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Língua sem extremismos

 

É preciso cuidado no trato da língua portuguesa. Aprendi isso com um mestre acima de qualquer suspeita: Antônio Houaiss. Quando ele preparava os verbetes do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, dirigindo uma equipe altamente competente, sempre chamou nossa atenção para a diferença entre Vocabulário e Dicionário. Aquele pode conter palavras efêmeras, até de outras línguas, desde que sugestivas de uma época vivida. Podem ser retiradas no futuro. Este, que lida com o significado dos verbetes, tem um número menor de palavras e há um cuidado todo especial na sua adoção, pois em geral não saem mais do dicionário. Podem ficar para sempre, às vezes transformadas em arcaísmos.


Exclusivo. A Lingüística é altamente respeitável. Só não pode ter “donos”, que cuidam do pedaço como se fossem sócios proprietários de um clube exclusivo. Vejamos o que ocorre na coluna “Na ponta da língua”, do jornal O Dia. Recebe mais de mil cartas mensais (carta, fax ou correio eletrônico) com os leitores perguntando a forma correta de escrever e pronunciar certas palavras. Preocupam-se com as regências verbal e nominal e apresentam dúvidas quanto à colocação dos pronomes e acentuação gráfica. Principalmente ao escrever, querem fazê-lo da melhor maneira, isto é, como determinar a norma culta, que assegura a unidade da língua nacional, ensinada nas escolas e na gramática. Qual é o mal de os jornais manterem colunas de esclarecimento, prestando esse importante serviço de utilidade pública?


Concordamos com os lingüistas que ninguém erra ao falar e sim transgride as determinações da norma culta, o que é perfeitamente aceitável na linguagem coloquial. Entretanto, no que se relaciona à escrita, há erro e não transgressão, o que não devemos admitir. O Vocábulo açúcar por exemplo, deve ser grafado com ç e acento e jamais ser aceito com dois s, o que não mudaria o som mas a etimologia da palavra. Aceita-se ouvir e ver escrito um pronome oblíquo iniciando uma frase ou trocado por um pronome pessoal do caso reto e até as gírias mas, apenas no que os autores consideram o momento íntimo do discurso, onde há a prevalência da informalidade (em casa, com amigos, parentes etc).


Costume. Sabemos que erros gramaticais passam a ser fatos lingüísticos consagrados quando são usados pela maioria, pois a língua é um costume e, como tal, passível de mutações absorvidas pala sociedade.


Concordamos, também que a realidade e as experiências dos educandos jamais devam ser relegadas não só no ensino do português, bem assim no de qualquer outra área. Aceitamos que o rigorosismo gramatical não deva ser um entrave à criatividade, prejudicando a produção de qualquer texto ou mesmo da língua falada. Consideramos importante mostrar aos alunos as diversas nuanças da língua, que devem variar de acordo com os discursos que se propõem. O vocabulário, a sintaxe, a pronuncia e até a entoação devem ser apropriados ao ambiente sociocultural a que destina o discurso.


Permanecemos, porém, como educadores, junto àqueles, amantes da nossa língua, que lutam para levar a um maior número de pessoas as informações que poderão ajudá-las a diferenciar a língua popular da língua culta, usando-as devidamente.


O professor Sebastião Expedito Inácio, da Universidade Estadual de São Paulo, diz: “O fato de que é o povo que faz a língua não quer dizer que se deva aceitar tudo o que venha a ser criado pelo povo. A língua pressupõe também cultura e , às vezes, o próprio povo se encarrega de repelir uma criação que não se enquadra dentro do espírito da língua como evolução natural”. É também a nossa opinião.


 


Jornal do Comércio –Rio de Janeiro, 04/06/00