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Uma vitória do marketing

 

Depois de minha extenuante temporada na Denodada Vila de Itaparica, eis-me de volta ao Rio de Janeiro, entre os confortos e encantos da cidade grande. A readaptação tem exigido algum empenho, mas nada que umas duas dúzias de tranqüilizantes não resolvam, até porque as novidades são escassas. Tudo parece continuar na rotina de sempre. O assalto da semana, como de hábito escolhido em votação democrática pela minha turma de boteco, não chegou a empolgar e terminou na patética condição de apenas mais um item obscuro da pauta. Parece faltar criatividade aos assaltantes, que correm o risco de desgaste junto ao consumidor. A continuar assim, logo os modelos hoje em prática sairão da moda e serão varridos pelas aceleradas mudanças atuais, ninguém agüenta mais essa mesmice.


Por justiça, deve ser assinalada a dedicação de alguns setores a produzir atrativos mais ou menos inexplorados até agora. Indica o noticiário que, em mais um esforço para incrementar a sadia, produtiva e inspiradora rivalidade entre as duas cidades, o Rio aparentemente decidiu dar um passo adiante, em relação aos recentes ataques paulistas a unidades policiais. Está sendo implantado o costume de roubar armas das Forças Armadas. Contrariando o parecer dos que acham que o Exército deve assumir as funções da polícia, evidencia-se que tanto ele quanto suas coirmãs estão precisando de proteção policial, pois os bandidos agora entram em quartéis e similares, para obter armas e munição. Pode não se tratar de uma iniciativa de grande impacto, mas não deixa de ser um caminho aberto, de conseqüências talvez interessantes. Sob um aspecto positivo que em breve deverá ser assinalado pelo governo, note-se que, com isso, se enfraquece o contrabando de armas privativas das Forças Armadas, o qual poderá tornar-se desnecessário, já que o fornecimento, ainda que um tanto forçado, passará a ser feito através delas próprias.


Contudo, novidade, novidade mesmo, pelo menos para quem, como eu, estava inteiramente por fora do assunto, é a revelação de que, em sintonia com locais mais avançados do renomado Primeiro Mundo, empreendedores pioneiros, nas praias do Rio, oferecem aos turistas catálogos de mulheres brasileiras para uso temporário, com preços diferenciados para cada bolso e, certamente, aptidões insuperáveis, pois, como lemos desde pequenos, a mulher brasileira é a melhor do mundo. Não vi nenhum dos catálogos, mas tenho certeza de que o elenco é de primeira qualidade e que a prostituta nacional não fica a dever a suas congêneres de qualquer origem.


E é também verdade que nada acontece por acaso. Há quem enxergue na decadência dos valores familiares, no desemprego, nas drogas e em outros males os fatores principais para o surgimento desse fenômeno. Mas vai nisso uma injustiça para com o laborioso marketing que há muito vem sendo posto em execução, de forma obscura e heróica, por brasileiros que não têm seu valor reconhecido, notadamente os que fazem propaganda turística de nosso país. Como sabe quem quer que tenha visitado o exterior, os cartazes e folhetos de propaganda brasileira são constituídos basicamente por imagens de mulheres meio ou inteiramente peladas, diversas delas fazendo caras e bocas que não deixam muita dúvida sobre o que estão querendo comunicar.


Para chateação dos nacionalistas exaltados, a imagem do Brasil lá fora, em princípio, não existe. A maior parte dos gringos não faz a menor idéia de quem somos, onde ficamos, que língua falamos, que tamanho temos ou como vivemos. Os pouquíssimos que alguma vez pensam no Brasil imaginam crocodilos lanchando escolares, índios nus flechando as galinhas alheias no centro de Buenos Aires, executivos pegando a hora do pique dos cipós para ir ao trabalho, jogadores de futebol que, a fim de escapar dos canibais, fazem qualquer negócio para atuar fora do Brasil e assim por diante, a ponto de se indignarem ou morrerem de rir, quando lhes dizemos qualquer coisa que contrarie essa convicção. Há uns dois anos, tive que consultar um médico em Barcelona e, quando lhe contei que já tinha feitos diversos ecocardiogramas no Brasil, aborreceu-se bastante e deixou patente que, com mentiras desse jaez, eu não conseguiria que ele me prescrevesse o tratamento adequado. Mas depois se apaziguou momentaneamente e quase ficamos camaradas, até que cometi a imprudência de observar que havia aspirina no Brasil e foi demais para ele, encerramos a consulta na hora.


Há pouquíssimo tempo, quando o turismo carioca se sentiu ameaçado pelas exigências da imigração brasileira, a reação foi destacar mulheres rebolativas, com quase tudo de fora, para receber os desembarcados no Galeão. Ou seja, ninguém pode reclamar por acharem que nossas queridas compatriotas têm como norma de vida exibir e dadivar os seus bem-bons o tempo todo, com pequenos intervalos opcionais para as refeições, porque até dormindo (juro que já li isso em algum jornal europeu) elas não se opõem a investidas amorosas, embora, suponha eu, muitas continuem a cochilar distraidamente. Não será outra a razão por que, segundo também li, argentinos presos por fornicarem com menores brasileiras se sentiram rudemente lesados em seus direitos e expectativas. Ou seja, dentro de algum tempo deitar na cama (ou até na mesa de um restaurante, aqui ninguém tem esses pudores bestas) com qualquer estrangeiro é capaz de virar prerrogativa universal e obrigação da mulher nacional. E vai terminar aparecendo quem fale em prostituição participativa e denuncie as que resistirem a cumprir seu dever patriótico. Moro aqui há mais de sessenta anos e, portanto, acredito.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 15/02/2004

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em, 15/02/2004