Eles, os livros, são valiosos instrumentos para ajudar a vencer as desigualdades que ainda permeiam a nossa nação
A maior parte dos diagnósticos sobre a indústria editorial em nosso país leva a uma só conclusão: a de que os preços dos livros são altos porque as tiragens são baixas.
Em novembro de 1996, com o Plano Real já consolidado, os suplementos literários dos principais jornais brasileiros comemoraram um fato alvissareiro para o nosso mercado editorial.
Pesquisa da empresa britânica Euromonitor informava que o mercado brasileiro de livros já era o segundo das Américas, havendo ultrapassado o do Canadá e só perdendo para o dos Estados Unidos.
Os dados pareciam contestar os diagnósticos sobre o Brasil. Se éramos o segundo mercado de consumo nesta parte do mundo, caíam por terra as constatações de que as baixas tiragens e o baixo consumo justificavam o alto preço dos livros aqui editados. Enquanto a empresa inglesa anunciava a cifra de US$ 2,5 bilhões em vendas, em 1995, em nosso mercado, a Câmara Brasileira do Livro informava uma produção de 40 mil títulos com 330 milhões de unidades, venda de 374 milhões e faturamento de R$ 1,875 bilhão, valor bem inferior ao divulgado pela Euromonitor.
Os números de 1996, contudo, foram ainda mais promissores, pois as vendas cresceram 21,48%, e passamos do índice de 2,4 para 2,55 exemplares/ano por habitante, prenunciando que poderíamos chegar ao ano 2000 com o consumo individual de 3,1 livros. Como tive a oportunidade de constatar, quando ministro da Educação, a sazonalidade dos resultados, porém, sempre refletiu a profunda dependência da indústria do livro do desempenho do referido ministério nas aquisições, através do Plano Nacional do Livro Didático -aliás, o maior programa governamental de distribuição gratuita de livro em todo o mundo. Os resultados de 1997, com a diminuição da produção, venda e consumo de novos títulos, não repetiram o sucesso do ano anterior. O faturamento da indústria editorial, que havia dobrado em 1990 e 1996, sofreu uma queda de 10% em 1997, ano que precedeu as sucessivas crises econômicas do México, da Rússia e da Coréia do Sul. Ao contrário dos efeitos devastadores na economia, o ano de 1998 revelou uma insólita recuperação do mercado de livros. A produção e a venda no consumo de obras didáticas aumentaram 3%; as obras gerais, 15%, os livros religiosos, 3%, os de natureza técnica, científicos e profissionais, 13%. E o programa do Ministério da Educação, com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cresceu 50%, passando de US$ 228 milhões para US$ 344 milhões. O bom e surpreendente desempenho da indústria editorial em 1998 despertou o interesse de editoras estrangeiras, que, no ano seguinte, passaram a investir no país, com a compra de duas editoras, a Ática e a Scipione, que, juntas, detinham 35% do mercado brasileiro de publicações educativas. Mas os números continuaram contraditórios. O total de títulos produzidos caiu 3%, mas o número de exemplares vendidos subiu 17,8%, fazendo com que o faturamento aumentasse 13%.
Números, cifras, valores e dados estatísticos sobre o modelo editorial e a indústria de livros no Brasil são o retrato fiel do velho refrão segundo o qual os números "explicam, mas não justificam" os problemas que tão de perto afetam os lentos avanços da educação entre nós e as carências de nossa cultura.
Em setembro de 2000, o caderno "Idéias/Livros" publicou a reportagem "Raio-x do mercado editorial", na qual analisava o estudo "Cadeia de Comercialização de Livros", realizado para o BNDES pelo economista William George Saad e pelo engenheiro Luiz Carlos Gimenez. No texto, o jornalista Rodrigo Alves comentava que "as distorções de um país que tem mais editoras do que livrarias provocam um gargalo que encarece e dificulta o acesso ao livro". "As modas vão e vêm", disse John Kenneth Galbraith, "mas os livros (sobretudo os grandes) ficam". Eles são valiosos instrumentos para ajudar a vencer as desigualdades que ainda permeiam a nação e as convertem na mais aguda e visível de todas as nossas questões coletivas. Acredito, pois, não haver discrepâncias ideológicas ou partidárias quanto à relevância da questão social. Pode-se discordar nas formas para superá-la, mas ninguém ousaria negar ser esse o maior obstáculo à plenitude democrática a que todos aspiramos para nossa pátria. Enfim, "os livros", observou, com fina percepção, Mário Quintana, "não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas".
Folha de S. Paulo (SP) 21/2/2007