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A história de um jornal

 

Além de vinculado a permanente atividade como jornalista, desde 1945, interessei-me sempre em discutir técnicas jornalísticas e sua afinidade com a literatura. Daí, meu livro "Jornalismo e Literatura", lançado há mais de 50 anos e hoje adotado em muitas escolas do setor. A definição básica - de que "jornalismo é literatura sob pressão dupla: do espaço e do tempo", isto é, tem de ser feito para cobrir um espaço determinado no jornal e precisa ser feito para sair amanhã ou dentro de prazo previsível.


Mantive coluna diária durante 25 anos em jornal do Rio de Janeiro, escrevi para jornais e revistas dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França, da Nigéria, do Benin, do Senegal, tive colunas em jornais portugueses, colaborei em jornal da Coréia do Sul e da Austrália - de modo que sempre me interesso em analisar Jornalismo, discutir Jornalismo e estudar a influência do Jornalismo na vida e nos caminhos de um povo.


Fundei e dirigi, com Zora, em Londres, em inglês, um jornal chamado "The Brazilian Gazette", mensal, que divulgava notícias de interesse para o Brasil, e dirijo hoje, com Arnaldo Niskier, o "Jornal de Letras", em sua nova fase, que já dura dez anos. É, por isto, natural que esteja agora fascinado pelo livro de Cícero Sandroni, "180 anos do Jornal do Comércio - 1827-2007 de D. Pedro I a Luiz Inácio Lula da Silva". São quase 600 páginas em que se conta não só a história de um jornal, mas a do próprio Brasil e a história de nossa literatura e de nossa cultura.


Em 1827, cinco anos depois de proclamada nossa Independência, chegavam ao Brasil o tipógrafo, editor e livreiro Pierre Plancher e seu impressor Justin Victor Cremière, que nos traziam a surpresa da notícia e a dádiva do conhecimento. De D. Pedro I a Lula e de Pierre Plancher a Maurício Dinepi, relata o livro de Cícero Sandroni as sucessivas mudanças por que passou o País, com inclusive um gênero literário novo, o do folhetim, que se transformaria na crônica brasileira que Machado de Assis elogiava numa página sobre o assunto, quando ainda estava com 20 anos:


"O folhetinista é a fusão admirável do útil com o fútil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frívolo". Assim teria surgido esse gênero eminentemente brasileiro, para o qual o "Jornal do Comércio" teria contribuído com sua presença normal.


Seguiu um sistema europeu, de publicar romances de autores conhecidos, a começar por Alexandre Dumas. Era hábito do jornalismo francês, que passamos também a adotar. Assim, Lima Barreto teve sua obra-prima "Triste fim de Policarpo Quaresma", publicada entre 11 de agosto e 19 de setembro de 1911.


Lima Barreto o escreveu a pedido de Félix Pacheco, diretor do "Jornal do Comércio", que o lançou imediatamente em capítulos e, quando alguém falava mal dele, defendia-o Lima: "Não é do Sr. Félix Pacheco, senador e redator chefe do "Jornal do Comércio" de quem falo. É do Félix, protetor dos escritores desprezíveis ou desprezados a quem me refiro e de quem só tenho recebido homenagens".


Antes do incêndio, que destruiu o prédio Ouvidor-Rio-Branco, visitei Santiago Dantas, que comprara o "Jornal do Comércio", e lá encontrei Roberto Campos que escrevia o editorial do número seguinte. Meses depois, com o incêndio, tudo mudou e Chateaubriand comprou o jornal que continuaria sua trajetória de bom jornalismo até hoje.


Todos nós escrevemos, ao longo dos anos, para o "Jornal do Comércio", que também foi um órgão oficial da Academia Brasileira de Letras, tendo quase todos os seus diretores sendo membros da mesma. Também os discursos de posse na Casa de Machado de Assis eram infalivelmente publicados no jornal.


Do "Jornal do Comércio" foi também Austregésilo de Athayde, que presidiu a Academia Brasileira de Letras por vários turnos, dando uma nova dimensão à Casa de Machado de Assis. Quando morreu, escrevi sobre ele para o "Jornal do Comércio" um artigo chamado "Um brasileiro por excelência", o que na realidade era.


Jornalismo é literatura, sim. Prova-o o livro de Cícero Sandroni, em que se unem um extraordinário espírito de brasilidade e uma narrativa límpida e viva de 180 anos da vida de um país. Passou meses pesquisando na Biblioteca Nacional, no acervo do Jornal do Comércio, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e na Associação Comercial do Rio de Janeiro para escrever este livro comemorativo. Participou de forma presente na história do jornal, tanto que, em 1995, foi editor de opinião e em 2000, diretor-adjunto de redação.


O livro "180 anos do Jornal do Comércio - 1827-2007 de D. Pedro I a Luiz Inácio Lula da Silva", de Cícero Sandroni, é uma edição da Editora Quorum, com participação da Caixa Econômica Federal e da Petrobrás.


Tribuna da Imprensa (RJ) 29/1/2008