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Em busca da verdade

 

Entre os filósofos dos últimos dois séculos que pensaram em marcar para sempre o nosso pensamento, nenhum está, como Nietzsche, tão perto de alcançar essa meta. Os livros que hoje se publicam sobre ele abarcam todo o vasto campo em que a filosofia se mostra intimamente ligada ao homem como dono do seu destino, ou não.


O livro de Belkiss Silveira Barbuy, "Nietzsche e o cristianismo", vem acrescentar, à bibliografia nietzschiana, uma análise de grave lucidez ao teor evangélico do criador de "Zaratustra" que poderia ter sido pastor. Filho primogênito do pastor Karl Ludwig Nietzsche, que morreu quando o menino Friedrich estava com cinco anos, teria seguido a carreira eclesiástica do pai.


Tendo estudado antes dos 14 anos numa escola de severa orientação filológica dada a seu aluno, recebeu mesmo da filologia a base de seu desenvolvimento no ramo de uma formação clássica. Teve início aí seu domínio da palavra que o levou a ser professor de filologia clássica na Universidade da Basiléia antes de chegar aos 25 anos.


Adolescente ainda, fundou, com alguns companheiros de estudo, uma sociedade e uma revista chamada "Germania", onde escreveu artigo em que dizia: "Somente o gênio seria o portador da verdadeira semente de Deus, que as religiões haviam originalmente considerado como o Dom criador de um povo, mas tudo isto agora se perdera porque elas, num estágio posterior, esvaziaram o divino de sua imanência, inventando um Deus do além, um Deus abstrato."


O caminho de Nietzsche seria o de uma busca da verdade, alvo também dos movimentos religiosos. Durante seu tempo da verdade, de relacionamento com a namorada Lou Salomé, que deixou depoimento importante sobre Nietzsche, revelava nostalgia quanto ao cristianismo. Perguntava: "Que acontece quando todas as combinações se esgotaram? Não se deve retornar à fé? Talvez à fé católica?" E o seu "Zaratustra", não seria a base de um novo cristianismo? O que o afastava do cristianimo era a tendência cristã de realçar a culpa e o pecado como base de uma fé.


O lado bom do cristianismo seria o conceito de amor que nele existe. O cristão ama Deus, ama a Virgem, ama os santos. O grego não amava Júpiter. Ele o temia, embora haja também, na linguagem litúrgica do catolicismo, a expressão "o temor de Deus".


Assim apresenta Nietzsche, quase religiosamente, o novo mestre, "Zaratustra": "Misto de artista, santo, legislador, devoto, sábio, adivinho, divino eremita do velho tronco". Que vem ele fazer? Explica a autora de "Nietzsche e o cristianismo": "Vem para combater o que há de doentio e falso nos homens atuais, para conduzi-los à exaltação de uma vida mais bela". Zaratustra procura os homens da preocupação com outro mundo e outra vida para colocá-lo antenado com a sua missão aqui e agora.


Há séculos que procuramos o tipo ideal de homem. Que espécie de pessoa - homem ou mulher - terá alcançado o nível capaz de ser um modelo para Nietzsche, as únicas pessoas que se possam mostrar como verdadeiros modelos são os filósofos, os artistas e os santos. Assim, a tarefa ideal de uma sociedade é possibilitar a formação do gênio e do santo, o que passa a ser considerado como finalidade última de toda uma cultura. O cristianismo, em sua origem capaz de formar santos, deixara de cumprir essa missão, pelo menos no ritmo em que os santos sejam essenciais a cada fase da vida religiosa de um povo.


As palavras de Gumercindo Rocha Dórea, na "orelha" que fez para "Nietzsche e o cristianismo", definem bem o livro, ao classificá-lo como "fundamentada contribuição para que se compreenda a vida de uma das figuras proeminentes do pensamento universal, em sua tentativa de arregimentar as `forças correspondentes' às `forças sobrenaturais do cristianismo'".


"Nietzsche e o cristianismo", lançado pela editora GRD, foi tese de doutorado apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Prefácio de Ubiratan de Macedo.




Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 18/10/2005

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), 18/10/2005