Tenho insistido na profunda identidade existente entre as diversas formas da arte de narrar, porque aí me parece jazer a raiz de todos os ímpetos de renovação que ela comporta. O tom de epopéia, a narração feita em versos que integram muita poesia popular, tudo participa de um mundo de ritmos que tem início quando a criança começa a ouvir histórias da mãe, da tia, da avó e da babá. A cadência da narrativa, suas marcações, seus cortes, suas interrupções seu espanto, tudo se liga ao fôlego, à respiração do menino e da menina.
Pela primeira vez, deparo com uma antologia que abarca todos os tipos possíveis de contação de histórias, com exemplos de autores principalmente nacionais, mas também de nomes de escritores de fora, em textos grandes, médios, pequenos, mínimos, dando ao livro "Oi gente - Histórias para você ler", organizado por Evanildo Bechara, uma amplitude raríssima em volumes do gênero.
Nas suas 264 páginas estão 53 autores, nacionais e estrangeiros, muitos com mais de cinco textos cada um. Vários de Machado de Assis, inclusive "A morte do sineiro", "Conto do vigário" e "Semana Santa". Em outro conto de Machado, também reproduzido na antologia de agora, "O dr. Castro Lopes e a nossa Academia", alude Machado à possibilidade remota de uma academia brasileira. Na realidade, não deixa de brincar com a idéia porque, ao aludir à palavra "inverdade" que o dr. Castro Lopes queria usar em vez de "Mentira" e que precisaria de uma aprovação acadêmica, Machado admite uma possível Academia Brasileira, literalmente, "aí por 1950". Na verdade, a Academia Brasileira de Letras teve sua sessão inaugural em 20 de julho de 1897.
A verdade do conto e sua característica de música de câmara dão, a esse gênero, a mesma possibilidade de afoiteza contida na poesia. "Oi gente - Histórias para você ler" apresenta não só o conto tradicional, mas também textos didáticos, e para isto Evanildo Bechara apresenta ensinamentos vários, com textos sobre origem dos nomes dos meses ou ensinamentos sobre o uso apropriado e certo de muitas palavras. Por exemplo mal-criação ou má-criação, outras crônicas de Machado, como "O bonde e os burros", o conhecido "Plebiscito", de Artur Azevedo, e o belo "O estouro da boiada", de Euclides da Cunha.
Uma das vantagens do livro está na diversidade dos assuntos selecionados, mas também na clareza da organização geral do livro. Em seu prefácio ao volume, diz Arnaldo Niskier, lutador incansável pela educação no Brasil: "O percurso do professor Bechara e sua equipe foi cientificamente palmilhado, selecionando textos com o cuidado de manter a unidade na diversidade, o que é facilmente identificável.
Não se trata de um livro didático, mas de uma obra que poderá acompanhar os estudos e os anseios dos que se debruçam sobre os nomes de alguns dos nossos maiores escritores de todos os tempos, deles recolhendo peças literárias de grande valor e significado. É válido para professores e alunos".
"Oi gente - Histórias para você ler" é um lançamento das Edições Consultor. Organização de Evanildo Bechara, assistente de seleção Marlit Bechara. Revisão de Sandra Pássaro, Paulo Teixeira Pinto Filho e Carolina Rodrigues, digitação de Lucia Deppe e Daniela Ferrari. Coordenação executiva de Andréia N. Ghelman. Capa e projeto gráfico de Isio Ghelman, ilustrações de Marcelo Monteiro, foto-capa de Ugur Evirgen/ Stockphoto e CG Textures.
Entre os assuntos escolhidos pela equipe de Evanildo Bechara estão Gutemberg inventa a imprensa, Galileu, pai do relógio, A biblioteca, instrumento de difusão da cultura, Mau emprego de grandes inventos em 1450, A canção popular espelho da alma do povo.
A quarta de capa, enumera-se tudo o que não se deve fazer com o livro, instrumento básico de cultura, num texto redigido na primeira pessoa do singular: "Não me manuseie com mãos sujas"; "Não escreva em minhas páginas"; "Não rasgue nem arranque minha folhas"; "Não apóie o cotovelo sobre minhas páginas durante a leitura"; "Não me deixe sobre cadeiras ou lugares que não sejam meus"; Não me deixe com a lombada para cima"; "Não coloque entre minhas folhas algum objeto mais espesso que uma folha de papel"; "Não dobre os cantos de minhas folhas para marcar o ponto em que parou"; "Use para isto uma tira de papel ou marcador apropriado"; "Terminada a leitura, devolva-me ao lugar certo ou a quem deva guardar-me; e "Ajude a conservar-me limpo e perfeito e eu o ajudarei a ser feliz".
Tribuna da Imprensa (RJ) 30/09/2008