema de fundo de vossa pregação, como, entre outros, o capítulo XV - Políticas Sociais – no livro Brasil – Reforma ou Caos, organizado por Helio Jaguaribe em 1989. Em vários trabalhos, tendes analisado o desafio da pobreza e com lógica implacável e dados idôneos comprovais que extinguir a miséria é mais econômico do que mantê-la.

No campo da História, por iniciativa do nosso saudoso confrade Francisco de Assis Barbosa, organizastes para o Congresso Nacional três importantes obras, O Clero no Parlamento Brasileiro, Câmara dos Deputados, cinco volumes; O Clero no Parlamento Brasileiro, Senado do Império, dois volumes; e O Clero no Parlamento Brasileiro, A Igreja e o Estado na Constituinte de 91, um volume. No laborioso trabalho de pesquisa de dez anos, reunistes documentação expressiva sobre o papel do clero no Império. Este levantamento exaustivo que chamastes de “modesta contribuição” contou com a colaboração do então diretor da Casa de Rui Barbosa, nosso saudoso confrade Américo Jacobina Lacombe, e de eruditos prefácios de Francisco de Assis Barbosa. Na introdução de vossa autoria “Sacerdócio e Política”, analisastes a contribuição do clero à formação política do País, acentuando o papel relevante que desempenhou no passado. Mas apontastes a perda da influência, afirmando: “encerraram- se as peregrinações à Canossa”.

Desta expressiva atividade intelectual que abriu as portas para a eleição para esta Casa, um tema se destaca de forma singular, a doutrina social da Igreja, da qual sois hoje em dia entre nós a figura mais destacada. O livro O Pensamento Social Cristão antes de Marx, de 1972, teve enorme repercussão, obra inteiramente esgotada, e representou em expressão antiga “uma voz serena num debate apaixonado”.

Um socialista de formação marxista, Leandro Konder, assinalou: “nosso jesuíta se insurgia, suave porém firmemente, contra a imposição do maniqueísmo”. Aditava: “o Pe. Ávila sabia que o seu livro tinha algo de explosivo” e prevendo este fato escreveu no prefácio que “desejava que o volume fosse lido com a mesma desprevenção com que fora escrito”. Exilado na Europa, o socialista assinalava a emoção com que lera o livro, transmitindo esta impressão a seus amigos, pois um autor que não tinha nenhum envolvimento político conosco se expressava a respeito do nosso complexo universo com equilíbrio admirável. Com a autoridade do seu saber e da sua isenção, o Pe. Ávila contribuía para desmoralizar a perseguição sistemática e virulenta desencadeada contra nós.

Em outros livros e em numerosos artigos e conferências, tendes sido o propugnador desses princípios que se expressam sobretudo no livro Solidarismo, de 1963, edição revista e aumentada de livro anterior, Neocapitalismo, Socialismo e Solidarismo. Do primeiro capítulo “O Brasil diante de suas alternativas históricas”, ao assinalar que “o fenômeno mais característico da dinâmica social é, a nosso ver, a conscientização das massas” ao capítulo final sobre o manifesto solidarista, analisastes com isenção e imparcialidade as doutrinas do Capitalismo e Comunismo, apontando as deficiências graves de um e de outro, para se estender nas ideias do solidarismo, que nas suas palavras têm como categorias básicas a pessoa humana e a comunidade humana. Afirmais:

          O solidarismo sabe que as estruturas sociais vigentes não oferecem possibilidades reais para a realização desses direitos. Por isso, ele é essencialmente um protesto que se traduz num programa de reforma. O solidarismo não é mero moralismo. É reformismo radical. O solidarismo é o ideal a que, confusa e inconscientemente, aspiram todos que anseiam por um Brasil democrático e cristão.

As vossas preocupações se têm estendido também para o problema da Ética e da Transcendência, examinando essa intrincada conceituação filosófica com realismo e abrangência, e com atenção às realidades do mundo contemporâneo.

