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Chega de diagnósticos

 

Pior do que o período pré-eleitoral, em que se oferecem prognósticos e diagnósticos de tudo, só as longas fases de transição




PIOR DO que o período pré-eleitoral, em que se oferecem prognósticos e diagnósticos de tudo, só mesmo as longas fases de transição. Como vivemos algumas delas, podemos garantir que nem sempre o que se discute tem validade na prática. Parodiando o velho e saudoso Barão de Itararé, "a teoria, na prática, é diferente".


A começar por uma realidade que parece meio esquecida: no primeiro ano de trabalho, o novo governo opera com o Orçamento aprovado no exercício anterior, elaborado naturalmente de acordo com os planos e promessas daqueles que concluem os seus mandatos. Assim, o que for pensado como novidade só terá viabilidade a partir de 2008, com a intercorrência de fatos que abrangem as conjunturas nacional e internacional. Ou seja, muita coisa deixa de ser atual. Na verdade, o que interessa é o "fazergnóstico", palavra ainda não incorporada ao "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", uma das obras-primas do filólogo Antônio Houaiss, editada pela Academia Brasileira de Letras. O que seria? Um verbete de protesto contra a montanha de prognósticos e diagnósticos que ocupam espaços generosos nas estantes de burocratas e instituições públicas e privadas. Agrava-se pelo fato de saírem essas aventuras da criatividade morna dos bolsos dos contribuintes. Relação custo/benefício aí não se considera, pois ainda não houve quem contabilizasse tamanho e seguido desperdício. Vejamos o caso da educação. Páginas e páginas, além de centenas de reuniões, para discutir a reforma do ensino superior. Ninguém de bom senso considera essa a nossa maior prioridade. Enquanto houver crianças (mais de 2,5 milhões) fora das escolas ou atendimento precário de tantas que as freqüentam, o que importa questionar esse nível de ensino? Enquanto se perde tempo, o Brasil ocupa o 72º lugar dos 125 países listados pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o que assinala a vergonha dos nossos índices de evasão e repetência. O ideal seria que se pagasse melhor salário aos professores, que passam anos, pacientemente, aguardando remuneração condigna, "homenageados" apenas por promessas que se avolumam no período eleitoral. Dizem que o aumento custaria muito dinheiro, melhor investir em Angra-4. Será que as ditas autoridades têm consciência do mal continuado que fazem ao nosso país com essa estranha prioridade? Ninguém duvida de que o ensino médio esteja caótico. Portarias do MEC embaralharam de tal forma o sistema que não temos condições objetivas de formar os recursos humanos indispensáveis ao nosso crescimento econômico e social. Os empregos são oferecidos, e a educação deveria acompanhar essa incrível oferta, sobre a qual a nossa sociedade ainda não despertou devidamente. Exemplo de um jornal de domingo, no Rio de Janeiro: "procuram-se profissionais para atividades como: bombeadores, enfermeiros, técnicos de testes elétricos, vendedores, secretárias, formados em mecânica, elétrica e eletrônica, assistentes técnicos em telecomunicações, polímeros, petroquímica etc.". Deve-se considerar que, em pouco tempo, o Rio estará dando um show de novas oportunidades, com a implantação de projetos como o quarto forno da CSN (Sepetiba), as usinas siderúrgicas já programadas e a nova refinaria da Petrobras, na região de São Gonçalo-Itaboraí. Só nesta última, a oferta será de 70 mil empregos até 2008, com prevalência de técnicos de nível intermediário. Estamos procurando corrigir esses "maus caminhos" com uma programação que atenda basicamente à oferta de postos de trabalho. Não se pode ter um ensino profissionalizante dissociado do mercado. E é ele que fornece diplomas de técnicos, e não somente de qualificação. É setor que precisa merecer prioridade absoluta, associando governo-empresa-escola na repetição da trilogia que consagrou Galbraight, com a sua tecnoestrutura. A partir daí, estaremos praticando o necessário "fazergnóstico".


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 31/10/2006

Folha de São Paulo (São Paulo), 31/10/2006