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Educação na Nova Inglaterra

 

As economias são distintas. As populações também. Uma é rica e poderosa. A outra está à procura do seu melhor caminho, sem deixar de ser emergente. É claro que, em tais circunstâncias, qualquer comparação peca pela base. Referimo-nos à educação comparada de nível médio dos Estados Unidos e do Brasil.


Uma viagem de estudos aos estados de Connecticut e Massachusetts, na região em que praticamente nasceu a nação americana, permitiu conhecer algumas das melhores high schools do país, de fortíssimo compromisso com a qualidade do ensino.


Ali não existe a preocupação com um número avultado de alunos. As escolas costumam ter em média 500 alunos, distribuídos entre os boarding e os day students . Os primeiros, que pagam a anuidade média de 30 mil dólares, permanecem no campus a semana inteira, assistidos de forma permanente por seus professores de tempo integral (em geral jovens), que, depois das aulas, ficam à disposição dos alunos até que, às 22h30m, as luzes se apaguem compulsoriamente. Rapazes em média de 17 anos ficarão em seus prédios próprios, e moças da mesma idade irão para os seus dormitórios, em geral na proporção de dois por quarto. Televisão? Só nas salas de convivência.


Um pormenor que chama a atenção é a relação aluno/professor. Em nenhuma hipótese ela ultrapassa 12:1. As aulas são interativas, os alunos de gravata o tempo todo, sendo chamados de Mr. e Mrs. por seus mestres. Eles anunciam a próxima aula, para que os jovens estudem a matéria, apresentem seus trabalhos e tirem as dúvidas na aula propriamente dita. Pudemos assistir a duas aulas, uma de literatura latino-americana sobre Gabriel García Márquez e outra sobre filosofia, abordando o tema "De Sócrates a Sartre". A impressão mais forte foi o nível de motivação dos alunos. Ninguém sai da sala sem esclarecer pontos eventualmente obscuros. Não se pode obter esse resultado qualitativo com turmas de 50 alunos. Nem com escolas de 5 mil alunos, como as há no sistema de ensino do Rio de Janeiro. É possível garantir qualidade com esses números exorbitantes?


A preocupação, hoje, em relação ao sistema de ensino nos EUA, que está sendo criticado pela imprensa e pela sociedade, é com a formação geral, humanística. Insistem na obrigatoriedade de disciplinas como língua inglesa, história e filosofia, a fim de garantir uma sólida base para o aprendizado tecnológico, em laboratórios deslumbrantes. Isto sem desprezar o que eles chamam de liberal arts , em que se empenham de forma toda especial.


Não há nenhuma experiência de educação à distância, nem o emprego da internet oficialmente. Quando perguntados pelo emprego dessas tecnologias, os diretores (todos também dão aulas) sorriram, defendendo a idéia de que escolas tradicionais são as que ensinam melhor, sem precisar de recursos novidadeiros. "O que importa" - observou David Holmes, headmaster da Suffield Academy - "é que se mantenha o tempo todo a qualidade do ensino, o que se faz pela relação saudável de trocas entre alunos e professores". Os diretores também dão aulas, para não perder o contato com os seus alunos, e "aprender com eles". Assim se pratica a educação para a cidadania.


A partir das 15 horas - foi o que vimos em Suffield, na Williston Northampton e em Deerfield (a maior de todas) - iniciam-se as atividades artísticas ou desportivas, que se prolongam até quase a hora do jantar. Depois da refeição coletiva, ainda sobra um espaço para estudar ou tirar dúvidas, antes do apagão compulsório. A explicação do êxito desses empreendimentos? A forte disciplina imposta a todos os integrantes do processo, sem exceção, além da garantia de salários altamente compensadores para os seus responsáveis.


O orçamento anual da Suffield Academy é de US$ 12 milhões somente para as despesas operacionais. Mas qualquer acréscimo patrimonial, como a construção de um novo prédio para os departamentos de história e liderança, é financiado por generosas e constantes doações, em geral dos ex-alunos ou pais de alunos. Nesse caso específico, a doação foi de US$ 4,5 milhões, com benefícios na linha do imposto de renda, feita por um doador cubano que enriqueceu nos Estados Unidos, criando uma firma de telepizza. Retirou-se do negócio com US$ 1,2 bilhão. Como seu filho havia estudado na Suffield, com muito sucesso posterior na universidade, ele optou pela doação, e o novo prédio, imponente, estará funcionando a partir de agosto próximo.


Estamos muito longe desse espírito comunitário. A nossa Receita Federal, que tem demonstrado tanta competência, bem que poderia pensar num projeto semelhante ao dos Estados Unidos, no incentivo a doações para escolas, mesmo que sejam particulares, mas que prestem bons serviços à população.


É com esse conjunto de fatores - insistimos na idéia de valorização do humanismo necessário - que se poderia modificar a dura realidade brasileira. O nosso ensino médio cresce e já tem 9 milhões de alunos; mas o que dizer da qualidade das escolas, da falta de incentivo aos professores, da ausência de boas bibliotecas e de apetrechados laboratórios? Só uma verdadeira revolução poderá modificar esse quadro de carências, para que nossos alunos possam se comprometer, como os da Suffield Academy, com o Esse Qüam Videri que se encontra na inscrição da sua origem (1833): "Ser o que parece."


 


O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em 30/04/2002

O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em, 30/04/2002