A vossa capacidade de ação se estendeu a várias instituições; fostes o inspirador da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas; participais da diretoria do Instituto de Estudos Políticos e Sociais – IEPES, que tem como decano o Prof. Helio Jaguaribe. Nesse colegiado, ao qual pertencem Roberto Paulo Cezar de Andrade, Israel Klabin, Alfredo Lamy Filho, Paulo Moura, Ítalo Viola e Vicente Barreto e o orador que vos fala, o vosso judicioso conselho é sempre ouvido com maior proveito. Integrais ativamente o Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, no qual tendes proferido expressivas conferências sobre os problemas sociais brasileiros. São inúmeras as outras associações nacionais e estrangeiras a que pertenceis. Dentro da Igreja, fostes assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB durante vários anos, elaborando anualmente análise sobre a situação política e social do país, que poderia ser assinada por qualquer comentarista de relevo, algumas das quais incluídas no livro A Igreja e o Estudo no Brasil. Ao Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro D. Eugênio de Araújo Sales, impossibilitado de comparecer e representado por D. Romeu Brigante, tendes dado uma inestimável colaboração, organizando a Pastoral da Cultura, promovendo no Sumaré reuniões de intelectuais da qual participaram muitos acadêmicos. Sois membro da Comissão Justiça e Paz, nomeado em 1990 por João Paulo II, com sede em Roma, hoje um dos seus relatores.

As galas do poder jamais vos atraíram e o recusastes por duas vezes; a primeira no Governo Castelo Branco, quando o Comandante do 1.º Exército vos convidou para conferencista e em momento de crise estudantil vos convocou para debelá-la como Ministro da Educação. Pela segunda vez, durante a Presidência de nosso confrade José Sarney, a mediação de um amigo comum vos chamou para o mesmo posto. Em ambos os momentos recusastes com o argumento principal do caráter confessional que teria a nomeação, inconveniente à postura do governo. Tivestes presente a ironia de Edmundo da Luz Pinto: “amigos do poder... decepção na certa”. Mas nunca recusastes a colaboração desinteressada, pois, em 1958, participastes da Comissão que elaborou o anteprojeto do Código Penitenciário e em 1969 fazendo parte do grupo que preparou o projeto da reforma universitária.

Helio Jaguaribe destacou bem as características da obra e da vida do novo acadêmico: “aguda lucidez, rigoroso senso ético, e transbordante generosidade”, apontando como raramente essas qualidades se conjugam numa mesma pessoa. A lucidez se encontra presente em todos os atos de vossa vida, na análise percuciente que fazeis em vossos trabalhos e no agradável convívio pessoal dos que de vós se aproximam. O senso ético também está patente em todos os momentos de vossa vida como expressão de uma personalidade que se pauta pelos mais rigorosos princípios de conduta. E a vossa generosidade como forma espontânea do ser se revela nos atos de vida, seja participando em conclaves com as personalidades mais eminentes, seja na rua dirigindo-vos a um popular ou a uma pessoa de posses modestas. Concluiria Helio Jaguaribe: “coração de franciscano com alma de jesuíta”.

O Pe. Henrique Lima Vaz aponta

o perfil do humanista, um dos mais acabados entre os que o Brasil tem conhecido. Humanista, Fernando Bastos de Ávila o é pela sua excepcional formação clássica e pela consigna do humani nihil alienum que emoldura seu espírito aberto e generoso. Humanista também pela sua inteligência admiravelmente lúcida, na qual o claro fluxo das ideias corre sem ambiguidades, ilogicismos e obscuridades inúteis.

Termina o depoimento

com a sentença de cunho agostiniano, com que São Gregório Magno caracterizou a forma mais alta do conhecimento: Amor ipse notitia est – O próprio amor é saber. Fórmula perfeita do humanismo cristão e que resume tudo que poderia dizer sobre meu amigo Pe. Fernando Bastos de Ávila.

Fundada esta Academia em 1897, somente em 1919 foi eleito o primeiro prelado, D. Silvério Gomes Pimenta, Arcebispo de Mariana, recebido pelo Presidente Carlos de Laet. É de se indagar o motivo dessa longa ausência, a atribuir-se aos efeitos longínquos da questão religiosa ou à recente separação da Igreja e do Estado. A presença de D. Silvério foi curta, pois faleceu em 1922. Em 1926, era eleito D. Aquino Correia, Bispo de Cuiabá, que chegou a essa alta dignidade com apenas 29 anos. Foi membro da Academia até 1956, e só em 1980 foi eleito o monge beneditino D. Marcos Barbosa.

D. Aquino Correia aqui permaneceu quase trinta anos, e D. Marcos Barbosa nos honrou com a presença dezesseis anos. Esperamos, assim, que o vosso convívio nesta Casa seja também prolongado.

