Entre as perguntas que todo brasileiro já se fez em algum momento de sua vida, “Capitu traiu Bentinho?” certamente é uma das mais populares. Em Dom Casmurro, romance de Machado de Assis lançado em 1900, a história de amor entre os jovens Capitu e Bentinho se torna, ao longo dos anos, uma narrativa sobre paranoia, desconfiança e ciúmes.
Qualquer fã de literatura brasileira já se questionou sobre a veracidade dos sentimentos e suspeitas do protagonista da obra, mas engana-se quem acredita que esse mistério é a única razão do sucesso do livro.
O romance Machado de Assis é considerado revolucionário para a literatura brasileira, e segue sendo tema de aulas para ensino fundamental e médio e cobrado em provas de vestibular por todo o País. O que o torna tão especial?
O Estadão conversou com especialistas em literatura brasileira e na obra de Machado de Assis para entender por que a leitura do clássico é tão importante, seja para quem vai prestar vestibular, para quem é fã de literatura ou para quem gosta de uma boa história.
Por que ler ‘Dom Casmurro’?
Para Wilton José Marques, professor de literatura brasileira da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor de Machado de Assis e as Primeiras Incertezas (Alameda, 2022), trata-se de uma “forma privilegiada de se ter acesso ao aprendizado humano”.
“No caso específico deste romance, para entender como o ciúme doentio do personagem narrador estrutura o próprio andamento narrativo, é preciso que o leitor, acima de tudo, se atente para todos os detalhes do enredo, que às vezes podem passar desapercebidos”, diz o pesquisador.
Já Luiza Helena Damiani Aguilar, mestre em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) com a dissertação Machado de Assis em jornal e livro: diferentes suportes e sentidos dos três contos de Papéis Avulsos publicados antes de Memórias Póstumas de Brás Cubas (2020), entende que, apesar da possível traição de Capitu ser a “maior polêmica de nossa literatura”, o leitor atento encontrará inúmeros outros temas no livro.
“Além dos elementos relativos aos ciúmes ou ao adultério, o romance também toca em questões como o papel da mulher na sociedade oitocentista, discussão trabalhada não só com a figura de Capitu, como também a de Dona Glória e, mais marginalmente, de Dona Fortunata e de Sancha; ou a mobilidade social, já que, apesar de vizinhos, a família Pádua enfrenta dificuldades financeiras, diferentemente dos Santiago”, explica Luiza.
“A desigualdade social, aliás, é central para a digressão realizada nos capítulos sobre Manduca, jovem doente, pobre e um dos moradores da rua de Mata-cavalos com quem Bentinho travara uma breve relação discutindo a guerra da Crimeia: o seminarista é impedido de frequentar o enterro de Manduca porque isso seria dar ao evento o ‘lustre de sua pessoa’”, reflete a pesquisadora.
Para Luana Chnaiderman, escritora e professora de língua portuguesa, quem se aventurar pelas páginas de Dom Casmurro encontrará uma boa história, com personagens e temas que ainda são reconhecíveis atualmente.
“Há muitos Bentinhos por aí, homens herdeiros, bonachões, bem humorados, com uma cultura superficial, que estudaram pouco mas se diplomaram muito e que são, por trás de um lustre culto e engraçado, extremamente violentos e autoritários”, explica a professora.
Ela, no entanto, ressalta a complexidade das personagens presentes na obra de Machado. “Note que mesmo essa descrição que estou fazendo do Bentinho - este homem que ao final da vida não é mais Bentinho e sim o Dom Casmurro, aquele que se fechou e é um homem solitário e fechado que vai narrar a história do porquê dessa transformação", ressalta Luana.
Por fim, João Cezar de Castro Rocha, escritor e historiador, autor de Machado de Assis: Por uma Poética da Emulação (Civilização Brasileira, 2013), entende que a reflexão proposta pelo escritor brasileiro só encontra paralelo na obra de outro gênio da literatura — William Shakespeare
“O ciúme é uma questão muito mais epistemológica do que psicológica. Ou seja, o ciumento é alguém que radicalmente não sabe se algo de fato teve lugar. Daí, ele se torna um fabulador involuntário de fantasias de adultério. E quanto menos evidências encontra, mais histórias imagina!”, pontua Castro Rocha.
Matéria na íntegra: https://www.estadao.com.br/cultura/literatura/por-que-ler-dom-casmurro-livro-de-machado-de-assis-que-gera-debate-ha-125-anos-nprec/
27/03/2025