Neste belo domingo de sol etc. etc., ia começando outra vez, mas me bateu algo que tenho de dizer antes, praticamente por uma questão de educação. Muita gente, notadamente alguns estrangeiros que vivem no Brasil e lêem português bem, ficou baratinada com os dois primeiros parágrafos da coluna passada. Desculpem, por favor, sobretudo os que tomaram tranqüilizantes achando que a Imprensa brasileira estava sendo inopinadamente ocupada por loucos e os que se encontram com a musculatura dolorida por levarem aquilo excessivamente a sério e terem levantado dicionários em demasia, mesmo em dia de exercício. O marido holandês de uma amiga nossa teve um princípio de crise nervosa e minha irmã me telefonou da Bahia querendo o número de meu psiquiatra e perguntando se eu já considerara a hipótese de ter recebido um caboclo ou coisa assim - o que, aliás, me levou a indagar se ela estava me estranhando, pois que eu não recebo nem nunca recebi nada, nem no concreto nem no figurado, é bom deixar isto bem claro. Desculpem, não torno a outra, embora, baiano sendo, não possa garantir, já que a baianada vive tomando intimidades descabidas com a língua.
Mas, ia dizendo eu, neste belo comingo de sol, com tudo a que tenho direito e se o Senhor foi servido, estou em Itaparica, na companhia de meus amigos Beto Atlântico, rico milionário e renomado esportista oceânico, Toinho Sabacu, filósofo estóico com acentuadas influências de Sêneca e, last but never least, Zecamunista, que adiou um comício que vai fazer em Itabuna sobre a transformação dos castelos (baiano chama bordel de castelo, lá todo mundo é nobre) em cooperativas das profissionais que neles militam, com socialização dos lucros e previdência privada, entre outras dezenas de reivindicações. Antes do fim do ano, ele já deverá inaugurar a sede provisória da Fundação para a Defesa da Mulher-Dama Desamparada, a Fudemedê, e a iniciativa já encontra apoio em todo o país e de todos os setores. Acho até que uma das intenções dele é me convidar para discursar na cerimônia, o que não deixa de me atrair um pouco, pois penso na possibilidade de encher a boca e dizer que sou o primeiro escritor na história deste país a subir no palanque para defender a sofrida categoria das mulheres-damas e raparigas e o maior escritor da História a fazer a mesma coisa, incluindo o grande romancista grego Almero, que botou na princesa Suelena a culpa pela guerra de Trolha.
Não creio que, mesmo com a presença do militante, orador e polemista Zecamunista, a política ocupe parte muito significativa das tertúlias. Vicente levou novamente a prefeitura e deve ter feito maioria na Câmara, ele é danado. E é manda-chuva local há muito tempo. Quando eu morava lá, lhe fazia um pouco de oposição, mas na base da lealdade, sem falarmos mal um do outro em público (dentro da casa dele e da minha é outra coisa e eu acho que tanto ele quanto eu, desde essa época, andamos com as orelhas meio empretecidas, como se tivessem sido queimadas) e, pelo contrário, nos dando muito cordialmente, até porque ele é afilhado de meu avô e as famílias sempre tiveram aproximação. E, de certa forma, trata-se de uma vitória da terceira idade, porque ele deve estar com mais de oitentinha. O itaparicano é antes de tudo um forte e, se dr. Jorge, o diretor do hospital, suprir nossas mínimas necessidades, já tenho organizado o time da ilha contra quem aparecer, embora haja certas restrições aos planos já revelados por Zecamunista ao telefone, que consiste na construção do Memorial do Comunista Desconhecido. Para o início do financiamento o plano dele é desafiar o time do Chico Buarque para um jogo beneficente, mas impõe condições. O juiz e os bandeirinhas serão nossos e Chico terá obrigação de cantar músicas subversivas nos festejos que comporão o certame. Vicente, claro, será o goleiro e capitão do time. Nós nunca entendemos o que é volante, ala, cabeça de área e essas coisas, de maneira que vamos revolucionar com uma formação WM, assim constituída: Vicente Prefeito, Martinho Limpeza Pública (casado e com filhos, antes que d. Marta implique com o quase xará) e Esmeraldo da Pensão; Zé Pretinho, Güeba e Xepa; Delegado (este que vos fala), Beto Atrântio (nome popular de Beto Atlântico, porque lá nós somos contra proparoxítonas e não assinamos o Acordo Ortográfico, itapariquiquês é outro idioma), Toinho Sabacu (Sabacu é uma ave, minha senhora, uma parenta da cegonha, de moral ilibada), Rapa-Ficha (nome de guerra de Zecamunista no carteado) e Espanha do Bar. Não chamamos a seleção de Dunga porque é um confronto desigual para ela e ia atrair muito menos gente que o time do Chico.
Em relação à situação nacional, o panorama da ilha, pelos contatos que fiz antes da viagem, não deixa perceber grande entusiasmo, ou mesmo interesse. Zecamunista me disse pelo Skype que está fazendo um apanhado dos acontecimentos, para retirar lições preciosas. Numa antecipação que, em mais um esforço de reportagem, esta coluna lhes faz com exclusividade, ele estabeleceu algumas premissas para o que ele chama 'A primeira lei lulática'. Essa lei estabelecerá que a popularidade de Lula é basicamente intransferível, assim como, ou principalmente, os votos.
- A primeira premissa me parece cada vez mais clara - disse Zecamunista. - A popularidade de Lula é baseada no trinômio Asneirol, Mentirol e Calabocol. É o que o povo gosta, porque dá risada com os números dele, curte com a cara de quem ele está enrolando e recebe todo tipo de esmola de nome chique. Não tem mais pra ninguém, é a mesma coisa que, no tempo dele, você querer substituir Oscarito, com todo o respeito. A Oscarito, é claro.
O Globo (RJ) 02/11/2008