Ao ingressar nesta Casa o primeiro membro da Companhia de Jesus, cabe assinalar que não são novas as relações entre as duas instituições. Em 1923, Afrânio Peixoto, ao realizar extraordinária gestão como presidente da Casa, organizou a Biblioteca de Cultura Nacional, que em 1931 passou a ter o seu nome. Cultor da História, incluiu entre as seções da coleção a de História para a qual convidou Capistrano de Abreu. Este não pôde se desincumbir da tarefa e indicou Rodolfo Garcia e Eugênio de Castro, que organizaram edições de volumes valiosos de História Brasileira, entre eles os três volumes de Cartas Jesuíticas, compreendendo as Cartas do Brasil, as Cartas Avulsas e as Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre José de Anchieta. Desses volumes, diria Capistrano de Abreu: “reunir essas cartas, esses escritos vários [...] é uma dívida que não admite moratória”.

No prefácio do primeiro volume, afirmou Afrânio Peixoto:

          Os documentos jesuíticos não são apenas história do Brasil: são essenciais à ética brasileira. [...] Interpretando o sentimento comum, rematamos que o cumprimento desse dever não vai sem emoção, a que sempre suscitam a justiça e a gratidão [...].

No segundo volume, mencionava: “inapreciáveis documentos de História, Geografia e Etnografia são as crônicas, cartas, informações escritas sobre o Brasil e os Brasis nesse primeiro contato com a civilização. São livros fundamentais. Os nossos “clássicos”, documentos do primeiro século.” E fazendo resumo histórico:

          Vieram os Jesuítas. Veio com eles a Virtude. Para os colonos, que a esqueciam e repudiavam, passada a Linha. Para os índios, canibais, intemperantes, sensuais, que jamais conheceram freio ou reserva. Não só a virtude, porém a justiça ou a equidade entre as duas raças – Brancos e Negros. Depois foram mestres e instruíram filhos de reinóis, os primeiros brasileiros, e instruíram os brasis, pais e filhos, forros e escravos, aprendendo a Língua da terra, e pela Gramática, a Lógica, o Latim, passando o Humanismo para chegar à Teologia Moral e à Filosofia. Educaram costumes, inteligência e sentidos. Mas não só a alma. Também o corpo. Os jesuítas foram edificadores de casas, igrejas, colégios, até de cidades.

Disse Capistrano de Abreu que “seria presunçoso quem pretendesse escrever a História do Brasil antes que se escrevesse a História da Companhia de Jesus no Brasil”. Esta tarefa foi realizada em dez volumes com mãos de mestre pelo Pe. Serafim Leite – outro elo da Companhia com esta Casa, pois sócio correspondente ocupando a Cadeira 1, cujo Patrono é Alexandre de Gusmão, ocupada posteriormente por Bartolomeu Mitre, Gonçalves Viana e Alberto de Oliveira. Os dez volumes da obra do Pe. Serafim Leite documentam a atividade da Companhia no Brasil e a contribuição fundamental que exerceu durante vários séculos.

É digno de nota também que a vossa posse transcorra no ano do quadricentenário da morte de José de Anchieta e tricentenário da morte de Antônio Vieira, dois jesuítas que escreveram páginas memoráveis da História do Brasil. Anchieta foi o autor da gramática da Língua Tupi e escreveu os poemas e versos que iniciaram o período da Literatura no Brasil. O Pe. Antônio Vieira, memorável orador sacro, escrevendo em linguagem perfeita, que ainda hoje nos encanta, seria representativo daqueles que cuidaram, nos termos do nosso estatuto centenário, da defesa da Língua e da Literatura Nacional.

O vosso ingresso na Academia Brasileira de Letras neste ano representa a ligação feliz dos feitos da Companhia de Jesus no panorama brasileiro e a contribuição que tem dado à Cultura de nosso País. Pertenceis a essa ilustre estirpe e aqui chegais com cabedal de trabalhos e como expressão de uma vida exemplar para participar de nossos trabalhos e trazer a contribuição de vosso sábio conselho e da vossa sólida cultura.

Afirmam os Evangelhos que “a Casa de Deus tem muitas moradas”, e vos sentireis bem na Academia, morada da Cultura e da Língua Brasileira. Não estais em ambiente estranho, pois conviveis com muitos dos nossos há algum tempo. Aqui está o vosso colega de sacerdócio, D. Lucas Moreira Neves, Cardeal Primaz do Brasil, e aqui estão dois expoentes do laicato católico, Candido Mendes e Tarcísio Padilha. Aqui está também a presença de Alceu Amoroso Lima, que aqui ingressou em 1935, por instâncias do Cardeal D. Sebastião Leme permanecendo até 1983, e se tornou um dos acadêmicos mais presentes no convívio das quintas-feiras, e se destacou em especial nas conferências que proferiu.

