Ouvimos a lição de Eduardo Portella. Como sempre, um facho de luz, como sempre, lâmina de fogo que clareia inteligências. Ele diz o que sabe mas sabe ainda muito mais do que diz. Com ele falou a Academia. Deixem que eu fale agora para não parecer que o Presidente é menos do que possa parecer ou não passa de um mero pirronista.
Outra vez encontro-me aqui, na poltrona de Machado de Assis. Reconduzido pelas mãos de todos os Acadêmicos, cabe-me agradecer. Agradecer aos confrades a confiança renovada. Dizer obrigado a Maria do Carmo, filhos e netos, que, na medida de cada um, deram-me confiança para cumprir deveres que, como disse tempos atrás, podem ser servidão, mas indiscutivelmente, são servidão jubilosa. Sem a minha mulher não acontece nada, não sou nada. De tão irmanados que somos “que um não é sem o outro, na paisagem de filhos e trabalhos ajustados” como Drummond falou de Nazareth e Odylo Costa, filho. À Academia compete transformar sentimentos em ideias e ideias em ação. É assim que lhe cabe realizar destinos, mesmo com os espantos cotidianos e os riscos de desânimo.
Como admitir que o trabalho de uma casa de cultura perverta-se num fazedor de fraturas? Isso, não. A Academia está na boca do povo porque foi feita em mais de cem anos por quase trezentos brasileiros. Tínhamos que mostrar a que viemos. O Presidente portou-se como pregoeiro. Tão somente pregoeiro. Quem tudo fez foi a Academia. É obra de todos os seus membros. A mim ninguém peça para dizer se nestas passagens pela presidência fiz bem, fiz mal. No Quincas Borba está escrito que a vida não é completamente boa, nem completamente má. Só tenho certeza de que fiz como pude. A Academia deve trabalhar com parâmetros aquecidos, aqueles que sugerem vida. Viver é desenvolver, não é estacionar. E como a Academia não pode ser monocultural, que não desaprume a mão, que não despreze sopros de sonhos. Afinal de contas, é o ativo cultural mais destacado do País. A Academia não tem cara de “segunda mão”.
Karl Popper ensinou que a nobreza da História não reside no esgotamento, mas na manutenção de sua natureza inesgotável. Temos que seguir buscando essa natureza inesgotável de sua abertura ao sincretismo da diversidade.
A Academia não poderia ser apenas artesanal. Buscamos e obtivemos até parceria tecnológica contemporânea. A Academia não se rende aos antolhos do localismo, por isso pesquisa cartas de navegação para cruzar mundos. Só este ano 19 acadêmicos estiveram em missões culturais no Exterior, fazendo mais respeitados as ideias e os valores da nossa Casa. Estaremos cada vez mais juntos a outras culturas e a outras línguas, sem perder a noção de que é bom mostrarmos a individualidade de nossa expressão, sem conceder espaço a cacoetes tribalistas. Sempre digo – e agora, repito – sou insistente na esperança, não sou carente de sonhos. Aqui continuo pleno de sonhos e de esperanças. Retreinei os olhos para enxergar bem este momento.
Saibam todos, estou feliz da vida. As possíveis murmurações de incompreensão não me machucam, quando muito, me levam a conferir a trajetória. Vou prosseguir, vou continuar, mas sem continuismo. Vou prosseguir com a obra dos meus antecessores, vou persistir no apelo pela orientação e ajuda dos confrades. T.S. Eliot nos legou estes versos preciosos que vivem na minha mente como balisamento: “O ciclo sem fim da ideia e da ação, Insustentável invenção, interminável experimento, Conhece o movimento, não o repouso; O conhecimento das palavras, não o do silêncio: Conhecimento do verbo mas ignorância do mundo”.
Agradeço vivamente a Ana Maria Machado, a Domício Proença Filho, a Murilo Melo Filho e a Luiz Paulo Horta, a indormida participação no que me tocou conduzir. Eles continuarão, apenas o Luiz Paulo Horta passa o posto a Geraldo Holanda Cavalcanti e vai se dedicar, com a competência de todos reconhecida, àquilo que já cuidou ao longo desses anos: a pauta musical de nossa programação acadêmica.
Geraldo Holanda Cavalcanti nos dará o saber de experiência feito sua vida de cidadão do mundo. Quando, foi imperativo da saúde, afastei-me da Presidência, a doença me incomodava, contudo, acolitada pela dedicação de Domício Proença Filho, Ana Maria Machado me sossegava com a mão amiga e o braço forte, ambos tão úteis à gestão acadêmica.Em público proclamo, em público agradeço a sua participação relevante nos trabalhos deste ano. “Amigo é coisa prá se guardar debaixo de sete chaves” saibam, Ana Maria e Domício.
Agora, vamos continuar a trabalhar. Conto com o entusiasmo visível do nosso inteligente quadro de servidores, à frente Dona Carmen que, além de tudo o que já era, este ano acumulou ao ser humano excepcional, o ser também sinônimo de Sala. Vamos trabalhar e continuar a aprender. Afinal de contas temos que dar razão a Paulinho da Viola: As coisas estão no mundo, a gente é que precisa aprender.
Marcos Vinicios Vilaça
Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras
Proferido na sessão do dia 16 de dezembro de 2010