Entre os desesperados de nosso tempo, houve um que foi salvo pela poesia. Seu nome? Paul Claudel. Que era desesperado, não há a menor dúvida. Mas diferente de outros, diferente de Bernanos, de Graham Greene, de Kafka, de Francis Thompson, de Huysmans. A base da ação dramática de romancistas como Bernanos e Greene é a certeza da condenação pelo pecado. Foi o critico francês Jean Roy quem chamou de "cristianismo da danação" a obra desses dois escritores.
Danação é mais do que a palavra condenação, é quase a certeza de que não se pode fugir a ela, à maneira do jansenismo de Pascal. Veja-se que todos eles podem ser chamados de existencialistas e o pensador em quem Jansenius se inspirou para seu fatalismo, Santo Agostinho, foi o grande existencialista do começo da era cristã.
Havia, porém, em Claudel, um sentimento de poesia que superava a angústia, o desespero e o tédio naturais a um existencialismo puro. Estranhamente, Claudel estava, aí, mais próximo de Gide, seu grande amigo da juventude e inimigo de tempos da maturidade, do que dos existencialistas, antigos e modernos. E que ambos acreditavam na vida, com a diferença de que, para o poeta Claudel, a vida, sendo feita de coisas visíveis e de coisas invisíveis, precisava da razão e da poesia, dos sentidos e da fé, do raciocínio e da imaginação.
Se Bernanos achava que "a condição do homem é tal que nada mais poderia perceber em si senão sob a forma da angústia", para Claudel as coisas são boas, essencialmente boas. Resolve explicar: são boas segundo sua ordem: "A razão é boa. A imaginação é boa. A sensibilidade é boa. Só os hereges, ou jansenistas como Pascal, podem crer que qualquer faculdade desse espírito humano criado por Deus seja má em si."
Nessa disposição de olhar para cada coisa do mundo e ver que elas são boas, pode estar uma das bases da poesia de Claudel. Para ele, ao fazer poesia, chegava o homem a alguma coisa que a razão compreende e a imaginação alcança, isto é, "de uma coisa material o homem faz uma coisa espiritual".
Como a poesia e a fé estavam, nele, juntas (e aí concordava com o Abade Brémond de que poesia é oração, embora achando, como declarou em carta ao autor de "Poésie pure", que a oração supera a poesia porque se dirige diretamente a Deus), buscava, em seus poemas, reencontrar a perfeição original que o pecado nos fez esquecer. Vista por esse ângulo, havia na poesia de Claudel um nominalismo que transformava o poeta em ministro de Deus. Essa busca da perfeição fazia supor uma fé na existência da perfeição, e nisto Claudel diferia de quase todos os outros escritores católicos de seu tempo, que realçavam a tendência para o pecado e a força do desespero.
No mostrar sua fé e seu permanente espanto diante da beleza das coisas, Claudel usa as palavras mais simples, mais humildes, mais comuns. Acha que o poeta impõe uma ordem à natureza e participa do ato criador de Deus, pois o poeta, "dando nome de cada coisa", ajuda a criação: "Participas de Sua criação, cooperas em Sua existência." Mas também "toda palavra é repetição", e como fugir a essa angústia repetitiva que também amargurava Kierkegaard? Chamando as coisas pelo seu nome.
Que é poesia senão isto: chamar as coisas pelo seu nome? A rotina, a angústia; o desespero, o tédio, tudo consome as coisas, desfigura-as, dá-lhes novas aparências, torna-as diferentes do que são - mas chega o poeta e restaura a dignidade de cada coisa, chamando-a pelo nome. Por isto, a poesia é um ato de fé, insere-se na ação divina no que ela tem de mais criador. A poesia de Claudel - e a de San Juan de la Cruz, Santa Teresa, William Blake, Jorge de Lima - integra esse estado de êxtase, capaz de insuflar nas palavras mais normais toda uma carga de misticismo poético, na tentativa de chegar a um conhecimento além dos sentidos.
Para esses e outros poetas, se o momento, de hoje ou de ontem, é de desespero, se todos os tipos de fossa rodeiam o homem de nossos dias, ou dos dias antigos, está na poesia a porta de percepção que, no dizer de Blake, ilumina o contorno das coisas.
"Poèmes & Paroles - durant la guerre de trente ans", de Paul Claudel saiu pela Gallimard em sua décima edição em 1945.
Tribuna da Imprensa (RJ) 11/3/2008