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"Ler teatro exige disposição especial, o leitor cria o espetáculo na cabeça"

 

Um dos maiores críticos de teatro do país, belo-horizontino, o Acadêmico Sábato Magaldi, 81 anos, confessa que não vem muito à cidade natal. "Há muito tempo, só volto a Belo Horizonte quando morre alguém da família", frisa o ensaísta, por e-mail, de São Paulo (SP), onde mora desde a década de 1950.

Amanhã, a partir de 19h30, graças a Deus, não há nenhum velório no caminho de Magaldi, que autografa seu mais recente livro, "Teatro Em Foco", publicado pela editora Perspectiva, na sede da Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1.466).

O crítico e pesquisador participa do projeto "Bate-Papo Com O Autor", que tem entrada franca e apoio do HOJE EM DIA. Os 50 primeiros exemplares da obra serão vendidos a R$ 5, preço subsidiado pela AML.

Membro da Academia Brasileira de Letras desde 1994, Sábato Magaldi discorre, neste proseio virtual, sobre temas como o descaso governamental para as artes cênicas, a dificuldade do mercado editorial em publicar obras ligadas à dramaturgia, as interferências da televisão no universo cênico.

O autor fala, claro, sobre a capital mineira dos anos 1940 e 1950, quando, ao lado de intelectuais como Wilson Figueiredo, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Edmur Fonseca, Hélio Pellegrino, Jacques do Prado Brandão, Octávio Mello Alvarenga, Francisco Iglésias, Pontes de Paula Lima, Fritz Teixeira de Salles e João Etienne Filho, foi um dos artífices da célebre revista "Edifício".

No seu livro, o senhor aponta o descaso governamental com relação às artes cênicas. O que a classe teatral pode fazer para melhorar este panorama?

A classe deve dirigir-se às autoridades, com argumentos sólidos e exigindo que o governo cumpra seu dever previsto na Constituição. Na Europa, o teatro é subvencionado pelo governo e, nos Estados Unidos, por numerosas fundações. Aqui, o Ministério da Cultura repassou a obrigação para a iniciativa privada. E os atores foram obrigados a mendigar patrocínios. É um milagre que ainda exista teatro no país.


Seu livro é um oásis em um mercado editorial em que o teatro não é tratado com o devido respeito. Por que, no Brasil, o texto das peças não é publicado com freqüencia, o mesmo valendo para os ensaios, embora haja pequena retomada nos últimos anos, ainda que insuficiente para dar conta de uma demanda ampla? Temos também um problema sério de documentação. Como analisa a questão?

Há anos, venho juntando artigos publicados esparsamente. Tenho dezesseis títulos, o que me transforma no crítico que mais publicou livros sobre teatro no Brasil. As editoras, em geral, não acreditam no retorno do capital investido com a edição de peças. Dirijo na Global Editora uma coleção que se chama "Melhor Teatro". Foram editadas as melhores peças de Domingos de Oliveira, Vianinha, Gianfrancesco Guarnieri, Maria Adelaide Amaral. Juca de Oliveira está no prelo. Mas, se foi uma atitude heróica, hoje vários volumes estão com algumas reedições. Na Europa, especialmente na França, as edições são numerosas mas vendem pouco também, e as tiragens não são maiores do que três mil exemplares. Como aqui. Ler teatro exige uma disposição especial. O leitor cria o espetáculo na sua cabeça.

Com a dificuldade de captação de patrocínios, muitos monólogos vêm sendo encenados. Até que ponto esses monólogos são mais uma necessidade mercadológica que o desejo narcisista de certos atores?

Entendo que alguns atores, por dificuldades de organizar um elenco, se realizam por meio do monólogo. Mas, em geral, ele é um puro sintoma de vaidade. Teatro é e sempre foi diálogo.

O senhor escreve há muitos anos um diário. Há possibilidade de vir à tona?

Tenho cinqüenta volumes manuscritos, com 400 páginas cada um. É um registro da vida teatral. Costumo sempre anotar as primeiras impressões após assistir um espetáculo. Poderão ser consultados vinte anos depois da minha morte. Não foram escritos com o rigor necessário para serem publicados.

Outro problema sério na produção teatral brasileira atual é o excesso de remontagens, sobretudo das décadas de 1980 e 1990. Até que ponto esta situação não esconde algo mais grave: a ausência de bons textos novos?

Não acredito nessa ausência. Vivo recebendo bons textos que nunca são montados. Como as produções, em geral, são dos próprios atores, penso que o sucesso de montagens anteriores explica a repetição. Há sempre o medo de investir num trabalho incerto. Os autores costumam se queixar de que os atores não lêem os textos enviados.

Muitos atores brasileiros aproveitam a divulgação de seus papéis na televisão e gestam um teatro de qualidade discutível, mais centrado em seus próprios nomes que na essência das peças. Como vê esta força da tevê sobre o teatro no país?

Ainda bem que a televisão existe, pois permite aos atores a montagem de espetáculos que se valem da popularidade de seus personagens. Também não estou concordando com o "teatro de qualidade discutível". Eva Wilma, Irene Ravache, Marieta Severo, Marco Nanini, Wagner Moura, Andréa Beltrão, para citar apenas alguns nomes, têm atuado em espetáculos de boa qualidade. Além disso, a TV Globo publica uma página por semana em jornais de grande circulação apoiando e divulgando teatro.

Belo Horizonte é uma cidade que representa, antes de mais nada, a exegese da memória para o senhor, que estudou no Colégio Marconi, jogava pingue-pongue e nadava no Minas Tênis Clube, estudou Direito na UFMG e foi da geração de intelectuais que ajudou a erguer "Edifício", revista literária tão importante nas letras brasileiras, mesmo regional. Qual é o significado de revisitar a cidade?

Há muito tempo só volto a Belo Horizonte quando morre alguém da família. O Festival Internacional de Teatro da cidade me convidou anos atrás. Voltei também quando a Mamélia Dorneles dirigiu "Bolo de Nozes", da minha mulher, Edla van Steen. Minas Gerais me é muito querida. Se eu pudesse, voltaria com mais freqüência. Apesar de ter 81 anos, levo uma vida muito ativa, escrevendo e frequëntando a Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, desde que fui eleito, em 1994.

Como vê projetos como o "Bate-Papo Com o Autor", da Academia Mineira de Letras, que buscam a formação de leitores e a divulgação dos livros?

Por todos os motivos, aplaudo essa iniciativa. E fiquei honrado com o convite para vir este mês. Vou ter a satisfação de conhecer a Academia Mineira de Letras, que abriga muitos amigos meus.

Trecho de "Teatro em Foco"

"Abro este novo livro tomado de profunda melancolia. Até mesmo, durante a terrível ditadura, existiam um Serviço Nacional de Teatro e, em São Paulo, uma Comissão Estadual de Teatro que, não obstante a estúpida censura, patrocinavam a atividade cênica, proporcionando-lhe subsídios que resultavam em bons espetáculos.

Veio, depois, o neoliberalismo, preocupado, sobretudo, em enriquecer mais os milionários, dando suas costas à cultura. Procedimento que, estranhamente, prossegue no suposto regime popular dos nossos dias (...).

Se não houver mudança radical na postura de hoje, o teatro correrá o risco de ser lembrado como um estranho passatempo da nossa velhice. E adquirirá o sabor nostálgico de uma riqueza que se perdeu"

Entrevista do Repórter Alécio Cunha para o Jornal Hoje Em Dia (MG) - 01/10/2008

 

02/10/2008 - Atualizada em 01/10/2008