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Emílio de Meneses

                      NOITE DE INSÔNIA

Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,

Onde este grande amor floriu, sincero e justo,

E unimos, ambos nós, o peito contra o peito.

Ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;

 

Este leito que aí está revolto assim, desfeito,

Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto.

Na ausência do teu corpo a que ele estava afeito.

Mudou-se, para mim, num leito de Procusto!...

 

Louco e só! Desvairado! A noite vai sem termo

E, estendendo, lá fora, as sombras augurais.

Envolve a Natureza e penetra o meu ermo.

 

E mal julgas talvez, quando, acaso, te vais,

Quanto me punge e corta o coração enfermo,

Este horrível temor de que não voltes mais!...

                                         (Poesias, 1909)

 

 

                                 ÚNICA

Fruto efêmero e hostil de um efêmero gozo,

Esta vida que arrasto, efêmera e improfícua,

Sinto-a embalde, e, debalde, entre pasmado e ansioso,

Sondo-a, palpo-a, examino-a, estudo-a, verifico-a.

 

E tudo quanto empreende o espírito curioso,

E tudo quanto apreende a análise perspícua

É o falso, é o vão, é o nulo, é o mau, é o pernicioso,

Por menos que a razão seja perversa ou iníqua.

 

Logo, por que pensar? Logo, porque no Sonho

Não havemos deixar correr a vida fátua.

Obrigando o Destino a ser calmo e risonho?

 

Por que só não amar: É culpa? Eis-me: resgato-a

Agora que a teus pés todo o meu ser deponho,

Como um vil pedestal à tua excelsa estátua!...

                                           (Poesias, 1909)

 

                              A ROMÃ

  A Sra. Gabi Coelho Neto

Mal se confrange na haste a corola sangrenta

E o punício vigor das pétalas descora.

Já no ovário fecundo e intumescido, aumenta

O escrínio em que retém os seus tesouros. Flora!

 

E ei-la exsurge a Romã. Fruta excelsa e opulenta

Que de acesos rubis os lóculos colora

E à casca orbicular, áurea e eritrina ostenta

O ouro do entardecer e o paunásio da aurora!

 

Fruta heráldica e real, em si, traz à coroa

Que o cálice da flor lhe pôs com o mesmo afago

Com que a Mãe Natureza os seres galardoa!

 

Porém a forma hostil, de arremesso e de estrago,

Lembra um dardo mortal que o espaço cruza e atroa

Nos prélios ancestrais de Roma e de Cartago!

                                     (Poesias, 1909)

 

                     ENVELHECENDO

Tomba às vezes meu ser. De tropeço a tropeço,

Unidos, alma e corpo, ambos rolando vão.

É o abismo e eu não sei se cresço ou se decresço

À proporção do mal, do bem à proporção.

 

Sobe às vezes meu ser. De arremesso a arremesso,

Unidos, estro e pulso, ambos fogem ao chão

E eu ora encaro a luz, ora à luz estremeço

E não sei onde o mal e o bem me levarão.

 

Fim, qual deles será? Qual deles é começo?

Prêmio, qual deles é? Qual deles é expiação?

Por qual deles ventura ou castigo mereço?

 

Ante o perpétuo sim, e ante o perpétuo não,

Do bem que sempre fiz, nunca busquei o preço,

Do mal que nunca fiz sofro a condenação.

                                (Últimas rimas, 1917)

 

                              A DÚVIDA

É nova a aparição, mas, sendo nova, é a mesma

Que há muito me procura e se me foge há muito!

Se a apalpo, ei-la a esgueirar-se em coleios de lesma,

Se a sigo, só lhe encontro um rastilho fortuito.

 

Para bem defini-la, embalde, resma a resma,

Todo o papel estrago. Em vão traço o circuito

Em que a devo prender. Se agora atra avantesma

Logo é jogral que ri num ridículo intuito.

 

Ora é duro pedrouço, ora é um frouxel de paina;

Ora o olhar amortece, ora lhe aviva o lume:

Ora agita as paixões, ora as paixões amaina.

 

O gesto do perdão e o gesto ultriz resume.

E eis-te mal esboçada em tua eterna faina.

Sócia eterna do Amor, fonte do eterno Ciúme.

                                 (Últimas rimas, 1917)

 

                          W. B.

Nem ótimo nem péssimo. Vai indo.

Personificação do meio-termo,

Veio das vascas do governo findo

E é um paliativo no país enfermo.

 

Ora galgando altura, ora caindo,

Ora na multidão, ora num ermo,

Alguns afirmam que é um talento lindo,

Outros que é um pobre e simples estafermo.

 

De livres-pensadores teve os votos,

Continuando entre os beatos e os devotos

A ser o que carrega a maior trouxa.

 

Da presidência, em meio à lufa-lufa,

Quanto mais se lhe bate - mais estufa,

Quanto mais se lhe aperta - mais afrouxa.

     (Mortalhas, os deuses em ceroulas, 1924)

 

                         C. DE F.

Dobradiça de mola e parafusos,

Abre a porta da escola à da caserna

E, em casos complicados e confusos,

Com a tarimba o gabinete alterna.

 

Dirige a pasta conhecendo os usos

E os segredos da tática moderna;

Governa a sós, não atendendo a intrusos,

Mas a vaidade, às vezes, o governa.

 

Tem serviços e estudos às centenas.

Bravo, se o instinto do guerreiro o guia,

Tem na paz qualidades não pequenas.

 

Porém, ó raio da burocracia!

Sendo Faria, o que ele faz é apenas,

Como ministro, o que qualquer... faria.

    (Mortalhas, os deuses em ceroulas, 1924)

 

                           L. M.

De uma magreza de evitar chuvisco,

Tem a altura fatal de um para-raio.

Tão alto que, se o aspecto lhe rabisco,

Na vertigem da altura até desmaio.

 

Hoje é o senhor do cobiçado aprisco

De tenros diplomatas em ensaio;

Astuto, na rijeza de obelisco,

Não nos encara, espia de soslaio.

 

De alma arguta e sagaz, nada quimérica,

Feita de tino e de sabedoria,

Tudo a seu ver é uma função numérica.

 

Mas de andar e viajar, tem a mania.

- Cometa diplomático da América.

- Judeu errante da diplomacia.

  (Mortalhas, os deuses em ceroulas, 1924)

 

                                  R. A.

Era ministro então. O Olavo e o Guima

Diziam que ele era o Morfeu da pasta,

E o dorminhoco andava em metro e rima

Na pilhéria que a tanta gente agasta.

 

Mas galgando o Catete, escada acima,

Num despertar febril, Morfeu arrasta

Todas as forças que a vontade anima,

Nos vastos planos de uma ideia vasta.

 

Tudo revive! A atividade é infrene.

São mutações de sonho! É o Eldorado,

É o Dinheiro na Estética e na Higiene!

 

Hoje, glorioso e um tanto fatigado

Não se deixa ficar calmo e solene

A dormir sobre os louros do passado.

 (Mortalhas, os deuses em ceroulas, 1924)