Mas também é um autor que bate ponto quatro vezes por semana em um jornal sediado em São Paulo, esta Folha, e publica com surpreendente regularidade em uma editora de DNA paulistano, a Companhia das Letras. A casa o abraçou desde a estreia com "Chega de Saudade", que já abordava o personagem que lhe rendeu o prêmio de melhor livro do ano nesta segunda, o carioquíssimo Tom Jobim.
É um aceno aos dois lados da via Dutra —e Castro não tem pouca estrada. Imortal da Academia Brasileira de Letras, é um biógrafo tão celebrado que já escreveu um livro influente ensinando a fazer biografias. Já ganhou esse mesmo prêmio de livro do ano, quando era dividido entre ficção e não ficção, por seus trabalhos sobre Garrincha e Carmen Miranda.
Se agora a vitória foi como cronista, há meros dois anos ele foi eleito em romance literário por uma de suas incursões bissextas no gênero, "Os Perigos do Imperador" —ambientado, claro, no Rio. Difícil encontrar alguém mais reconhecido por seus livros que Castro.
O choque é ele não ter sido o vencedor mais famoso da noite. Tony Bellotto, premiado com seu primeiro Jabuti, divide a caneta de escritor com a guitarra dos Titãs há três décadas e está acostumado a ver multidões gritando seu nome com bem mais frequência que nas bienais do livro.
Autor de mais de dez romances, ele é conhecido nas livrarias pela série noir do detetive Bellini. "Vento em Setembro" trouxe a consagração literária ao artista de 65 anos, algo que se refletia no sorriso estampado em seu rosto conforme ele subia ao palco do Theatro Municipal sob os flashes orgulhosos de sua esposa, a atriz Malu Mader.
Foram duas vitórias importantes da editora que dominou a noite —o grupo Companhia das Letras, casa de maior porte do país, levou 7 das 21 categorias possíveis, sem contar o troféu de livro do ano.
Se parece que o Jabuti é uma máquina de reforçar o mainstream literário, olhe a editora que ficou em segundo lugar e pense um pouco mais. A Patuá, casa independente do paulista Eduardo Lacerda, conhecido por bancar novos autores e garimpar talentos como joias, foi aos holofotes duas vezes —nenhuma outra editora teve mais de uma vitória.
Primeiro, foi com o livro de contos "Dores em Salva", em que o geriatra pernambucano Elimário Cardozo cria histórias em torno de acidentes, propulsores de mudanças. Depois, com o romance de entretenimento "As Fronteiras de Oline", de Rafael Zoehler, gaúcho criado em Manaus que bateu favoritos como Raphael Montes. O livro é a trama fantástica de um homem cujo trabalho é manter fixos os limites entre dois países —tipo de obra que pode e deve multiplicar seu leitorado com um prêmio como esse.
As categorias de estreantes também estavam cheias de editoras pequenas. Como romancista, ganhou o mineiro Marcelo Henrique Silva por "Sangue Neon", editado pela Faria e Silva; e o melhor poeta foi o baiano Luis Osete, publicando na pernambucana Cepe.
É difícil encontrar tendências unívocas no Jabuti porque as categorias são votadas por corpos de jurados extremamente diferentes, com formações e experiências distintas, assim como seu nível de dedicação.
Os livros de cada categoria são selecionados por três pessoas convidadas pela curadoria do prêmio. Elas dão notas apenas uma vez às obras, de acordo com critérios previamente sugeridos, e a partir dessas avaliações são recortados os finalistas e os vencedores, sem nova deliberação. O lançamento com maior nota entre todos, nos eixos de literatura e não ficção, é consagrado o livro do ano.
Um padrão que se observou agora foi que, na seção de literatura, nenhuma escritora foi premiada. Mesmo que as mulheres tomem cada vez mais espaço no mercado editorial, a única que aparece como ganhadora é Marilda Castanha, que ilustrou o infantil "Estações", escrito por Daniel Munduruku para a Moderna.
Entre os livros de não ficção, a autoria feminina foi um pouco mais aplaudida, caso da jornalista Daniela Arbex e seu livro-reportagem "Longe do Ninho", da Intrínseca, e da psicanalista Vera Iaconelli e a coletânea "Felicidade Ordinária", editada na Zahar e originada em textos publicados nesta Folha.
Já o designer Kiko Farkas ganhou duas vezes na mesma noite, como um dos organizadores da homenagem a Thomaz Farkas no Instituto Moreira Salles e como capista do livro de poemas "Acrobata". Esse volume da poeta Alice Sant’Anna, a propósito, integra na Companhia das Letras a mesma linha editorial do vencedor de poesia, "Respiro", indicação póstuma de Armando Freitas Filho. Se a sensibilidade dessas escolhas culminam próximas, os votos foram independentes, de júris que não se conversaram.
Dá para gostar ou não de cada resultado. Mas antes de atirar pedras ou louros, preste atenção em quais cabeças dessa imensa hidra de Lerna você deve mirar.
Livro do ano
'O Ouvidor do Brasil: 99 Vezes Tom Jobim', de Ruy Castro | editora: Companhia das Letras
Eixo: Literatura
Conto
'Dores em Salva', de Elimário Cardozo | editora: Patuá
Crônica
'O Ouvidor do Brasil: 99 Vezes Tom Jobim', de Ruy Castro | editora: Companhia das Letras
Histórias em Quadrinhos
'Mais uma História para o Velho Smith', de Orlandeli | editora: Gambatte
'Estações', de Daniel Munduruku, Marilda Castanha | editora: Moderna
Juvenil
'O Silêncio de Kazuki', de André Kondo | editora: Telucazu Edições
Poesia
Romance de Entretenimento
'As Fronteiras de Oline', de Rafael Zoehler | editora: Patuá
Romance Literário
'Vento em Setembro', de Tony Bellotto | editora: Companhia das Letras
Eixo: Não Ficção
Artes
'Thomaz Farkas, Todomundo', de Juliano Gomes, Kiko Farkas, Rosely Nakagawa, Sergio Burgi (organizadores) | editora: Instituto Moreira Salles
Biografia e Reportagem
'Longe do Ninho', de Daniela Arbex | editora: Intrínseca
Economia Criativa
Educação
'Letramento Racial: Uma Proposta de Reconstrução da Democracia Brasileira', de Adilson José Moreira | editora: Contracorrente
Negócios
'A Essência de Empreender: Como Foi Construído o Grupo Boticário, um dos Maiores Ecossistemas de Beleza do Brasil', de Miguel Krigsner | editora: Portfolio-Penguin
'Felicidade Ordinária', de Vera Iaconelli | editora: Zahar
Eixo: Produção Editorial
Capa
'Acrobata', por Kiko Farkas | editora: Companhia das Letras
Ilustração
Projeto Gráfico
'Palavra', por Felipe Carnevalli, Paula Lobato, Vitor Cesar | editora: Instituto Tomie Ohtake
Tradução
'Byron: Poemas, Cartas, Diários & C.', por André Vallias | editora: Perspectiva