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Discurso na Última Sessão no Silogeu Brasileiro

DISCURSO DO SR. AUGUSTO DE LIMA




INDIVIDUALMENTE, e em tese, eu sou contrário a mudanças. Digo em tese, porque há casos em que a mudança é para melhor, como a das calçadas da rua para um alpendre, ou deste para uma habitação mais confortável, ou ainda, como a dos justos para a outra vida. Há casos também em que a mudança é um remédio, como a de um clima para outro. Há os em que ela é sem remédio, como nos de despejo ou incêndio. Sei ainda de muitas outras modalidades secundárias dessa crise de transição, que de quando em quando, e às vezes de modo inesperado, nos vêm abalar os hábitos sedentários.


Muito melhor nos lisonjeia o statu quo, porque não exige dispêndio de energia. Há, além disto, a estabilidade das tradições domésticas, a que estão ligadas as melhores lembranças, e essas tradições não se resignam facilmente, aos trambolhões das andorinhas de transporte, em traumatismo com o mobiliário. Elas ficam nas paredes, no teto, no ambiente abandonado, chorando em cada canto, como aquela saudade do soneto de Luís Guimarães. Falei em hábitos sedentários. É um fato o da nossa adaptação quase orgânica ao meio continuado. Melhor vivemos, melhor trabalhamos, melhor dormimos no ambiente familiar das cousas costumadas. Não há quem não estranhe a mudança de habitat. Conheço pessoalmente, do tempo em que fui chefe de polícia em Minas, o caso de um sentenciado que, extinta a pena, me foi pedir para continuar na prisão, por ter perdido os hábitos da vida livre. E eu compreendi que seria desumano e violento, se obrigasse esse infeliz a gozar de uma liberdade, que lhe era mais incômoda que a prisão.


A sabedoria popular, também, não gosta das mudanças e tem ditado o prolóquio – de que pedra movediça não cria limo, além de achar analogia entre a mudança e o incêndio. A mudança da Academia constitui, entretanto, uma das exceções à regra geral, em que declarei a minha aversão às mudanças; mas apresso-me em dizer que o seu caso não se inclui em nenhuma das exceções formuladas. Ela já tinha abrigo, embora não com muito conforto. Habituara-se aqui, bem conformada nos modestos apartamentos que lhe franqueou o Estado. Também não se dá o caso de incêndio, evidentemente; nem o de despejo, tendo a Academia a fortuna de ser inquilino de um senhorio que, além de lhe não exigir aluguéis, seria, galantemente, capaz de pagar-lhe a importância deles para continuar onde está. Nem é o caso da mudança de clima, porque a muito menos de um quilômetro fica a nova sede, beira-mar, como aqui, acariciada com a mesma brisa saudável da barra, e com o mesmo panorama da Glória, que, em qualquer sentido, é sempre grata à Academia.  Digo – em qualquer sentido, depois de excluído o malicioso.


Indo habitar um palácio, a Academia lucra com a mudança; mas nem assim deixará de estranhar a ausência deste meio domiciliar, onde não nasceu, é verdade, mas passou, desde a infância, quase toda a sua existência até hoje. Foi pelo menos nesta casa que a encontrei, na noite em que fui recebido, sob a presidência de Machado de Assis. Mas, já antes de mim, outros haviam sido aqui mesmo introduzidos: estes já se foram. Creio que dos novos como acadêmicos, eu sou o menos moço, embora qualquer gentil contestação, que presumo e comovido agradeço. Teria, por esse fato, direito a maior quinhão de saudade nesta partilha das ausências, se não me nutrisse a certeza de que a outros, que viveram mais na intimidade dos veteranos desaparecidos deste recinto, cabe quase tudo do espólio desta herança de tristeza. Eu ficarei com parte do usufruto dela, e dela mesma consolado, bem como do cansaço próprio das mudanças, com a bem fundada segurança de que vamos ficar livres, nas nossas futuras sessões, do ruído infernal dos bondes, automóveis e carroças, que, de passagem por essa curva de rua, cintando quase o nosso edifício, colaboravam em todos os nossos trabalhos.


Que nos perdoem este desafogo as sombras de nós mesmos, reflexos de nossas almas saudosas, que vamos deixar neste salão.

Acadêmico relacionado : 
Augusto de Lima