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ABL na mídia - O Globo - Conheça o hospital do SUS no Rio que faz cirurgias de alta complexidade no cérebro, tem aparelhos de ponta e pesquisas

 

Livro na mão, o experiente neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho não disfarça a empolgação. Como quem mostra o álbum das crianças a uma visita, ele se debruça sobre a mesa e aponta detalhes da publicação que documenta o surgimento, há 11 anos, do Instituto Estadual do Cérebro (IEC). Nas muitas fotos, o que se vê são apenas vigas, vergalhões e tijolos à mostra. Quase nada ali remete à realidade atual do espaço, que fica meio escondido numa rua estreita do Centro do Rio. Em pouco mais de uma década, o IEC se tornou referência em neurocirurgia no país, com o desenvolvimento de pesquisa de ponta na área, emprego de equipamentos de alta tecnologia e a realização de 200 procedimentos de alta complexidade por mês. Todos pelo SUS.

— O Rio não tinha um lugar de referência para casos de alta complexidade neurológica. A tecnologia hoje, neste campo, muda todo dia e é de alto custo. Nós temos aqui um aparelho chamado Gamma Knife, por exemplo, que faz radiocirurgia com precisão milimétrica, só serve para o cérebro e custa US$ 7 milhões (R$ 39 milhões). Não dá para ter um aparelho desse em cada hospital; você tem que concentrar essa tecnologia em um lugar — explica Paulo Niemeyer Filho, que exerce o cargo de diretor médico da unidade. — No Brasil existem quatro desses, mas todos em hospitais particulares. O único público está aqui.

Concebido inicialmente para ser um hospital especializado em cérebro com capacidade para mil cirurgias por ano — hoje já são quase 2,4 mil —, o projeto foi transformado por sugestão e insistência dos médicos que acompanharam sua criação.

— Nós achamos que não seria razoável ter esse número de cirurgias e terminar nisso. Decidimos ampliar, mudar o nome que seria Hospital do Cérebro, como se vê nessas fotos antigas, para Instituto do Cérebro e assim incluir a parte de ensino, de treinamento, de formação de conhecimento. Não pode operar mil doentes e terminar nisso, esses mil doentes têm que virar conhecimento — diz Niemeyer, novamente mostrando as imagens no livro.

Tumor em laboratório

O resultado é que hoje o IEC — que é administrado pela OS Instituto de Desenvolvimento, Ensino e Assistência à Saúde (Ideas), contratada pelo governo do estado — conduz pesquisas inéditas no Brasil como a que reproduz em laboratório tumores de glioblastoma, um tipo bastante agressivo de câncer que afeta sobretudo o cérebro. No estudo, liderado por cientistas do instituto em parceria com pesquisadores da Universidade de Paris VI, na França, pedaços microscópicos do tumor são agitados em equipamento próprio até que se reagrupam formando uma espécie de clone do tumor vivo.

— Desta forma, conseguimos testar formas de combater o tumor para saber o que funciona melhor. Conseguimos separar as células que queremos trabalhar. Tratando a célula de maneira isolada, podemos atacá-la e descobrir qual irá morrer, com o ataque de um vírus ou com o medicamento mais efetivo para combater o tumor — explica o professor Vivaldo Moura Neto, diretor de Pesquisa do IEC.

Outra linha de pesquisa trabalhada no instituto busca compreender de que forma o zika vírus pode ajudar a combater tumores.

— Na crise do zika vírus, as crianças começaram a nascer com microcefalia. No Rio, o IEC virou o centro de referência. Fizemos uma programação tão bem feita que o Ministério da Saúde assumiu como padrão nacional — diz Niemeyer Filho.

A partir do trabalho realizado, foi constado que o vírus tinha preferência pelas células-tronco cerebrais, o que prejudicava o desenvolvimento do cérebro. Baseado nessas observações, surgiu a hipótese de que o vírus poderia ser usado para combater os tumores, cuja formação se dá nesse tipo de célula. O caso específico de uma paciente chamou a atenção dos pesquisadores do IEC.

— Ela tinha uma forma de câncer altamente agressiva, que dá uma sobrevida, normalmente, de um a um ano e meio. Acontece que no pós-operatório ela teve zika, e o tumor sumiu. Isso já tem sete anos. Todo ano ela faz uma ressonância e não tem nenhum sinal. Então nós publicamos isso numa revista estrangeira. Não podemos afirmar que foi o vírus da zika, mas essa é a suspeita. É mais um reforço para nós nos empenharmos na pesquisa — diz Niemeyer, lembrando que há linha de pesquisa semelhante a respeito em andamento na Universidade de São Paulo (USP).

Dessa forma a garantir material de estudo para pesquisas em andamento e as que ainda possam surgir, o IEC conta com dois robustos congeladores onde amostras de tumores, armazenadas a 80 graus negativos, aguardam pela curiosidade e o espírito científico de pesquisadores e estudantes.

Além das 200 cirurgias mensais nas cinco salas disponíveis no centro cirúrgico, que conta com um aparelho de ressonância magnética — o que não é comum e permite a realização da verificação imediata do sucesso de uma intervenção ou a necessidade de continuar com o procedimento —, o IEC realiza ainda cerca de dois mil atendimentos ambulatoriais por mês. São 110 leitos disponíveis: 44 de UTIs, 15 de UTIs pediátricas e neonatais; 39 na enfermaria para adultos; dez na enfermaria para crianças e recém-nascidos e dois leitos especialmente para tratamento de epilepsia. O instituto conta com 35 neurocirurgiões e 20 médicos residentes.

Sem emergência aberta

O IEC não tem atendimento de emergência. Não são realizados procedimentos em casos de traumas causados por acidentes, nem cirurgia de coluna. O acesso dos pacientes se dá via sistema de regulação a partir da Secretaria estadual de Saúde e do Ministério da Saúde.

A maior parte dos pacientes recebidos pelo instituto é do Estado do Rio, mas há atendimento a casos de todo o país. Um deles, há dois anos, teve repercussão mundial. Nascidos unidos pelo cérebro, os gêmeos Arthur e Bernardo, de Boa Vista, Roraima, foram separados após nove cirurgias realizadas no IEC.

Quem consegue ingressar no Instituto do Cérebro é só elogios. Manuel Soares Silva, de 54 anos, teve um tumor na hipófise (glândula na base do cérebro) operado na unidade há dez anos.

— Aqui é Primeiro Mundo. Eu tive muita sorte, agora venho todo ano fazer acompanhamento. E não é só tecnologia que tem aqui. O tratamento humano é muito importante, muito especial — elogia Silva, morador de Japeri, na Baixada Fluminense.

O nome completo da unidade é Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, homenagem a uma das maiores personalidades da neurocirurgia brasileira, morto em 2004, e pai do diretor médico do IEC.

— Meu pai mereceu essa homenagem. Ele deve estar invejoso lá de cima de ver a qualidade do trabalho que a gente está fazendo aqui, ele que fez tudo em uma época em que nada disso existia — diz Paulo Niemeyer Filho.

Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/07/22/de-referencia-e-do-sus-instituto-do-cerebro-se-destaca-com-aparelhos-de-ponta-pesquisas-e-cirurgias-de-alta-complexidade.ghtml

22/07/2024