Aqui vos aguardavam os colegas da Comissão Afonso Arinos, companheiros que apreciaram naquele instante o vosso espírito de harmonizador de controvérsias: o nosso Decano Barbosa Lima Sobrinho, Jorge Amado, Miguel Reale, Eduardo Portella, Evaristo de Moraes Filho, Candido Mendes, Celso Furtado e o orador que ora vos recebe.

Aqui vos recebem os acadêmicos que cativastes na campanha eleitoral: Lygia Fagundes Telles e Geraldo França de Lima.

E do vosso longo e profícuo magistério aqui estão dois alunos, aguardando ouvir as vossas lições de hoje e de sempre, da Pontifícia Universidade Católica: a Presidente desta Casa, a acadêmica Nélida Piñon, e do Instituto Rio Branco, o nosso Confrade Sergio Paulo Rouanet.

E estaria alguém com a maior alegria, mas que se cansou de esperar... e foi embora. Quero crer que quando fostes me convocar na minha banca de advogado, onde pontificam dois expoentes da profissão, José Luiz Bulhões Pedreira e Antonio Fernando de Bulhões Carvalho, quisestes que representasse este vicariato afetivo e intelectual. Refiro-me ao grande patriota e nosso ilustre Confrade Afonso Arinos de Melo Franco.

Não há nesta Casa, Sr. Pe. Fernando Bastos de Ávila, cadeiras exclusivistas, mas algumas delas têm uma sequência harmoniosa. Ao tomar posse na Cadeira 17, Roquette-Pinto referiu-se à Cadeira dos professores, e a tradição se manteve com Álvaro Lins e o atual ocupante Antonio Houaiss. O saudoso confrade e meu querido amigo Marques Rebelo, ao empossar-se na Cadeira 9, mencionava a Cadeira dos cariocas, tradição mantida com o ingresso de nosso Confrade Carlos Chagas Filho. Ao assumir a Cadeira 25, denominei-a a Cadeira dos profissionais do Direito, pois, com exceção de José Lins do Rego, todos eles foram homens das Letras Jurídicas.

A Cadeira 15 na qual hoje vos empossais tem uma filiação perfeita de grandes poetas, de Gonçalves Dias Patrono, Olavo Bilac, primeiro ocupante, Amadeu Amaral, Guilherme de Almeida, o nosso querido Odylo Costa, filho, que tanta falta nos faz, e o saudoso D. Marcos Barbosa.

Ao serdes eleito, fizestes a confidência de que vos sentistes como uma ilha de Prosa num arquipélago de Poesia. Cometestes equívoco, pois a Poesia não está apenas nos versos dos vates, mas em todos os recantos da vida na qual os poetas se inspiram. A vossa vida também é uma lição de Poesia no estilo elegante em que escreveis vossos trabalhos, na permanente lição de vossa vida exemplar e na dedicação com os semelhantes, cujas dores e sofrimentos passam a ser os vossos. Do sentido emotivo e tocante de vossas homilias, já houve alguém, ao ouvir uma delas, a pedir que sejais o oficiante na missa de sétimo dia. O nosso Confrade Magalhães de Azeredo, no discurso de recepção ao vosso antecessor Amadeu Amaral, complementou esta ideia: “A Poesia é irmã gêmea da prece; são as duas asas da alma e a levantam do contingente ao absoluto, do transitório ao eterno.”

O nosso Confrade Josué Montello, quando da morte de D. Marcos Barbosa, comentou que

sempre que a Academia perde um dos seus membros, e esse companheiro soube ser um modelo de confrade, cada um de seus colegas naturalmente se interroga, sabendo que terá de escolher alguém que, pelo seu nome, por sua obra e seu bom convívio, corresponda ao acadêmico que se foi.

Tenho a impressão, se não a certeza, de que no pensamento do nosso Vice-Decano estava o vosso nome.

É hora de concluir, mas não o posso fazer, diante da beleza desta festa e da personalidade de nosso confrade, com minhas modestas e desataviadas palavras. Valho-me das expressões do grande Presidente Carlos de Laet ao receber D. Silvério Gomes Pimenta:

          Sacerdote de uma religião de paz, de concórdia e de bênçãos, grata vos seja a tolerância dos que não creem, e todavia vos elegeram; abençoa a nós, os que, apesar de tudo, ainda cremos immota fides, e a uns e outros cingi em amistoso amplexo, a todos os que congraçados vos recebemos, e com as modestas palmas de minhas palavras exornamos o vosso triunfo. Sede muito bem-vindo!

12 de novembro de 1997