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Você não decide

 

Manda a honestidade que eu avise aos que me lêem e, espantosamente, ainda não notaram que sou paranóico assumido. Estes últimos dias têm sido particularmente estressantes para a minha laia (sim, porque acredito firmemente que muitos compatriotas meus, em graus diversos, partilham desta triste condição). Começou com uma crise financeira na Turquia (!), recrudesceu com o Japão e agora com a Argentina e, de certa forma, os Estados Unidos. Embora eu não tenha nada a perder, a não ser, se a coisa engrossar mesmo, o ganha-pão (vou começar a treinar vender tangerinas nos cruzamentos aqui no Leblon, por via das dúvidas), fico nervos. Leio os jornais e suo frio só com essa zona financeira, para não falar no caso da LBV e nos escândalos e picuinhas políticas.


E há as inúmeras minhocas que freqüentam a minha cabeça, a começar pela crescente convicção que o Brasil mudará radicalmente dentro de pouco tempo. Começo pela Petrobrás, que gastou 250 milhões de reais para virar Petrobrax e acabou perdendo a dita quantia, que não é propriamente um trocado, mesmo para uma empresa do porte dela. Há quanto tempo a Petrobrás vem sendo desmoralizada perante a opinião pública? Já perdi a conta do que li, mas lembro um par de coisas, principalmente os vazamentos e as denúncias de mau gerenciamento. Agora houve a perda da plataforma P-36, uma tragédia nacional histórica. Claro, entendo tanto do assunto quanto da fabricação de provolone, mas as explosões tinham que ser num pilar de sustentação, que, de acordo com o que me constam, não é considerado área de segurança crítica? Juro a vocês - e peço desculpas pela minha provável maluquice - que penso em sabotagem. Penso até em esquemas para fazer a sabotagem e só não os exponho porque não quero ser chamado de Ian Fleming dos pobres. Mas penso e acabou-se.


E, volta e meia, recebo cartas me contando mais coisas sobre ela. Não sei se é verdade, mas sei que há gente muito interessada em comprá-la e por um preço um pouco menor do que o da Cobal do Leblon, de modo que fico desconfiado. Contam-me que houve redução drástica nas verbas de manutenção, com a conseqüência de que o treinamento é falho, as peças são de qualidade inferior e a reposição é a passo de cágado. Dizem-me também que os funcionários não recebem aumento há mais de cinco anos, enquanto, por outro lado, os preços dos combustíveis vêm subindo. Não fazem concursos para substituir a experiência de técnicos antigos e que vestiam a camisa da empresa. Terceirizam-se serviços o que significa o emprego de mão-de-obra temporária, ou leal a outros patrões que não a Petrobrás. O fato é que, se a Petrobrás continuar assim, o preço vai ser mesmo mais baixo que o da Cobal e será em reais desvalorizados pela alta do dólar. Faço esta última afirmação porque, quando privatizaram outras estatais, a gente lia nos jornais os preços em dólares, para depois descobrirmos que foram em reais, o que levou vários compradores, com a desvalorização suspeita e súbita do real, não faz muito tempo, a antecipar os pagamentos. É, sussurra-me cá a paranóia, a Petrobrás vai ser vendida nas mesmas condições e, ainda por cima, com financiamento do BNDES. Aqui tudo é possível e eu acredito em tudo; são mais de 50 anos vendo e ouvindo o que acontece. Por exemplo, se me contassem que, um belo dia, toda a poupança de uma nação seria confiscada com uma canetada, eu acharia o sujeito doido, mas não teria razão, porque foi isso mesmo o que já sucedeu. E somos governados por decretos-leis, sob o nome artístico de medidas provisórias.


No departamento territorial, o desassossego é o mesmo. O Exército já está presente em reservas indígenas, porque o oficialato sabe que existe, sim, o risco concreto de que a chamada autodeterminação dos povos seja invocada e as vastíssimas terras ocupadas por meia dúzia de índios de tribos até meio inventadas tenham sua soberania decretada, depois de um plebiscito junto à população das áreas. Podem continuar achando que eu estou delirando, mas li em algum lugar que já se descobriu um esquema de aumento da população dessas terras, não só através de migrações, como, principalmente, do estímulo à maternidade. Fazer um filho atrás do outro em jovens índias seria a palavra de ordem, para atingir-se uma densidade populacional que pelo menos dê um verniz de legitimidade a um plebiscito, além de torná-lo mais defensável por ONGs oficialmente preocupadas com a preservação de povos, culturas e línguas.


Na Colômbia, os “marines” já entraram e vão entrar cada vez mais. As Farc, que não são uma entidade reconhecida pelo direito internacional, estão se lixando para os acordos entre governos e fazem o que querem, na salada de interesses sórdidos provocada pelo tráfico de drogas. Já morreu muito camponês colombiano intoxicado por desfolhantes americanos que, em vez de taparem os próprios narizes, acham, convenientemente que o problema está na área da população e não do consumo, porque aí o problema é do que eles vagamente chamam de “South America” e não deles. E, finalmente, creio que li - e não sei bem, porque o assunto foi pouco tratado na imprensa - que alugaram a Alcântara, no Maranhão, aos americanos, sem que fôssemos nem ouvidos nem cheirados. É, me descrevem, o melhor ponto do mundo para lançamento de foguetes, gerando economia de milhões de dólares. Todo acordo de cooperação entre nações amigas, tudo legal etc. etc. É, mas vão tentar tirá-los de lá, daqui a alguns anos, e verão que, como se diz no nordeste, beiço de jegue não é arroz-doce. Temos finalmente, como Cuba, a nossa Baía de Guantánamo. Brasileiro só entra na base de Alcântara se os americanos deixarem. E eles sairão de lá tanto quanto saíram de Guantánamo, ou os ingleses saíram de Gibraltar e das Malvinas. Eu estou maluco? Você decide. Aliás, você não decide.


P. S. – Vou parar de escrever sobre estes assuntos. Não só ninguém liga, como posso morrer de um “ataque cardíaco”. Você sabe que existe uma agulhinha minúscula e indetectável que, se dispara contra sua perna, você mal sente uma beliscadinha e morre de “enfarte” logo depois? Pois existe. Essa agulhinha... Ah, cala-te, boca.


 


Jornal O Globo - Rio de Janeiro - RJ, 25/03/2001

Jornal O Globo - Rio de Janeiro - RJ,, 25/03/2001