A luta pela preservação de nossas matas e de nossas flores vem tendo em Dorée Camargo Corrêa uma defensora infatigável e inteligente. Fundou ela há alguns anos a ABRADE (Associação Brasileira de Defesa Ecológica), responsável por uma verdadeira pregação em prol do chão em que vivemos, com suas árvores, seus lagos e seus rios. Como parte dessa campanha, lança ela todos os anos um volume com textos de brasileiros que apóiam seu trabalho.
O volume deste ano tem o título de "Primavera" e reúne ensaios de trinta e cinco autores, por ordem alfabética de Amélia Sparano a Yvonne Maciel Pinheiro, com prefácio de Nelson Mello e Souza em que diz: "Louvável mais esta iniciativa da consagrada artista Dorée Camargo. Após ‘O Jardim', lança a segunda antologia poética, ‘Primavera', festejando a estação.
Seu envolvimento com a causa ecológica é conhecido. Nele Dorée fortalece a ligação com a terra e a vida. O culto da primavera exprime um arquétipo do Ser. É vasto, envolvente, arcaico. “Surgiu com as primeiras manifestações das sociedades agrárias quando o homem, aprendendo o segredo reprodutivo da semente, dominou o cultivo das plantas..." e apresentação da própria Dorée.
Como partícipe do movimento, ocorreu-me citar conversa que tive com um amigo de Keto na África. Do muito que aprendi com a sabedoria africana, durante os anos em que lá vivi, guardei sempre comigo a resposta desse amigo, John Oladelê. Eu anotara que uma árvore estendera um de seus galhos, dos grandes, para a casa de John e já começara a derrubar uma parte da parede. O que eu disse foi:
- Quando é que você vai cortar aquela árvore? Ela acaba jogando sua casa no chão.
John olhou-me, espantado, e respondeu:
- Eu não posso derrubar essa árvore.
Quis saber por que.
Resposta:
- Porque um Deus mora nessa árvore.
As palavras de John me surpreenderam. Quando voltei a falar de novo, levei o assunto à frente:
- Em toda árvore mora um Deus?
- Mora.
Levei alguns segundos para perguntar:
E se vocês precisarem construir uma estrada importante num trecho cheio de árvores?
- Teremos de organizar uma cerimônia religiosa, com um Babalorixá ou uma Ialorixá, às vezes com os dois, explicando que vamos ter de construir uma estrada ali e pedindo que mudem as árvores. Como cada árvore pode abrigar mais de um Deus, isto é possível.
Aprendi mais com ele que a Primavera, época das flores, era quando os deuses davam festas, de que os homens devem participar, dançando em frente de árvores e de flores, porque a flor é a coisa mais bela da natureza.
Quando leio hoje nos jornais brasileiros, e vejo nas televisões, milhares e milhares de árvores sendo postas a baixo na Amazônia, imagino quantos deuses nos estão abandonando para sempre e penso num deserto do Saara que poderá surgir no lugar das árvores. Estamos, na realidade, expulsando milhares de deuses do Brasil.
Também contra esse crime trabalha Dorée Camargo Corrêa, com sua ABRADE e os livros que, em toda Primavera, tem lançado em parques e jardins do Rio de Janeiro.
A antologia "Primavera- 2ª Antologia da Sociedade Jardim Poético", deste ano, projetada minuciosamente por Dorée Camargo, teve a coordenação editorial de Walter Duarte, com fotos do jardim da casa de Dorée e Hamilton Freitas no Alto da Boa Vista, editoração eletrônica de Ito e Wellington Lopes, digitação de Maria Zilda, fotolitos da Bela Imagem, impressão e acabamento do Armazém das Letras.
Tribuna da Imprensa (RJ) 8/7/2008