Era o ano de 1968. Mês de outubro, em cuja primeira ou segunda quintas-feiras a Academia Sueca faz a escolha do Prêmio Nobel de Literatura. Como responsável por uma sessão literária em jornal do Rio de Janeiro, quis saber que autores estariam numa lista de escolha. Só uma pessoa de minhas relações poderia dar-me tal informação: Alfred Knopf, editor americano ligado à literatura brasileira e meu amigo.
Para ele telefonei em Nova York. Alfred estava alegre e feliz. Disse-me que um autor editado por ele seria o Nobel de 68 porque soubera que os dois favoritos eram Jorge Amado e o japonês Yasunari Kawabata. De Jorge, havia Knopf publicado "Gabriela" e "Quincas Berro d'Água". De Kawabata, editara "Snow country" e "Thousand cranes". Infelizmente Jorge Amado acabou não sendo o escolhido.
Li então "Snow country", romance feito sobre uma base, uma verdadeira forma: o "haiku". Tomando o ritmo e a leveza desse poema japonês, o romancista aproveitara o molde escolhido apenas como ponto de partida para levantar novidades no modo também leve de narrar.
Já "Thousand cranes" usara forma diferente: a da tradicional cerimônia do chá no Japão. O menor dos detalhes dessa antiquíssima cerimônia é cuidadosamente planejado e executado no romance.
Tudo - a casa, os utensílios, a folha de chá, a xícara japonesa sem braço, a decoração da sala - tudo influi no ritual, é parte do ritual, numa narrativa de amor e de morte em que o jovem Kicuji vive sua tragédia.
Pois, tantos anos depois, sai no Brasil um romance de Yasunari Kawabata, diferente dos que eu lera então. Título: "A casa das belas adormecidas". Diferente, sim, mas com a mesma e extraordinária leveza. A história do livro se baseia num costume japonês desconhecido. O de que um idoso passa a noite com uma jovem (entre 14 e 18 anos), em geral bela.
Ele apenas dorme com ela, ou melhor ele não dorme, simplesmente passa a noite com ela, a quem é dado um remédio para que durma determinado número de horas. Na mesma cama, o homem contempla sua companheira adormecida, de vez em quando cai no sono, depois acorda e observa as feições e a tranqüilidade que a moça revela e nada mais acontece. De manhã, a dona da casa vem dizer-lhe que está na hora de fazer a sua pequena refeição matinal e ir-se embora.
O velho voltará à casa 15 dias depois, mais ou menos, a fim de tornar a dormir, contudo com outra jovem. Durante a noite, a memória funciona e ele se lembra de seu casamento, dos amores que teve, de cenas em geral agradáveis de um passado próximo ou longínquo.
O enredo imaginado por Yasunari Kewabata fez-me lembrar o hábito que, durante minha vivência africana, soube existir entre os ashantis do interior de Gana, onde um homem, quando envelhece, recebe da família, para lhe fazer companhia, em geral uma alegre menina, de seus 10 ou 11 anos, que passa a acompanhá-lo, tomar conta dele, brincar com ele, dormir com ele, em geral os dois acabam sendo como duas crianças, achando graça um no outro, rindo.
O mesmo pode acontecer com a mulher velha, que recebe um menino para brincar com ela. Aproveitei o que aprendi na África para dar à minha personagem Mariana, de "A casa da água", um menino que lia para ela, ria com ela, acompanhando-a por toda parte.
A leveza de Kawabata, em "A casa das belas adormecidas", é típica de seu estilo e está presente em cada página do livro, sabendo o autor, como romancista, explorar com sabedoria a beleza do corpo feminino posto em repouso controlado.
"A casa das belas adormecidas", de Yasumari Kawabata, é um romance que nos revela um aspecto novo da sexualidade na idade madura. É também, acima de tudo, uma bela e original obra de arte literária.
"A casa das belas adormecidas" é um lançamento da Editora Estação Liberdade. Tradução do japonês Meiko Shimon. Editores: Angel Bojadsen e Edilberto F. Verza. Capa: trabalho de Midori Hatanaka, especial para esta edição - acrílico sobre folha de ouro.
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 15/11/2005