Hoje, quinta-feira, 10 de Julho de 2025, a Academia Brasileira de Letras escolhe quem será o próximo ou a próxima imortal a sentar-se na cadeira de número 33, cujo último ocupante foi o filólogo Evanildo Bechara, que a assumiu há 25 anos e faleceu no último dia 22 de maio. Isso significa que este é um daqueles textos que já nascem velhos, pois a depender da hora que você estiver lendo este texto, talvez já tenhamos alguma das duas candidatas — Ana Maria Gonçalves e Eliane Potiguara — eleita … ou não, pois a fila é grande.
Também estão na lista na dança das cadeiras do assento 33, Ruy da Penha Lobo, Wander Lourenço de Oliveira, José Antônio Spencer Hartmann Júnior, Remilson Soares Candeia, João Calazans Filho, Célia Prado, Denilson Marques da Silva, Gilmar Cardoso, Roberto Numeriano, Aurea Domenech e Martinho Ramalho de Melo.
Vamos exercitar o otimismo e trabalhar com o sim para Eliane ou Ana Maria. Qualquer das duas que tome como sua a cadeira 33, será pioneira. A primeira negra ou a primeira indígena a vestir aquele fardão bordado a ouro. Acostumamos a ver instituições como a ABL como planetas muito distantes, através de um telescópio, uma lente, que por vezes aumenta ou embaça a visão. A academia presidida pela primeira vez por Machado de Assis é vista pelas novas gerações como algo a ser celebrado, mas sem saber ao certo o porquê.
Talvez o valor simbólico, o prestígio e o lado glamouroso de ser membro da ABL turve para esses jovens a imagem de referência que a Academia é para a língua falada no Brasil, construída ao longo de séculos influenciada fortemente por uma diáspora negra e por um pertencimento indígena. Uma nação que tem sua identidade grandemente forjada no que se fala, escreve e lê e, principalmente, em como se faz isso.
Não é segredo para ninguém que o papel de ser o padrão a ser seguido sempre coube institucionalmente aos membros da elite e estes nunca foram pessoas negras ou indígenas. A ABL foi por longuíssimo tempo apenas mais uma confirmação deste fato. No entanto, o século 21, como dizem, chegou chegando. Trazendo finalmente à tona expoentes de outras camadas da população que têm muito a dizer e de maneiras inventivas, propondo vozes, estéticas, gramáticas, reflexões, conceitos e a instituição mais aclamada quando o assunto é literatura não ficou imune a tudo isso.
É inegável que está em curso um movimento de aproximação com a sociedade que efetivamente constrói a nação e faz da língua algo vivo, cheio de colorações as mais diversas e em movimento incessante.
A eleição de hoje —, com Eliane ou Ana ganhadoras ou não —, traz perguntas que apenas o futuro próximo dirá. Está este espaço preparado para debater e ampliar o conceito de cânone, ou seja, aquele conjunto de obras ou autores considerados relevantes e exemplares para a cultura brasileira? Estará pronto para se pensar e perceber como agente da construção de um país plural? Para verdadeiramente acolher a alteridade brasileira, para além da eleição deste ou daquele autor ou autora?
Conceição Evaristo, que em 2017 foi alvo de uma grande campanha para a sua entrada na ABL, generosamente sempre repete que o importante não é ser a primeira ou primeiro em algo, mas abrir novas perspectivas. A missão está sendo cumprida, pois a singela candidatura de Conceição abriu a porteira do pensamento, dos desejos e das realizações. Aquela campanha certamente incomodou profundamente, provocou debates acalorados contra e a favor da candidatura, contra e a favor à ABL… mas lançou bases para que um grupo olhasse para a Academia e pensasse: “Realmente… por que não?!”. Afinal, não é disto que é feita uma democracia? Da maturidade para a convivência com dissenso?
Desde então Gilberto Gil, Fernanda Montenegro, Ailton Krenak, Lilia Schwarcz, Míriam Leitão e outros assumiram cadeiras na ABL. Esperemos que este texto encontre a imortalidade de Eliane ou Ana Maria na memória do Brasil. Que possam, em um mundo angustiante, violento e, como disse Clarice Lispector, “profundamente mortal” para as nossas e os nossos jovens negros indígenas, em alguma medida inspirar.
É disso que se trata: Referência, mudança e inspiração. A guerra da palavra contra a morte simbólica e literal.
Ana Maria Gonçalves, de 55 anos, é autora do livro ‘Um defeito de cor’, um clássico brasileiro contemporâneo de quase mil páginas que já é considerado um clássico da literatura antirracista. Tema do carnaval da tradicional escola de samba Portela, em 2024, o romance também foi apontado em lista organizada pelo jornal Folha de São Paulo como o mais importante da literatura brasileira no século 21 até o momento.
Eliane Potiguara, de 74 anos, é uma grande referência da literatura indígena brasileira. A autora de títulos como A Terra é a Mãe do Índio e Metade Cara, Metade Máscara, Eliane é importante voz, no Brasil e no exterior, do ativismo pelos direitos dos povos originários – sobretudo das mulheres. Ela foi casada com o cantor e compositor Taiguara (1945-1996), com quem teve três filhos.
Matéria na íntegra: https://iclnoticias.com.br/a-posse-da-palavra-e-a-luta-contra-a-morte/
10/07/2025